A
corrupção não dá trégua no Brasil. Criado para ser um importante instrumento de
apoio aos pequenos produtores rurais, o Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (Pronaf) se tornou um ralo para o desvio de dinheiro
público. As irregularidades são cometidas, principalmente, com o apoio de
funcionários do Banco do Brasil, instituição responsável pela maior parte dos
repasses dos recursos. Em 15 anos, a Polícia Federal (PF) já desbaratou mais de
20 quadrilhas, que, nas estimativas mais conservadoras, teriam desviado R$ 200
milhões. O Pronaf é um dos programas que mais recebem subsídios do Tesouro
Nacional.
As
investigações mostram que as fraudes estão disseminadas. A mais recente delas
descoberta pela PF ocorreu no interior de São Paulo envolvendo três cidades:
Ribeirão Preto, Guará e Franca. Os desvios podem passar de R$ 35 milhões. As
intrincadas operações levaram a PF a fazer, em 17 de maio último, uma blitz no
prédio onde o Banco do Brasil (BB) centraliza a parte de tecnologia. Segundo
técnicos da instituição financeira, os policiais fizeram um pente-fino nos
computadores porque o banco estava demorando a passar informações consideradas
imprescindíveis ao processo.
A
apuração faz parte da Operação Turbo Cred, um desdobramento da Operação Golden
Boy que, em dezembro de 2015, desbaratou o esquema no interior paulista. Na
ocasião, dois gerentes do BB, dois homens acusados de aliciamento e um
engenheiro ambiental foram presos. Outros cinco suspeitos foram detidos
temporariamente, acusados de lavagem de dinheiro, estelionato e crime contra o
sistema financeiro. Pelo esquema, os gerentes do BB se associavam aos
aliciadores, que buscavam laranjas para fraudar o Pronaf. Os financiamentos
eram concedidos a falsos agricultores, que davam calote na instituição. De
acordo com a PF, o dinheiro liberado era rateado entre os funcionários do banco
e os aliciadores.
Tragédia
Para
a PF, a Operação Golden Boy é uma das mais emblemáticas envolvendo fraudes no
Pronaf. Durante as investigações, o delegado responsável pelo caso, Flávio
Vieitz Reis, declarou que o esquema era liderado pelo gerente-geral da agência
do BB em Franca, que avalizava todas as irregularidades. Ele contou que os
laranjas entravam no esquema com a promessa de receber algum valor dos
financiamentos como contrapartida. Eles abriam contas no BB solicitando o
acesso a recursos do Pronaf mediante informações e documentos falsos e
contratos irregulares assinados pelo engenheiro ambiental integrante da
quadrilha. Os pedidos de crédito eram aprovados por gerentes envolvidos no
esquema, com o aval do gerente-geral.
“O
dinheiro liberado pelo banco ficava pouco tempo nas contas, que eram zeradas ou
ficavam com saldo devedor. O calote ficava nos nomes dos laranjas e os
prejuízos, com o banco”, declarou, à época, o delegado Reis. Com laudos falsos
emitidos pelo engenheiro, até beneficiários do Bolsa Família constavam, nos
documentos apreendidos pela PF, como produtores de extremo sucesso.
Em
Santa Cruz do Sul (RS), município localizado no Vale do Rio Pardo, as fraudes
descobertas pela PF ganharam contornos de tragédia. Batizada de Operação
Colono, as investigações começaram em 2012, e, segundo as autoridades, mais de
6 mil produtores rurais foram lesados em um desvio de pelo menos R$ 92 milhões.
Trabalhadores faziam o financiamento do Pronaf por meio da Associação
Santa-Cruzense dos Agricultores e Camponeses (Aspac). As operações passavam por
duas agências do BB na região. Parte dos financiamentos liberados era desviada
para contas pessoais de integrantes da entidade e do Movimento dos Pequenos
Agricultores (MPA).
A
Aspac informava ao produtor que o crédito não havia sido aprovado e transferia
o dinheiro para a própria conta. As investigações apontam que as transferências
bancárias eram feitas pelo MPA com o ouso de procurações assinadas pelos
agricultores, que, convencidos pelos líderes da quadrilha, encaminhavam novos
pedidos de crédito ao BB. Essas operações eram aprovadas, mas os beneficiários
não sabiam que, na verdade, estavam com duas dívidas, que não tinham condições
de pagar.
Ao
cruzar os dados com informações de vítimas de fraude, a polícia constatou um
total de 134 casos de suicídios na região. Desses, 10 teriam sido enganados
pelo esquema. Todos estavam superendividados. À época, a Aspac e o MPA negaram
as acusações, ressaltando que o dinheiro dos empréstimos eram usados para
ajudar outros produtores.
Punições
Ao
todo, o BB demitiu 12 funcionários no Rio Grande do Sul, além de dois gerentes
que atuavam no interior de São Paulo em função das operações Golden Boy e
Colono. Outros foram desligados ao serem pegos por meio de auditorias internas
envolvidos em fraudes no Pronaf. No momento, o banco apura a ocorrência de
casos “pontuais”. Em todas as situações investigadas, a instituição garante que
não há quaisquer ligações entre elas. “Não há conexão que caracterize ações
sistemáticas”, destaca o BB.
Semelhantes
por coincidência ou não, os esquemas desbaratados pela PF fazem parte de um dos
programas do governo federal que mais recebem subsídios do Tesouro. Em 2015,
foram destinados R$ 10 bilhões, uma média de R$ 838 milhões por mês. E, mesmo
com o país mergulhado na maior crise econômica da história do país, os recursos
não diminuem. No primeiro trimestre deste ano, já foram repassados R$ 3,1
bilhões, média R$ 1 bilhão por mês – alta de 23,3%.
Geraldo
Biasoto Jr., professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas
(Unicamp) e ex-coordenador de política fiscal da Secretaria de Política
Econômica do Ministério da Fazenda, critica a forma como os recursos do Pronaf
são alocados. “O governo tinha que ter mais controle sobre os agentes
financeiros. O volume de dinheiro liberado é graúdo e não há o devido
acompanhamento sobre como os recursos chegam aos beneficiários dos
empréstimos”, diz.
Para
o especialista em corrupção no serviço público José Matias-Pereira, professor
do departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB), o aumento
nos recursos destinados ao Pronaf e ao grande número de fraudes investigadas
pela PF demonstra falhas de controle. “A falta de planejamento é o erro crucial
do programa. O governo não deveria desenvolver programas que são desassistidos.
Isso acaba privilegiando quem não deveria receber o empréstimo e prejudicando
os que precisam de apoio. Por isso, é fundamental para todo programa que o
Estado tenha estrutura, capacidade e competência para fazer o processo de
avaliação, adotando critérios claros para combater a corrupção”, pondera.
Prioridade
O
BB destaca que dá prioridade às investigações realizadas pela PF, garantindo
que auxilia nas diligências e coloca sempre à disposição material apreendido
por determinação judicial. O banco reforça que “boa parte” das denúncias sobre
fraudes parte da própria instituição, graças aos processos de auditoria interna
e à manifestação de funcionários que identificam as ocorrências.
“O
BB, historicamente, colabora com as forças de segurança, inclusive oferecendo
notícias-crime dos ilícitos identificados”, informa. O banco ressalta que, “se
houve demora de repasse de informações à PF, trataram-se de situações pontuais
e, obviamente, não há restrições por parte da instituição”, comunica. O banco
nega qualquer apreensão de documentos, equipamentos ou “pente-fino” em
computadores nos trabalhos de busca realizados pela PF. “Os dados requisitados
foram extraídos dos sistemas, organizados em arquivos eletrônicos e repassados
aos policiais.”
A
instituição salienta que, em nenhum dos casos, houve prejuízos para os correntistas,
ressaltando que valores envolvidos em fraudes são provisionados no risco
operacional. “O ressarcimento de valores ou anotações de restrições cadastrais
só ocorre após amplo processo de investigação interna, ou a partir dos
resultados das investigações realizadas pela própria polícia e/ou outros órgãos
envolvidos nas apurações.”
O
Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA) comunica que vai aguardar
a investigação em curso pela PF para, “se for o caso, tomar as providências
necessárias”. O órgão reforça que o Pronaf é um programa de crédito rural e os
financiamentos são concedidos por agentes financeiros (bancos, bancos
cooperativos e cooperativas de crédito) de todo o país, “os quais são os
responsáveis pelas operações”. O governo ainda destacou que, “de todo o modo,
tem interesse em fazer uma ampla auditoria no programa com o intuito de apurar
possíveis desvios e corrigir quaisquer distorções que tenham ocorrido na gestão
anterior”. Procurada, a PF não se posicionou.
Por
Rodolfo Costa e Hamilton Ferrari
Domingo,
29 de maio, 2016
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