Dez entre dez brasileiros
preferem feijão, mas os preços aumentaram 30% na média nacional dos últimos
doze meses. Em capitais como Belém e Goiânia a alta foi recorde, de 51% até
janeiro. O arroz subiu 30% nas cidades do Sudeste e a farinha de mandioca, (macaxeira
para nordestinos), aumentou 46% no eixo Aracaju-Fortaleza.
Está cada vez mais caro o
prato “sabor bem Brasil”, louvado por Gonzaguinha e cantado pelas Frenéticas na
trilha da novela Feijão Maravilha. Era 1979 e Leo, sindicalista metalúrgico, se
encantava com a ideia de criar um Partido dos Trabalhadores.
O PT surgiu num domingo do
verão seguinte, 10 de fevereiro, em São Paulo. Registrou no manifesto de
fundação a pretensão de “ser uma real expressão política de todos os explorados
pelo sistema capitalista”, com disposição de chegar ao governo “para que se
efetive o poder de decisão dos trabalhadores sobre a economia e os demais níveis
da sociedade”. Passaram-se 43 anos, um terço deles com Dilmo e Dilma no Palácio
do Planalto. Lula-III tem mais 47 meses à frente no calendário do poder.
Quatro décadas passaram na
janela e o PT continua com o mesmo problema na mesa: a indefinição de um
projeto de desenvolvimento para o país, alternativo ao modelo de “Estado forte”
desbotado no fim do século passado.
No Rio de 1983, o psicanalista
Hélio Pellegrino, um dos fundadores do partido, espantou-se com o noticiário
sobre o custo do dinheiro: “Com juros a 400%, não há libido que aguente”,
reagiu bem-humorado.
Em Brasília, nos últimos dias,
um Lula mal-humorado criticou a “vergonha” de uma taxa de juros de 13,75%,
(metade do que era em fevereiro do seu primeiro mandato). E mobilizou sua base
no Congresso numa guerrilha política para derrubar o presidente e a diretoria
do Banco Central.
O PT passou a qualificar a
instituição como “entrave ao desenvolvimento”. O PSOL apresentou projeto para
liquidar com a autonomia do BC, aprovada 24 meses atrás pelo Legislativo. O
PCdoB pediu à União Nacional dos Estudantes (UNE) a organização de protestos
para “garantir nas ruas” mudanças na política monetária.
Na verdade, antes mesmo de
apresentar ao Congresso o desenho de uma política alternativa, e consistente, Leo
III estimula a divisão dentro do governo diante das aflições com as
fragilidades da economia expressas nas taxas de juros e de inflação.
Culpar o Banco Central pela
estagnação é inútil, assim como cobrar promessa de candidato sobre o fim da
reeleição a governante que sonha com novo mandato.
Em 1989, quando Lula estreou
no ofício de candidato presidencial do PT, contra Fernando Collor, o Brasil
encerrava um ciclo de século e meio de crescimento contínuo.
Desde a independência, a
produção de riqueza avançou em velocidade três vezes acima da média mundial,
medida pelo produto interno bruto (PIB). O país multiplicou por dez sua
participação na economia global. Representava 0,3% no final da colonização
portuguesa, saltou para 3% na era da computação portátil. Desde então, essa
encolheu e se mantém estacionada em patamar inferior a 2,5%.
No fim do século passado,
ainda eram notáveis as similaridades no estágio de desenvolvimento do Brasil
com o da China, da Índia, da Coreia do Sul e da Espanha, entre outros.
O tempo passou na janela e o
país manteve-se estagnado, apesar da reconhecida abundância de insumos vitais
(população, terra, água, energia renovável e fronteiras pacificadas) e da
relativa autonomia tecnológica com potencial transformador para a sociedade.
Atravessou as últimas quatro
décadas aprisionado numa lógica de atraso econômico e social mensurável nos
portões das cadeias e das escolas de ensino básico, enquanto China, Índia,
Coreia do Sul, Espanha e outros mudaram de “clube”.
O debate sobre teorias
monetárias é relevante, mas economia é importante demais para ficar restrita
aos economistas — até porque, como ensinou John Kenneth Galbraith, eles gostam
de ficar brigando entre si para não correr o risco de estar todos errados ao
mesmo tempo.
O que falta mesmo é
autocrítica na política, como Lula, Dilma, José Sarney, Fernando Henrique e
Fernando Collor reconheceram numa longa conversa durante a viagem para o
funeral de Nelson Mandela, na África do Sul, em dezembro de 2013.
Seis meses antes, o povo havia
saído às ruas em protesto contra tudo e contra todos. A estrutura política
feneceu. Sem acordo, ainda não surgiu o novo. Enquanto isso, o “feijão
maravilha” está cada vez mais caro na cara do prato.
*Veja
Domingo, 12 de fevereiro 2023
às 11:06