As fortes chuvas que se
abateram sobre o sul da Bahia em dezembro – e que agora podem se dirigir para o
sudeste do Brasil – representam um alerta do impacto que as mudanças climáticas
poderão causar no país daqui para a frente. As enchentes já provocaram ao menos
21 mortes e deixaram milhares de desabrigados.
Para o físico Alexandre Costa,
doutor em Ciências Atmosféricas pela Colorado State University e professor da
Universidade Estadual do Ceará, a tragédia na Bahia é uma amostra do que pode
estar por vir nos próximos anos, com o aumento da temperatura do planeta.
“Hoje, todo evento extremo é influenciado pelo aquecimento global. Uma
atmosfera com 414 partes por milhão de CO2 não tem como se comportar como a
atmosfera de 280 partes por milhão de CO2, que era a que tínhamos na era
pré-industrial”, sintetiza.
O pesquisador, colaborador do
Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, observa que a comunidade científica
ainda adota uma “cautela excessiva” antes de associar eventos climáticos
específicos às mudanças globais do clima. No caso baiano, a ocorrência
simultânea de dois fenômenos naturais – a Zona de Convergência do Atlântico Sul
(ZCAS), típica no verão, mas rara na região, associada ao evento climático La
Niña neste ano – explicam as chuvas intensas e prolongadas. Porém, ambos estão
“potencializados" pela maior concentração de calor na atmosfera. O
resultado é que está ocorrendo seis vezes a média de precipitações para o
período, com as piores chuvas no mês dezembro desde 1989.
"A gente costumava estar
de olho na Europa, na África, na China, com enchentes extremamente severas, com
quebras de recordes de precipitação às vezes concentradas em um único dia. E
hoje, lamentavelmente, a bola da vez está conosco”, diz o climatologista. "Não
é mais possível falar desse tipo de tragédia, de 21 mortes, 77 mil desabrigados
e desalojados, quase meio milhão de pessoas atingidas de alguma forma, sem
falar de alteração climática”, afirma.
Costa explica que, devido ao
aumento do nível dos gases de efeito estufa, houve uma mudança na quantidade de
vapor d’água que a atmosfera é capaz de armazenar. "Quanto mais quente o
planeta fica, mais difícil é de conseguir chegar na saturação, que inicia o
processo de condensação, formação de nuvens etc. Isso leva a taxas de
evaporação maiores, induzindo a secas mais severas, e como a atmosfera fica com
mais vapor d’água – quase 7% a mais, conforme o mais recente relatório do IPCC
–, também temos mais matéria-prima para esse tipo de fenômeno. Não temos mais
furacões normais, ZCAS normais. Isso é coisa do passado”, esclarece.
“Hoje, os eventos de
precipitação intensa estão 30% mais frequentes, globalmente, e cerca de 7% mais
intensos. A probabilidade de acontecimentos desse tipo de tragédia cresce muito
mais.”
A ocorrência desses fenômenos
extremos não pode ser evitada, nem barrada. Mas os países, estados e municípios
podem e devem se preparar melhor para a ocorrência deles. O Brasil vive um
típico caso de adaptação às mudanças climáticas, tão debatidas nas negociações
internacionais de clima.
O especialista cita como
exemplos as ações de recuperação de matas ciliares, cobertura florestal,
adaptação das cidades – com menos impermeabilização dos solos – e uma melhor
política para as barragens pequenas e médias, suscetíveis a rompimentos, fonte
de desastres. Duas já cederam na Bahia, no último domingo (26).
Neste sentido, a recente
aprovação pelo Congresso do Projeto de Lei relativo à ocupação de Áreas de
Preservação Permanente em áreas urbanas (PL 2.510/2019) vai na contramão do que
seria necessário para proteger melhor as populações. Ao abrir caminho para
construções em zonas hoje protegidas, a lei deixa essas áreas mais vulneráveis
a fenômenos extremos como o que assola os baianos.
Alexandre Costa ressalta ainda
que, devido ao desmatamento, o Brasil se distancia cada vez mais dos seus
compromissos internacionais para evitar que a temperatura do planeta não sofra
elevações ainda mais graves. "Nós estamos sob emergência climática.
Precisamos cortar pela metade as emissões de gases de efeito estufa nesta
década e zerar tudo até 2050”, lembra.
"A partir de determinados
patamares de aquecimento, não haverá adaptação possível. Quando o IPCC (Painel
Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU) fala em 1,5C como um limite
administrável, é para manter a sociedade parecida com o que temos hoje. Com 2
graus, será muito difícil e, além disso, será impossível”, destaca o
climatologista.
(msn)
Quinta-feira, 30 de dezembro
2021 às 11:42