Um
rastro de indignação toma conta da AGU (Advocacia-Geral da União).
A
atuação do atual AGU (Advogado-Geral da União), José Eduardo Martins Cardozo,
reacende o importantíssimo debate acerca do papel da AGU (Advocacia de Estado
ou Advocacia de Governo). O AGU anterior, Luís Inácio Lucena Adams, de triste
memória, se notabilizou por cenas explícitas de Advocacia de Governo.
O
atual AGU, José Eduardo Martins Cardozo, em poucos dias no cargo: a) fez
discursos públicos inflamados em defesa do "nosso
Governo""" b) utilizou, inúmeras vezes, a peça de marketing
político do Partido dos Trabalhadores (PT) que afirma: "não vai ter
golpe". Esse tal "golpe" não passa de uma invenção defensiva do
PT/Governo, marcado pela profunda traição aos interesses populares (foi e é um
governo para os poderosos) e pela condução de um projeto de poder pelo poder
baseado na mais despudorada corrupção; c) anuncia recursos contra decisões dos
Poderes da República ainda nem tomadas e d) fez a defesa da atuação do Partido
dos Trabalhadores (sintomaticamente em entrevista concedida nas dependências
físicas do gabinete de trabalho do AGU).
Esse
comportamento completamente incompatível com a natureza de instituição de
Estado da AGU já foi censurado em diferentes intensidades. Vejamos algumas das
principais:
a)
afirmou a Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (ANAFE): “Cumpre
ressaltar que a Advocacia-Geral da União (AGU) é uma instituição de Estado,
qualificada constitucionalmente como Função Essencial à Justiça, que deve, por
seus
membros, exercer com firmeza e cautela, notadamente neste momento especialmente
grave, sua elevada missão constitucional./É importante também reafirmar a
defesa da Advocacia de Estado. A advocacia de governo, desenvolvida nos últimos
anos, em especial pela confusão entre a figura do Advogado-Geral da União e a
instituição Advocacia-Geral da União, acarreta um sentimento de indignação nos
seus membros, que lutam diuturnamente em defesa da sociedade e do Estado
brasileiro” (Disponível em http://unafe.org.br/index.php/nota-publica-22/
);
b)
asseverou o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional
(SINPROFAZ): “O SINPROFAZ - Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda
Nacional vem a público externar que os Procuradores da Fazenda Nacional,
membros da AGU, integram uma Função Essencial à Justiça, cuja atribuição, nos
termos da Constituição, é a de exercer uma Advocacia de Estado, e nunca de
Governo./Faz-se fundamental ratificar que a defesa de atos de autoridades pela
Advocacia Pública Federal não pode ser efetivada de forma acrítica, em todos os
casos e em qualquer circunstância, porquanto a atuação do Advogado Público não
deve, em hipótese alguma, legitimar ilegalidades, improbidades e/ou
imoralidades administrativas./No atual cenário político que vivenciamos, o
SINPROFAZ ratifica seu compromisso histórico com a defesa intransigente de uma
Advocacia de Estado forte, independente, republicana, isenta de interferências
partidárias, altiva e vocacionada para a defesa do interesse público e da
sociedade, por entender ser esta Advocacia a única compatível com a ordem
jurídica vigente, o que perpassa pela aprovação da PEC 82, atualmente em
tramitação na Câmara dos Deputados, instrumento normativo essencial à afirmação
da independência técnica da AGU” (Disponível em: http://www.sinprofaz.org.br/noticias/nota-do-sinprofaz-pfns-exercem-advocacia-de-estado-e-nao-de-governo
);
c)
disse a Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB/DF), em
representação ao Conselho de Ética da Presidência da República: "o Advogado-Geral
da União, Dr. José Eduardo Martins Cardozo, assume uma defesa verborrágica e
claramente política da Presidente da República, seus correligionários e
interesses meramente políticos de autoridades e aspirantes à autoridade. Sua
Excelência repete palavras de ordem construídas no seio das atuações
político-partidárias, participa de reuniões de defesa política de autoridades e
aspirantes a autoridades e literalmente esquece que a instituição que lidera
tem responsabilidades de atuar institucionalmente em defesa de atos de poderes
constituídos que podem carregar conteúdos visceralmente opostos aos
efusivamente declarados e festejados pelo Advogado-Geral da União. Exatamente
por isso, a discrição e parcimônia deveriam ser os guias do comportamento do
AGU. Infelizmente, não se observa nada próximo a isso" (Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-mar-24/oab-df-faz-representacao-cardozo-presidencia
).
A
Constituição de 1988 definiu que a Advocacia Pública, em especial a
Advocacia-Geral da União (AGU), é uma instituição de Estado qualificada como
Função Essencial à Justiça e apartada dos poderes políticos clássicos
(Executivo, Legislativo e Judiciário). Assim, impôs o constituinte originário
uma profunda mudança de paradigmas na identidade e na atuação da Advocacia
Pública por seus membros ou integrantes.
Uma
das principais consequências da decisão do constituinte aponta de forma
cristalina no sentido da advocacia pública não ser uma defensora cega e
incondicional dos atos (todos os atos) praticados pelos agentes públicos. Essa
afirmação tem especial reflexo no manejo de recursos nos processos judiciais e
na defesa de autoridades públicas. Escrevi, em abril de 2010, o texto
"Advocacia de Estado versus Advocacia de Governo" (Disponível em: http://www.aldemario.adv.br/observa/advestadvgov.pdf
) texto aludido consta a seguinte passagem: "A defesa de atos de
autoridades públicas não pode ser efetivada de forma acrítica, em todos os
casos e em quaisquer circunstâncias. Afinal, existem inúmeras situações onde
imperam a ilegalidade, a imoralidade, a improbidade, a má-fé e o dolo. Esse
olhar criterioso está em harmonia com a advocacia de Estado. A tal advocacia de
Governo não consegue trabalhar bem a transgressão jurídica (pontual ou
“patológica”) do gestor. Nesse sentido, a Portaria AGU n. 408, de 2009, editada
pelo então Advogado-Geral da União José Antônio Dias Toffoli, bem demonstra o
processo de construção de uma advocacia de Estado. O aludido ato, entre outras
hipóteses, não viabiliza a defesa judicial de autoridades quando: a) não tenham
sido os atos praticados no estrito exercício das atribuições constitucionais,
legais ou regulamentares; b) não tenha havido a prévia análise do órgão de
consultoria e assessoramento jurídico competente, nas situações em que a
legislação assim o exige; c) tenha sido o ato impugnado praticado em
dissonância com a orientação, se existente, do órgão de consultoria e
assessoramento jurídico competente, que tenha apontado expressamente a
inconstitucionalidade ou ilegalidade do ato, salvo se possuir outro fundamento
jurídico razoável e legítimo; d) ocorra incompatibilidade com o interesse
público no caso concreto; e) identificada conduta com abuso ou desvio de poder,
ilegalidade, improbidade ou imoralidade administrativa, especialmente se
comprovados e reconhecidos administrativamente por órgão de auditoria ou
correição".
A
construção da nova identidade da Advocacia Pública como Advocacia de Estado, e
não como Advocacia de Governo, não é um processo fácil e rápido. Várias
questões delicadas precisam ser enfrentadas e equacionadas. Esse penoso caminho
passa necessariamente: a) pela fixação das prerrogativas pertinentes para a
atuação eficiente e republicana dos integrantes da instituição; b) pela
aprovação da PEC 443 (que fixa a paridade remuneratória entre as carreiras
integrantes das Funções Essenciais à Justiça); c) pela aprovação da PEC 82 (que
define uma responsável autonomia para as instituições da Advocacia Pública); d)
pela escolha do dirigente máximo da instituição mediante lista tríplice formada
e composta pelos membros da AGU e e) pela edição de uma nova e moderna Lei
Orgânica, marcada pela gestão democrática, participativa e afastada das cadeias
de comando construídas em torno de cargos comissionados. Essa nova Lei Orgânica
pode e deve definir espaços colegiados de avaliação da pertinência da defesa de
autoridades e atos por elas praticados.
Fica
claro que a construção do projeto da Advocacia de Estado interessa à sociedade
brasileira e à cidadania. Somente uma Advocacia de Estado poderá exercer na
plenitude sua missão, notadamente preventiva, de combate sem tréguas a todas as
formas de corrupção e barrar as tentativas de captura da instituição para
viabilizar interesses escusos de governos, governantes e partidos políticos.
Aldemario
Araujo Castro é Advogado, Procurador da Fazenda Nacional, Professor da
Universidade Católica de Brasília - UCB e Mestre em Direito pela Universidade
Católica de Brasília – UCB
Aldemario
Araujo Castro
Sábado, 26 de março, 2016
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