Era a mensagem do Messias, a
palavra da salvação: “eu dirijo a Nação para o lado que os senhores desejarem”,
pregou Jair Bolsonaro, dias atrás, em alto e bom som, chegando até às lágrimas
– talvez se imaginando em uma última ceia de confraternização – ao lado de um
grupo de 24 pastores de diversas Igrejas.
Curiosamente o dobro exato
(quem sabe, para mostrar mais poderio) dos 12 apóstolos bíblicos a seguir Jesus
crucificado, como contam as Escrituras Sagradas. E a profecia se fez realidade
com a multiplicação dos recursos ao rebanho dos fiéis discípulos.
Era a graça divina do Planalto
sendo espalhada entre os crentes obreiros da reeleição. Dias depois, o segredo
do “milagre” do “mito” reencarnado vinha a conhecimento do grande público. Ele
havia ordenado ao seu ministro da Educação, o religioso pastor fundamentalista
Milton Ribeiro, que abrisse o cofre da pasta – nem que para tanto fosse
necessário desmantelá-la – com o objetivo de atender às demandas do pregador
presbiteriano Gilmar Santos, com a bênção da bancada da Bíblia e a proteção
divina DELE em pessoa, o mandatário-candidato.
A esbórnia estava consagrada.
Não foram precisos maiores sacrifícios, entregue em troca apenas o apoio nas
urnas dos líderes dos templos. Os cordeiros do obscurantismo bolsonarista,
orientados por Santos, faziam fila na porta do Ministério para ganhar seu
quinhão. Fruto de dinheiro público, angariado do trabalho suado e sacrificado
do contribuinte, que nada levava de benefício pela farra, diga-se de passagem.
Era desvio na veia, sem subterfúgios, confessado em um rompante de sinceridade
pelo próprio ministro Ribeiro, no altar de cerimônias com prefeitos aliados.
E ele falou de cara lavada,
letra por letra, do escândalo em curso: foi Jair MESSIAS Bolsonaro quem
ordenou. O Bolsolão tomava forma da maneira mais explícita possível. Não
existiam dúvidas restantes, vez que o esquema de pagamentos era concebido e
testemunhado pelo próprio autor da façanha em gravação aberta.
Na homilia de transgressões e malversações do
governo, que se autoproclama “incorruptível”, quantas provas mais de “milagres”
assim serão necessários para dirimir a desconfiança sobre seus malfeitos? O
arauto da boa nova, Gilmar Santos, escolhido pelo presidente, se apresenta como
responsável por uma tal de Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das
Assembleias de Deus.
É unha e carne, chapa mesmo, de Ribeiro. Foi
recebido, fora da agenda oficial e sem cerimônia, diretamente pelo “mito” em,
ao menos, quatro ocasiões, para reuniões fechadas no Palácio do Governo. O que
trataram? Como organizaram tudo? É ainda segredo guardado naquele
confessionário federal. O certo é que Messias pecou.
Mais uma vez. Depois das
tramoias com recursos da União em um imoral orçamento secreto, de prevaricar
escondendo informações de superfaturamento na compra de vacinas e após o
notório laranjal familiar, montou seu propinoduto particular, voltado aos
religiosos de sua seita. Sem punições? Sem reprimendas? Difícil esperar algo a
mais nesse sentido de um Congresso cooptado.
E o que dizer do conceito de
Estado laico, previsto na Constituição, jogado às calendas por esse Messias?
Confrontar, afrontar e ignorar a Carta Magna sempre foi a sua especialidade.
Bolsonaro usa o nome de Deus em vão para cinicamente angariar adeptos à causa
pessoal de poder.
Com um discurso reacionário,
espoliador e regido à base de uma desfaçatez sem limites, diz que zela pelo
dinheiro público. Os eleitores estão vendo bem como ele realiza a façanha. Em
proveito próprio. E o faz de diversas maneiras, recorrendo a variados estratagemas.
A CPI da Covid já tinha
identificado esquema parecido no Ministério da Saúde. Na pasta do Turismo,
outro desvio foi pilhado em flagrante. Bolsonaro mostra-se um intrépido e
fervoroso adepto do fundamentalismo de resultados. Reside nesse evangelho o
mandamento da gestão que implantou.
Quanto aos pastores, imbuídos
de um prestígio ainda superior ao dos parlamentares para saquear as finanças
públicas, sob a consagração divina do Messias do Planalto, chegaram a cobrar o
peso do prêmio em ouro para concederem a liberação da bufunfa do MEC, segundo
consta na denúncia de intermediadores. Ali mandavam e desmandavam, tal e qual
operadores de um gabinete paralelo, informal.
Quem há de coibir a profissão
de fé dos escolhidos do capitão? Nem a PF, nem o Ministério Público, muito
menos o Legislativo — controlados e tomados de assalto pelos missionários para
brecar o sistema de investigação das irregularidades latentes.
Ribeiro, no contexto, é dos
mais dadivosos e obedientes subordinados do “mito”. Prega um retrocesso
ideológico sem precedentes no ensino brasileiro. Foi capaz de defender que as
universidades deveriam ficar mesmo “para poucos”. Reclamou que “há crianças com
deficiência de impossível convivência nos colégios” e procurou emplacar a todo
custo o que o governo chama de “escola sem partido” — algo que, na prática, a
partir dos esquemas desvendados, acabou se revelando como verdadeiro antro,
concebido no mais ignóbil figurino de escola COM partido.
Sabe-se, hoje, o Ministério da
Educação converteu-se em aparelho do crime organizado, militando sob as preces
de venais cupinchas do presidente. Está manietado, submetido ao proselitismo
político, contaminado pela podridão dos interesses escusos, distribuindo
postos-chaves à corriola do Centrão – naturalmente a mando superior –,
maquinando subtrações na compra de material didático e escorraçando princípios
elementares e civilizatórios do aprendizado como o da igualdade de gênero e da
ampla convivência democrática.
Milton Ribeiro deveria bater
em retirada do MEC o quanto antes. Urgentemente. Mas não só ele. O maior nome
do problema é, na essência, o de Jair Bolsonaro. Protagonista de uma
administração que apodreceu precocemente (quase na largada), com um carnaval de
delitos e pedidos de impeachment a perder de vista, era para ter sido apeado do
cargo há muito tempo.
A sua passagem pelo poder vem
gerando encrencas e descalabros aos montes, que deixarão marcas profundas e um
Brasil em calamidade por gerações a fio. Não há como ser resiliente ou
indulgente com tamanho tráfico de influência, e de roubo mesmo, plantado no
coração do aparato educacional do País.
O que vamos ensinar desse jeito aos nossos
filhos? É um vexame a distribuição ilegal de verbas como vem ocorrendo.
Operações gravíssimas estão acontecendo. Religiosos sem cargos no aparato
federal participando de inúmeras reuniões de Estado. Liberações e empenhos de
milhões de reais para “atendimento especial” aos amiguinhos do presidente da
República.
Um circuito paralelo de “fast track” para
saques na boca do caixa, corrompendo em busca de apoios de campanha. O apetite
dos pastores do apocalipse nesse bacanal, a facilitação concedida a eles e os
ganhos transversais do Messias constituem o pior dos mundos. O PGR, tal qual um
Pilatos, tentou lavar as mãos diante da pilhagem. Desejava inocentar, mais uma
vez, o Messias idolatrado e crucificar os inocentes contribuintes. Não
conseguiu. Foi pressionado a abrir investigações. Levará o processo a bom
termo? Resta rezar: “Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, tende
piedade de nós! Dai-nos a paz!”.
Revista IstoÉ
Sábado, 26 de março 2022 às
12:10