Era
um governo. Era, admitimos, um projeto de poder que ao menos pretendia diminuir
a miséria e desigualdade. Mas desde o início da chegada ao Poder, quando podiam
fazer e realizar as coisas e os sonhos, 14 anos atrás, e até pouco antes, já se
sentia no ar alguma coisa errada. Ora apareciam se lambuzando estranhamente num
mundo burguês, ora um ou outro até por ser mais purista ou ingênuo saía
espirrado do grupo, e saía atirando, alertando.
Do
que eram chamados, ou do que ainda são chamados os que não estão mais em suas
fileiras? De loucos. De traidores. Do que são chamados todos, e de forma
indiscriminada, os que agora veem e tentam salvar as coisas indo barranco
abaixo - sim, as coisas e o país estão indo barranco abaixo - os que registram
dia a dia a falência total? De golpistas. Ah, e de nazistas, racistas,
machistas, fora os palavrões cabeludos que devem falar em quatro paredes. Sim,
nazistas, ouvi um celerado desse outro dia acusar. De gagás, ouvi uma deputada
chamar um respeitável advogado. Pouco importa se a sua história também foi a
deles por muito tempo - pedem respeito, mas não sabem o que é isso. Bateu o
desespero. E eles montaram uma feira livre, cheia de barraquinhas de negociar
cargos, e o tal poder. Poder esse que de pouco adiantará se obtido assim, se
mantido. Será poder sem paz, sem futuro.
Golpes
de marketing martelando cabeças, com cor, slogan #nãovaitergolpe, alguma ajuda
de custo, patrocínio de algo, robôs digitais, distribuição de bandeirinhas,
camisetas, sanduíches, água, e à frente pobres, de preferência negros,
mulheres, camponeses ou sem-terra, ou sem-alguma coisa, de carteirinha. Uns
"coletivos" disso, daquilo. Inflamados. Os tais "jornalistas
livres", e que um dia entendo do que vivem, irradiando as manifestações
organizadinhas como se fossem a entrada gloriosa dos justos nos céus. Líderes
de centrais sindicais, de sindicatos pagos com taxa obrigatória que cai todo
mês lá no caixa, escoada do salário dos trabalhadores, inclusive a nossa, os
jornalistas PIG-PEG-PUG, que ou trabalham para os jornais e revistas que podem
ser comprados em bancas, ou se sustentam no limiar da liberdade.
Pronto.
Um palanque e muita gritaria e ameaça, além de discursos cheios de ódio,
perdigotos e erros de português. Os artistas comovidos encheram os olhos de
água. Os progressistas e toda sorte de rótulos da esquerda do tempo do onça
saíram bradando junto, em coro, como se não vissem que o país está à venda, à
beira do abismo. Na hora da xepa. Sendo trocado por bananas.
Essa
é a parte que não consigo entender. Acho lindo acreditar ainda em ideologias,
em ideais. Mas porque, então, não estamos juntos os que querem resolver o
problema com seriedade? - Sim, temos um problema e ele é gigantesco,
avassalador. Porque não ter a dignidade e a humildade de tentar juntar ao invés
de diariamente forçar dividir? Eduardo Cunha não estaria lá. As instituições
não estariam sendo tão feridas. Se há golpistas no meio disso tudo, e deve
haver mesmo que tem maluco para tudo, seriam mais facilmente neutralizados em
suas muitas e repugnantes ignorâncias que todo dia também me escandalizam.
Mas
ao contrário: provocam, cutucam os instintos mais primitivos, desrespeitam
leis, confundem o Estado e a Nação com partidos, fazem de palácios palanques
inflamados, pesam a mão. Vendem um peixe que não pescaram.
Não
o fazem - buscar a união - porque não querem. Cada dia isso fica mais claro.
Montaram barracas e estão vendendo acarajés e seus pastéis de vento,
literalmente tomados com caldo de cana.
Nas
planilhas dos empreiteiros e doações, nomes, que associados aos pagamentos
ainda ganharam fantásticos apelidos, como na feira um e outro feirante costuma
usar, mas os deles são mais suaves - alemão, negão, dona maria, curíntia. No
mundo político, caranguejo passeava com passivo (!),nervosinho anda lado a lado
com rico e proximus. Com acessos de bom humor nas definições, avião era a
deputada comunista bonita; 333, a meia besta, o José Serra. Jarbas Vasconcelos,
o que não pode ver uma miss que casa com ela, chamado de viagra.
Empreiteiros
lidavam com todos e os juntavam, sempre hábeis, com rejunte, com seu cimento
particular. Presos ou impossibilitados agora de exercer qualquer autoridade não
existem mais laços - é o salve-se quem puder. Daí as cenas de pugilato que
assistimos diariamente.
Como
numa feira, cada um grita mais para atrair o cliente. Oferece ministério como
se fosse laranja descascada. E frutas nobres, como a Saúde e a Educação, entram
na barganha. Do outro lado, se ofertam possibilidades, previsões. Ficção.
Mas,
mesmo nessa feira, é preciso que notem, já chegou a hora da xepa. O fim da
feira quando os restos que talvez já não servirão para muito mais coisas serão
ofertados. Não adianta mais. As barracas que estão tendo mais frequência são
aquelas dos cantos, as que consertam os cabos das panelas velhas que tilintam
das janelas. Logo também haverá fila nas de flores que serão levadas ao enterro
dessa era de excrecências que se transformou o tal governo popular.
Melhor
mesmo que seja apenas esse o sentido da xepa; melhor que ser comida de militar,
jornal já lido, com notícias daqueles tempos horríveis lá de trás.
São
Paulo, um abril que pode fechar se continuar nessa toada, 2016
Marli Gonçalves, jornalista do chumbogordo.com.br -
Quanto ao tarja preta que a presidente odiou dizerem que está tomando, e que
ainda deverá ficar até 12 % mais caro esses dias como todos os remédios, a
proposta é que, se possível, seja socializado algo parecido a todos os
brasileiros. Estamos todos esquizofrênicos, ansiosos, perturbados, alternando
momentos de euforia e depressão. Email: marli@brickmann.com.br
Segunda-feira,
04 de abril, 2016
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