Quase
um terço da renda da elite do funcionalismo público, formada pelos membros do
Judiciário, Ministério Público e Tribunais de Contas, está isento de Imposto de
Renda da Pessoa Física (IRPF), segundo levantamento feito com dados divulgados
pela Receita Federal. Em 2016, cada juiz, procurador, ministro ou conselheiro
de tribunal de contas do País recebeu em média R$ 630 mil, sendo cerca de R$
180 mil livres de qualquer tributação.
Esse
nível de isenção, de aproximadamente 30%, é três vezes maior do que a média do
funcionalismo e é explicado pelo recebimento de auxílio-moradia e de uma série
de outros “penduricalhos”, como a ajuda de custo, criados pela própria cúpula
desses Poderes para escapar do teto salarial e da tributação de IRPF. Se fossem
tributadas, essas parcelas normalmente pagariam alíquota de 27,5%.
Esses
servidores representam menos de 1,0% dos 4,8 milhões de funcionários públicos
no Brasil, mas recebem R$ 6,4 bilhões em rendimentos isentos – 10,7% do total
de R$ 59,7 bilhões livres de tributação declarados pelo funcionalismo.
No
Executivo, só uma carreira desfruta de nível de isenção mais alto: os
diplomatas, que quando se transferem para o exterior recebem 75% dos seus
salários livres de imposto, além de outras ajudas de custo também isentas.
Esses benefícios são previstos em lei. Em 2016, cada diplomata brasileiro
recebeu em média R$ 235 mil em valores isentos, equivalente a 53% da renda
total média de R$ 442 mil.
Dividendos
No
total, as isenções de imposto de renda somaram R$ 844 bilhões em 2016. A maior
parcela de rendimentos isentos corresponde a lucros e dividendos distribuídos a
acionistas e sócios de empresas (R$ 350 bilhões), mas a lista completa de
isenções inclui desde os rendimentos de caderneta de poupança e fundos
imobiliários até o auxílio-moradia e outros complementos de salário disfarçados
de ajuda de custo ou verba de representação.
“O
elevado nível de isenção tributária, tanto para a elite do funcionalismo quanto
para os grandes empresários e corporações de profissionais liberais, é um dos
principais obstáculos para se reduzir a desigualdade de renda do País”, afirma
o economista Sérgio Gobetti, especialista em finanças públicas.
Segundo
ele, seria necessário promover uma ampla revisão da legislação do imposto de
renda e das isenções com o objetivo de tornar o sistema tributário mais justo e
eficiente. Mas iniciativas nessa direção “enfrentam forte oposição dos setores
privilegiados”.
Ajuste
fiscal
O
pagamento desses auxílios a juízes e procuradores entrou no radar diante da
necessidade de reduzir gastos por conta do ajuste fiscal e da bandeira de
“corte de privilégios”, que entrou em pauta. As investidas contra o benefício
despertaram reação das categorias, que já fizeram mobilização em frente ao
Supremo Tribunal Federal (STF) e prometem greve no dia 15 deste mês.
O
ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Bernard Appy, que
hoje é diretor do Centro de Cidadania Fiscal, avalia que os dados da Receita
Federal mostram distorções na cobrança de tributos. “Quanto maior a renda,
maior é a parcela da renda total isenta. Os mais ricos pagam muito menos
Imposto de Renda na pessoa física”, diz o executivo.
“Claramente
os dados mostram que uma parcela relevante de alta renda está sendo pouco
tributada. Estão fazendo planejamento tributário via ‘pejotização’ e, nos casos
dos funcionários públicos, com essas verbas indenizatórias”, acrescenta Appy.
Para ele, é preciso haver uma integração na tributação do lucro na pessoa
jurídica e na pessoa física, principalmente num cenário de redução de alíquotas
cobradas das empresas em outros países, o que pode detonar uma guerra fiscal.
Falta
de reajuste
Na
visão de alguns juízes, os auxílios dados aos servidores servem para compensar
a falta de reajustes salariais da categoria. Essa visão inclusive foi externada
pelo juiz federal Sérgio Moro, notório pela atuação na Operação Lava Jato.
O
presidente da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), Jayme de Oliveira,
diz que as verbas isentas pagas aos juízes são “as mesmas” que são isentas para
os demais brasileiros. Para ele, desigualdade seria se a categoria passasse a
recolher tributos sobre esses auxílios, contrariando a própria lei.
Fora
do serviço público, proprietários de empresas ou de firmas individuais (os PJs)
tiveram isenção ainda maior, de 61,6% da renda total, pelo recebimento de
lucros e dividendos. O chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros da
Receita Federal, Claudemir Malaquias, explica que a expansão do Simples,
contribuiu para o aumento das isenções desse grupo, já que profissionais como
médicos e advogados passaram a atuar como pessoas jurídicas pelo Simples. (AE)
Segunda-feira,
05 de março, 2018 ás 10hs00
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