Revolta,
insatisfação, busca de novos caminhos na política caracterizam atualmente um
fenômeno mundial.
Não
acontece apenas no Brasil.
Cresce
nas disputas eleitorais o chamado candidato “outsiders” (vem de fora). Sem
vocação política. Sem espírito público. Sem propostas, ou novidades confiáveis.
Todos fabricados em laboratórios experimentais, que aproveitam os momentos de
crise para crescerem, hasteando falsas bandeiras. Por trás dessas bandeiras, se
esconde, regra geral, a hipocrisia, contagiada pelos precedentes de conluio com
a corrupção. A prova maior é o quadro político dos Estados Unidos, o país ícone
da democracia.
Donald
Trump, por exemplo, o empresário milionário e candidato à Presidência, foi
acusado pela Procuradoria de Nova York de práticas de enganar os consumidores,
sendo reivindicada pela justiça a devolução de mais de US$ 40 milhões para os
mais de 5 mil norte-americanos prejudicados.
Esse
quadro diagnostica claramente, séria crise de representação política nas
democracias globais. Para o sociólogo Luis Fernando Ayerbe “O eleitorado
norte-americano perdeu o medo de votar naquilo que é menos conhecido, mas
oferece algo diferente.
Isso
começou com Obama e parece que é um fenômeno que veio para ficar. Podemos fazer
um paralelo com a América do Sul, entre o final da década de 1990 e início dos
anos 2000. Na época, embora tivéssemos candidatos à esquerda, parecia natural
que a vitória seria naturalmente da centro-direita, ou seja, partidos do
sistema. E, de repente, houve uma reviravolta, surgiram novas lideranças e a
população não teve medo de votar em candidatos que pareciam desconhecidos e de
esquerda, que representavam algo diferente, um mundo diferente”.
Um
estudo da Fundação Bertlsmann, da Alemanha, constatou retrocesso da democracia
e da economia social de mercado em todo o mundo e o aumento da influência da
religião e o poder econômico sobre as instituições políticas e jurídicas. A
influência da religião na política, por exemplo, cresceu em 53 países nos
últimos dez anos e recuou em apenas 12.
A
democracia e a economia social de mercado encontram-se em retrocesso em todo o
planeta”, diz a conclusão do estudo. De 129 países pesquisados, apenas seis
alcançaram a qualificação de boa qualidade de governança, o que representa o
nível mais baixo desde 2006. O mais grave é que há dois anos as autocracias
consideradas “duras”, aumentaram de 58% para 73%. O estudo conclui que, na
grande maioria dos países da Europa Oriental, existem atualmente maiores
restrições à liberdade de imprensa e de expressão, do que há dez anos.
Esse
quadro de crise econômica favorece dois fenômenos constantes nos países tidos
como democráticos: o crescimento do populismo e a tentativa das elites
econômicas de extrema direita eliminarem o estado e substituí-lo pelo poder do
mercado. Pregam abertamente que o Estado deveria ser igual à empresa
particular, ao invés do estado e empresa absorverem reciprocamente as regras de
eficiência já testadas, sem prejuízo de que as funções privadas e sociais de
cada um sejam absolutamente diferentes.
O
fertilizante dessas ideias exóticas, pregadas por extremistas, são justamente a
pobreza, desigualdade e a falta de perspectivas econômicas para boa parte da
população. Os modelos sociais, econômicos e políticos até agora se preocuparam
com os extremos, ou seja, concentração de renda beneficiando os ricos, ou
distribuição irresponsável de renda, a pretexto de ajudar os pobres.
Ambos
modelos estão dando errado no mundo.
O
verdadeiro desenvolvimento e a preservação das liberdades terão que passar por
investimentos na educação, saúde e luta contra a desigualdade. Isso pressupõe a
igualdade de oportunidades, que estimule os empreendedores privados e atendam
às carências coletivas, através do desempenho ético do estado. O mercado, a
empresa privada, a inovação, os incentivos do poder público são totalmente bem
vindos numa democracia. Negá-los seria defender o extremismo estatal. Entretanto,
tudo terá que ser condicionado ao interesse público, através da ação
insubstituível do Estado, que preserva direitos fundamentais de uns e de
outros. O mercado garante o sucesso e estabilidade da economia, mas nunca
poderá ser considerado o único instrumento de ação do Estado. Da mesma forma,
as ações sociais em favor dos desvalidos, jamais poderão ser tarefa primordial
dos entes privados. Nesse contexto, a opção do Brasil para sair da crise será
afastar-se dos extremos, dos “salvadores da Pátria”, demagogos que pregam o
paraíso.
A
Nação terá que buscar a verdadeira governabilidade, que conduza ao bem estar
social.
Tudo
isto deverá ser feito para evitar que a justificada revolta popular, não
termine premiando os aproveitadores e enganadores, que significará o agravamento
da crise em longo prazo. O cidadão deve estar de olho aberto para não enganar-se
e separar o joio do trigo! Ainda presente nos dias de hoje, as lições de Mateus
21 e 23, quando citou Jesus na Bíblia e condenou a hipocrisia dos fariseus:
“Jesus
entrou no templo e expulsou todos os que ali estavam comprando e vendendo”. “Não
façam o que eles fazem, pois não praticam o que pregam. “Eles atam fardos pesados e os colocam sobre
os ombros dos homens, mas eles mesmos não estão dispostos a levantar um só dedo
para movê-los”.
A
atividade política é indispensável à democracia. Ela, em si não é culpada pelo
que acontece hoje. A culpa é dos maus políticos.
E
também dos maus eleitores, que se deixam enganar por culpa, ou dolo.
Ney
Lopes – jornalista, ex-deputado federal; procurador federal; ex-presidente do
Parlamento Latino-Americano, e professor de Direito Constitucional da UFRN
Quinta-feira,
03 de março, 2016
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