Recentemente,
grandes empresas envolvidas na Operação Lava-Jato vieram a público assumir
compromissos com a mudança de suas práticas de governança. Como muito já se
falou sobre a importância das investigações e da responsabilização dos agentes
envolvidos em atos de corrupção, a finalidade do presente artigo é destacar o
papel da mudança da cultura e das práticas empresariais para a erradicação da
corrupção.
Nesse
sentido, não se pode questionar, na atualidade, a importância das instituições
para a formatação dos mercados. Afinal, mercados não são espaços espontâneos ou
naturais, mas sim espaços sociais e políticos, criados e conformados por
instituições. As instituições são, portanto, as "regras do jogo", que
definirão e conformarão a atuação dos diversos jogadores.
Consequentemente,
não há como se endereçar a questão do combate à corrupção sem se pensar em
alternativas para mudar o ambiente institucional. Quando se fala em ambiente
institucional, obviamente não se está reduzindo a discussão às regras legais,
mas também a todas as demais regras, como as sociais, que, traduzindo os
valores e as práticas de uma determinada comunidade em um determinado tempo,
influenciam a conduta dos agentes econômicos, criando incentivos ou
desincentivos para determinados comportamentos.
Assim,
o enfrentamento da corrupção de maneira sistêmica e prospectiva requer
necessariamente mudanças institucionais, a fim de estabelecer novas regras para
assegurar melhores e mais transparentes relações entre o poder econômico e o
poder político. Mais do que isso, envolve igualmente mudanças institucionais
que se projetem sobre as estruturas de mercado, a fim de torná-los mais
competitivos e transparentes, reduzindo os excessivos custos de transação que
decorrem da corrupção.
Dentre
as inúmeras iniciativas que podem ser trilhadas nesse sentido, destaca-se a
mudança nos valores e práticas do mercado, a fim de se criar uma nova ética
empresarial, tal como pretendem o Pacto Global da ONU e o Programa Empresa
Pró-Ética da CGU.
No
caso do primeiro, trata-se de extenso programa que envolve o compromisso
empresarial em quatro importantes searas: (i) respeito e proteção aos direitos
humanos, (ii) respeito e proteção ao trabalho humano, inclusive no que diz
respeito ao reconhecimento do direito à negociação coletiva pelos
trabalhadores, à erradicação do trabalho infantil e do trabalho forçado ou
compulsório, e à eliminação de qualquer tipo de discriminação no emprego; (iii)
respeito e proteção ao meio ambiente, inclusive no que diz respeito ao
desenvolvimento e difusão de tecnologias ambientalmente amigáveis e (iv) o
combate à corrupção em todas as suas formas.
Já
o Programa Empresa Pró-Ética da CGU tem foco mais preciso nas práticas
anticorrupção, a fim de assegurar que as empresas "parceiras"
promovam boas práticas corporativas não apenas internamente, mas também
externamente, ou seja, com todos os seus clientes e fornedores, reforçando a
construção de uma rede cujo objetivo é a construção de uma sociedade
comprometida com valores éticos.
É
interessante notar que tais programas envolvem a adesão voluntária dos agentes
econômicos, reforçando a importância da autonomia privada na mudança
institucional. É essa precisamente a ideia dos chamados programas de compliance
ou de integridade, que são meios que cada agente econômico tem de estruturar e
monitorar o cumprimento de normas éticas a serem observadas por toda a
organização. A peculiaridade de programas como os da ONU ou da CGU é que, para
aderir a eles, as empresas precisam se submeter aos requisitos objetivos
exigidos por cada um, a fim de obter as correspondentes contrapartidas, bem
como os benefícios reputacionais daí decorrentes.
Longe
se serem um aspecto acessório no combate à corrupção, tais iniciativas são de
extrema importância, até porque os recursos do Estado são limitados para
combater a corrupção apenas por meio de uma legislação punitiva. Por essa
razão, há que se criar incentivos para que os agentes econômicos possam
espontaneamente conduzir seus negócios em observância aos preceitos éticos e
legais.
Por
todas essas razões, é extremamente significativo que, em um momento tão
delicado, a Odebrecht venha a público afirmar o seu compromisso com a mudança
de sua cultura e de suas práticas empresariais. Tais iniciativas, ao que tudo
indica, podem endereçar o problema da corrupção de modo mais consistente e
permanente do que a mera punição dos envolvidos, motivo pelo qual merecem o
apoio e incentivo - assim como o devido controle - não apenas por parte do
Estado, mas também por parte de toda a sociedade.
Em
se tratando do combate à corrupção, há de se ter cautela para resolver não
apenas as consequências atuais da corrupção. De nada adianta neutralizar os
efeitos, se as causas, relacionadas ao ambiente institucional, continuarem a
propiciar ou estimular a prática da corrupção.
Como
a corrupção apenas pode ser enfrentada de maneira estrutural, isonômica e
consistente, do ponto de vista prospectivo, é preciso levar a sério a questão
da mudança das práticas e dos valores, criando novas regras do jogo e novo ambiente
institucional que iniba efetivamente as práticas ilícitas e incentive os
agentes econômicos a atuarem dentro da lei e das normas éticas.
Ana
Frazão é advogada, doutora em Direito Comercial, professora de Direito Civil e
Comercial na Universidade de Brasília e ex-conselheira do Cade
Ana
Frazão
Quinta-feira,
26 de maio, 2016
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