Li
na prestigiada coluna de Cláudio Humberto, publicada em vários jornais do País,
inclusive aqui, em O LIBERAL, sob o título "Estado de Defesa", a nota
seguinte: "O pânico do Palácio do Planalto com as investigações do Lava
Jato e após a maior manifestação da história, dia 13, exigindo o impeachment,
colocou sobre a mesa da presidente Dilma uma ideia de jerico: a decretação do "Estado de
Defesa", medida extrema que prevê a suspensão de direitos fundamentais,
como sigilo de correspondência e de telefone e direito de reunião (e de fazer
manifestações, é claro)". O colunista famoso e bem informado acrescenta
que comandantes militares foram avisados, para providências, sobre a possível
decretação do "Estado de Defesa", para "garantir a ordem".
Como
já nada mais surpreende, quando parte desse governo (ou desgoverno) a que
estamos submetidos, o absurdo e o disparate da ideia nem recebeu o repúdio que
merecia. E a nota de Claudio Humberto não foi desmentida, o que muito preocupa.
Para onde vamos?
Alunos
meus, em sala de aula, comentaram o assunto e pediram que eu explicasse o que é
"Estado de Defesa" e "Estado de Sítio".
Ressalte-se
que vigora em nosso país um sistema de garantia de direitos fundamentais que é
considerado um dos mais vigorosos e eficientes do mundo. Nossa Constituição
Federal é um símbolo e um exemplo a respeito, embora alguns autores reclamem a
falta de uma enunciação correspondente mais objetiva de deveres, obrigações,
compromissos, mais isso é outra história!
Fato
é, todavia, que, diante de emergências, de períodos de grave conturbação, de
crise profunda, insegurança generalizada, que não se consegue combater e
eliminar pelos meios normais, ordinários, é preciso abrir exceções e conferir
ao governo meios para promover a defesa da sociedade e manter a ordem. É claro
que essa alternativa é conferida com previsão e limites rigorosos, para que não
se caia nos excessos de poder, nos desvios, abusos, enfim, no arbítrio. As
exceções são conferidas para garantir e defender as instituições democráticas,
a integridade da Nação, jamais para acabar com isso.
Nossa
Constituição tem um título denominado "Da Defesa do Estado e das
Instituições Democráticas" que, diante de uma situação excepcional de
crise, estatui um sistema constitucional para enfrentar o grave problema. Há
que se observar, sempre, os princípios da necessidade, da proporcionalidade, da
proibição do excesso.
Os
meios de reação e proteção da ordem constitucionalmente admitidos são o Estado
de Defesa e o Estado de Sítio, regulados, cuidadosamente, nos artigos 136 a 141
da Constituição, e vou apresentar neste artigo uma síntese bem apertada do
tema, dando uma simples noção geral.
O
presidente da República, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa
Nacional, pode decretar estado de defesa para preservar ou prontamente
restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz
social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas
por calamidades de grandes proporções na natureza. O tempo de duração do estado
de defesa não será superior a trinta dias, podendo ser prorrogado uma vez, por
igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação.
Decretado o estado de defesa ou a sua prorrogação, o presidente da República,
dentro de vinte e quatro horas, submeterá o ato com a respectiva justificação
ao Congresso Nacional, que decidirá por maioria absoluta, podendo rejeitar o
decreto. As medidas excepcionais que estão autorizadas durante o estado de
defesa vêm enumeradas no art. 136, § 1º, da Constituição, dentre as quais
restrições aos direitos de reunião e sigilo de correspondência, de comunicação
telegráfica e telefônica.
Por
sua vez, o presidente da República, ouvidos o Conselho da República e o
Conselho de Defesa Nacional, pode solicitar ao Congresso Nacional autorização
para decretar o estado de sítio nos casos de comoção grave de repercussão
nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada
durante o estado de defesa, e declaração de estado de guerra ou resposta à
agressão armada estrangeira. O decreto do estado de sítio indicará as áreas
abrangidas, sua duração, as normas necessárias à sua execução e as garantias
constitucionais que ficarão suspensas, observado o art. 139 da Constituição,
que indica as medidas que poderão ser tomadas contra as pessoas.
A
Mesa do Congresso Nacional designará Comissão composta de cinco de seus membros
para acompanhar e fiscalizar a execução das medidas referentes ao estado de
defesa e ao estado de sítio. Cessado o estado de defesa ou o estado de sítio,
cessarão também seus efeitos, sem prejuízo da responsabilidade pelos ilícitos
cometidos por seus executores.
Observe-se
que o estado de emergência prevê medidas menos intensas, de menor gravidade,
que as admitidas no estado de sítio, e ambos os estados ficam sujeitos aos
controles político e jurisdicional.
A
previsão e regulamentação de situações de necessidade é constante nos países
democráticos – França, Espanha, Alemanha, Suécia, Inglaterra, Estados Unidos. A
Constituição de Portugal normatiza o estado de sítio e o estado de emergência,
e o tema foi analisado na doutrina de ponta naquele país, em Lisboa e em
Coimbra: Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, nº 65, pág.
310) e Canotilho (Direito Constitucional, Cap. 32, pág. 1145).
*****Zeno
Veloso é jurista e professor de Direito.
Sábado,
02 de abril, 2016
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