O
ex-presidente transformou a sala-cela em Curitiba no QG da candidatura de
Fernando Haddad ao Planalto. De lá, o petista articula a cooptação de caciques
regionais e até entregas de dinheiro por meio de jatinhos
Preso
há seis meses numa sala-cela da PF em Curitiba, o ex-presidente Lula está
apenas no início do cumprimento de uma pena de 12 anos e 1 mês de cadeia por
corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Teoricamente, o cárcere deveria servir
para o réu se regenerar dos crimes cometidos, não voltar a delinqüir e deixar o
presídio após o final da pena apto a se reintegrar à sociedade, devidamente
recuperado. Mas Lula parece não se emendar. Ao exercer sem qualquer cerimônia
ou pudor o papel de coordenador da candidatura do presidenciável Fernando
Haddad (PT), o petista transformou a sala-cela num QG da campanha, onde
acontecem manobras pouco ortodoxas no vale-tudo para eleger o petista. Sob as
barbas das autoridades, Lula vale-se da estrutura carcerária para operar a
estratégia eleitoral petista, colocando em prática métodos nada republicanos no
esforço para cooptar apoios de partidos como MDB, PR, PP e PDT para o “projeto
Haddad”. Conforme apurou ISTOÉ, além de promessas de cargos no futuro governo
do PT, Lula articula vantagens financeiras destinadas a irrigar as campanhas
dos que se dispõem a serem convertidos a novos aliados. A máquina eleitoral é
comandada por meio de bilhetinhos, à la Jânio Quadros, só que de dentro da
cadeia, os quais o petista faz chegar às mãos de assessores de altíssima
confiança. Integram o time de pombos-correios de Lula o ex-chefe de gabinete
Gilberto Carvalho, o advogado Cristiano Zanin, o deputado José Guimarães
(PT-CE) e do próprio Haddad, que o tem visitado na condição de advogado. O teor
das mensagens é repassado pelos assessores aos políticos aos quais se destinam
as determinações.
Nas
últimas semanas, o objetivo do ex-presidente tem sido ampliar a vantagem de
Haddad no Norte-Nordeste do País. Não à toa, intensificaram-se as mensagens
remetidas para caciques da região e velhos parceiros dos tempos da era petista
no poder, caso dos senadores Renan Calheiros (MDB-AL), Eunício Oliveira
(MDB-CE), Fernando Collor (PTC-AL) e o ex-senador José Sarney (MDB-MA), que até
então marchavam ao lado de Henrique Meirelles (PMDB) ou de Ciro Gomes (PDT).
Para que mudassem de lado na atual corrida presidencial, robustecendo o
palanque de Haddad, Lula prometeu-lhes participação no novo governo e até
compensações financeiras. Outro destinatário preferencial dos bilhetinhos de
Lula é o também presidiário Valdemar Costa Neto, que por determinação judicial
dorme no Presídio da Papuda, em Brasília, mas está autorizado a sair durante o
dia para trabalhar. Apesar de não ser mais o presidente do PR, Valdemar ainda
manda e desmanda no partido, que desde o governo Lula transformou o Ministério
dos Transportes no seu latifúndio, digamos, mais produtivo. O operador
financeiro de Valdemar é o ex-ministro Maurício Quintella, atualmente candidato
ao Senado pelo PR de Alagoas. Como Lula sabe que o caixa do PR é poderoso, por
comandar grandes obras em rodovias no País, o petista tem acionado Valdemar
quando precisa fazer chegar recursos às mãos de algum neo-aliado.
Foi
o que aconteceu no Maranhão. Lula havia recebido informações de que a
candidatura de Ciro Gomes ganhava corpo no Estado. Afinal, o governador Flávio
Dino (PCdoB), apesar de integrar a base aliada do PT, trabalhava com afinco
para empinar a candidatura de Ciro. Até que Dino foi procurado pelo deputado
José Guimarães, a quem coube repassar-lhe a orientação de Lula: que ele
passasse a se dedicar a Haddad. “Dino tem que deixar de apoiar Ciro”, ordenou o
petista da cadeia. Não parou por aí. Ao descobrir que um dos motores da
candidatura de Ciro no Maranhão era o deputado Weverton Rocha (PDT-MA),
candidato ao Senado, Lula, por meio de Gilberto Carvalho, destinou uma
importante mensagem a Valdemar Costa Neto. “Faça chegar dinheiro à campanha de
Weverton Rocha”. O deputado, conforme informações colhidas por Lula da prisão,
precisava de R$ 6 milhões para deslanchar sua campanha. Com o apoio de
Quintella, Valdemar deflagrou a operação para o envio do dinheiro ao Maranhão.
Conforme
apurou ISTOÉ, um avião experimental Cirrus, da Vokan Seguros, a serviço da
empreiteira CLC (Construtora Luiz Carlos), foi quem cuidou do transporte do
dinheiro do Ceará com destino a São Luis. A CLC faz um trecho da BR-222, na
região de Sobral (CE), uma obra do Ministério dos Transportes. No trajeto,
percorrido no dia 14 de setembro, uma quase-tragédia: o avião acabou caindo com
o dinheiro a bordo na cidade de Boa Viagem. Os recursos eram escoltados por um
policial. Com o acidente, outros agentes foram ao local imaginando que a
aeronave pudesse transportar drogas. Coube ao policial a bordo do Cirrus a
tarefa de tranquilizar os colegas, dizendo-lhes que não se preocupassem com a
ocorrência, pois ninguém havia ficado ferido. O dinheiro, contudo, chegou ao
destinatário final, cumprindo os desígnios de Lula: a campanha do pedetista
Weverton – convertido a empedernido cabo eleitoral de Haddad.
Mas
ainda havia uma ponta solta no novelo da costura feita por Lula no Maranhão.
Era preciso atrair para seu arco de alianças o ex-senador José Sarney e sua
filha Roseana, candidata do MDB ao governo do Estado contra Flávio Dino. A
família Sarney vinha trabalhando pela eleição do presidenciável do partido,
Henrique Meirelles, mas a conduta mudou quando Sarney recebeu o recado de Lula,
transmitido por meio de Gilberto Carvalho: “Quero a família Sarney na campanha
do Haddad”, determinou Lula da cadeia. Os Sarneys fecharam também com Lula.
Resultado: Haddad cresceu no Maranhão de 4% para 36% e Ciro estagnou nos 13%.
Em
contrapartida, o cacique maranhense conta com a ajuda de eventual governo
petista para sacramentar um negócio que envolve a TV Mirante, pertencente à
família. Sarney deseja vender a emissora para o grupo Integração, de Minas
Gerais.
Lula
montou uma estratégia para beneficiar Haddad também em Alagoas. Para isso,
contou com os préstimos do senador Renan Calheiros (MDB-AL). Em mensagens
transmitidas por Gilberto Carvalho a Renan, candidato à reeleição, Lula pediu
para que o senador convencesse o também senador Fernando Collor de Mello
(PTC-AL) a desistir da disputa ao governo de Alagoas contra Renan Filho (MDB),
candidato à reeleição. Àquela altura, Renanzinho ostentava 46% das intenções de
voto e Collor 22%. Os dois rumavam para o segundo turno. A idéia acalentada por
Lula era que Renanzinho fosse eleito no primeiro turno, reservando o segundo
turno para se dedicar de corpo e alma a Haddad. Em troca, o filho de Renan se
comprometeria a aumentar as verbas da mídia do governo dos atuais R$ 300 mil
por mês para R$ 800 mil mensais para a TV de Collor em Maceió. O acerto, pelo
visto, foi bem azeitado. Collor renunciou, Renanzinho saltou para 65% e deve
ser reeleito na primeira etapa das eleições alagoanas.
Quem
sabe, faz a hora. Agora, o PT espera que Renan Filho cristianize Meirelles em
favor de Haddad. Há, no Estado, quem diga que isso já aconteceu. Na última
semana, Haddad subiu de 2% para 28% em Alagoas. Avalista do acerto, Renan sonha
em voltar a comandar o Senado, a partir de 2019, com o apoio de Lula.
No
mapa eleitoral que estende sobre a solitária mesinha de sua cela na PF, Lula
vislumbra que Haddad reúne chance de se eleger presidente se obtiver uma ampla
vantagem no Nordeste, onde detém o apoio de quase 35% do colégio eleitoral
brasileiro (mais de 50 milhões de eleitores). Foi graças à expressiva votação
no Norte/Nordeste que Dilma Rousseff conseguiu superar Aécio Neves (PSDB) na
disputadíssima corrida eleitoral de 2014. Lula espera repetir a dose. Desde que
ativou o QG eleitoral na cadeia, há um mês, os resultados já se fizeram sentir.
Haddad ascendeu nas pesquisas de intenção de voto de 4% para 22%, índices
impulsionados pelo duplo twist carpado empreendido pelo petista na região, onde
atingiu 34% – o dobro de Jair Bolsonaro. O avanço vermelho no Nordeste, operado
por Lula da cadeia, acabou por minar a candidatura de Ciro Gomes. O pedetista
chegou a ter mais de 20% na região, com tendência de alta, mas recuou.
O
esforço de Lula no sentido de solapar, da sala-cela em Curitiba, candidaturas
adversárias de seu poste ousou beliscar o ninho tucano no Piauí. Lá, o senador
Ciro Nogueira, presidente nacional do PP, que apoiava oficialmente a
candidatura do tucano Geraldo Alckmin, virou casaca depois de receber um
bilhete de Lula levado pelo deputado José Guimarães. “Ciro Nogueira tem que
trocar Alckmin por Haddad”, determinou Lula. A intervenção do petista fez com
que Haddad subisse de 6% para 38% no Piauí e Alckmin estacionasse no Estado.
Até o Ceará, dominado pelo ex-governador Ciro Gomes, sentiu a mão pesada de
Lula. O emissário também neste caso foi José Guimarães, um de seus maiores
interlocutores no Nordeste. Por meio do aliado, Lula mandou um recado furioso
ao governador Camilo Santana (PT), que fez coligação com o PDT no Estado.
Camilo pedia votos também para Ciro no Ceará. Lula determinou, então, que se
bandeasse para Haddad. Paralelamente, articulou com o senador Eunício Oliveira
(MDB-CE), seu desembarque da candidatura de Meirelles, em prol do candidato do
PT ao Planalto. Não para a surpresa de quem lê, a estratégia montada por Lula
no Estado também envolve muito dinheiro – e , nesses casos, quem se apresenta
para jogo é Valdemar Costa Neto. Para fazer Haddad decolar no Ceará, Valdemar
estaria oferecendo R$ 2,4 milhões, recurso do fundo partidário do PR, para cada
candidato da legenda a deputado federal. No meio penitenciário, policiais
costumam dizer que os presos, por não trabalharem, utilizam o tempo ocioso para
arquitetar novos crimes. Costumam repetir a velha máxima: “mente vazia, oficina
do diabo”. E é o que parece que Lula está fazendo na cadeia: articulando
estratégias suspeitas de novos ilícitos eleitorais. Para dizer o mínimo.
(IstoÉ)
Sábado,
29 de setembro, 2018 ás 00:05
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