O
relator do processo que pede a cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer no
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Herman Benjamin, já liberou para o
colegiado seu relatório parcial, com quase 1 mil páginas.
Em
entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, o ministro afirmou que não se importa
“nem um pouco” se o seu voto não for acompanhado pela maioria dos sete juízes
do tribunal, “desde que as regras do jogo sejam republicanas”. E acrescentou:
“O que é inadmissível, e aí realmente eu não aceito, é que o argumento poderoso
dos fatos seja derrotado por fundamentos que não têm sustentação, exceto no
jogo do poder. Porque isso descaracteriza o estado de direito”.
O
relatório parcial ainda não inclui as alegações finais das partes. Quando as
tiver, provavelmente ainda nesta semana – o prazo é de dois dias –, ele
acrescentará mais algumas páginas contemplando essas arguições. Benjamin estima
entregar seu voto até a metade de abril. Então, caberá ao presidente do TSE,
ministro Gilmar Mendes, marcar a data do julgamento.
Questionado
sobre a estabilidade econômica, que o governo Temer trabalha para ter
resultado, o ministro Herman Benjamin disse que “não é possível crescimento
sustentável, vale dizer, duradouro, em uma sociedade que tem a corrupção como
um fato natural”. “Isso acaba se refletindo no próprio sistema eleitoral,
porque o desacredita”, afirma.
Sobre
a reforma político-eleitoral, o magistrado acredita que “é a reforma mais
importante de todas”. Ele afirmou, também, que a perda de confiança na Justiça
Eleitoral “pode levar a uma situação de violência”.
Por
que o relatório parcial é tão grande?
Só
de testemunhas são mais de 50. O relatório tem que descrever o mínimo para que
os meus colegas tenham os elementos de convencimento inicial. É um mapa da
mina, para irem aos autos, que estão disponibilizados, inclusive, para os
ministros, os depoimentos da Odebrecht e as informações de quebra de sigilo
bancário e fiscal.
Qual
é o tom do relatório?
É
descritivo, absolutamente objetivo. Com muitas transcrições daquilo que é mais
relevante. É o contexto. O relatório é para informar. O voto é para analisar e
convencer.
A
leitura já leva a uma conclusão sobre o seu voto?
Tive
a preocupação de evitar prejulgar. Eles vão os elementos, que não redirecionam
o entendimento, nem para um lado, nem para o outro.
Já
tem ideia de que tamanho será o seu voto?
Não
sei, porque ainda não estou na fase final. Mas não dá para decidir um caso como
esse com um voto de cinquenta páginas.
Não
parece já estar claro que o sr. vai pedir a cassação dos dois (Michel Temer e
Dilma Rousseff)?
Não
se precipite. Não falo sobre o conteúdo do processo, investigados, as provas e
depoimentos, nem antecipo minha posição quanto ao julgamento em si. São três
grandes questões: a primeira é a da cassação; a segunda, a cisão presidente e
vice; e a terceira, a inelegibilidade. Tudo vai começar e terminar com as
provas. Claro que sobre a cisão há uma jurisprudência sólida no Tribunal (pela
indivisibilidade). Mas, por trás da jurisprudência sólida, tem os
pré-requisitos, que são os elementos de prova. Não é fácil.
Qual
seria o resultado se o julgamento fosse hoje?
É
absolutamente imprevisível. Porque tudo depende da disposição dos ministros em
relação às provas que estão lá, seja de um lado, seja do outro. E daí a
importância da transparência absoluta.
O
sr. está contando que o seu voto seja acompanhado pela maioria do Tribunal?
Não.
Eu sou um juiz de colegiado. Não me importo nem um pouco de perder, desde que
as regras do jogo sejam republicanas. Em outras palavras, as teses que eu
defendo não são absolutas. A avaliação que eu venha a fazer das provas não é
infalível. E, portanto, um voto por mim redigido está perfeitamente em
condições de ser derrotado pelos defeitos próprios da natureza humana, que não
é perfeita. Agora, o que é inadmissível, e aí realmente eu não aceito, é que o
argumento poderoso dos fatos seja derrotado por fundamentos que não tem
sustentação, exceto no jogo do poder. Porque isso descaracteriza o estado de
Direito.
Qual
é a sua preocupação com a estabilidade do País diante da hipótese de que o
presidente Temer seja cassado, saia, e tenha uma eleição indireta?
É
importante entender que a felicidade do povo é proporcional à quantidade de
corrupção que existe no país. Peguemos o exemplo dos países escandinavos. Estão
no topo dos países menos corruptos, e ao mesmo tempo no topo dos países em que seus
cidadãos se sentem os mais felizes do mundo. Nós temos que ter a compreensão de
que práticas que desvirtuam a seriedade e a credibilidade do estado de Direito
contribuem diretamente para a nossa infelicidade, como povo, como família, como
indivíduo.
Dentro
de pouco tempo o presidente Temer vai substituir dois ministros do TSE. Isso
pode trazer alguma alteração neste processo que o sr. está relatando?
Sinceramente
eu não sei. É difícil se prever como que um novo juiz vai julgar.
É
uma preocupação sua?
Eu
não tenho essa preocupação.
O
sr. não tem receio de que um voto seu pela cassação do presidente Temer,
hipoteticamente falando, traga algum estremecimento ao País?
Primeiro
eu não sei se meu voto será pela cassação. Mas eu acredito que o Brasil está
mais do que preparado para receber qualquer julgamento do TSE baseado em fatos.
Nós temos que acabar com a ideia de que a Constituição de 1988 foi feita por e
para extraterrestres, e não por e para brasileiros. É ela dá o marco do que é
sustentável. Crise é violar a Constituição. Porque se nós destruirmos a
Constituição, não fica nada.
E
a questão da estabilidade econômica, que parece ter uma luz no fim do túnel?
Não
é possível crescimento sustentável, vale dizer, duradouro, em uma sociedade que
tem a corrupção como um fato natural. Isso acaba se refletindo no próprio
sistema eleitoral, porque o desacredita. Sem eleições livres e democráticas, da
mesma forma que sem justiça, nós não temos estado de Direito. Portanto, não há
como pensar apenas a curto prazo. O mal do Brasil é querer resolver os seus
problemas de largo prazo com um enfoque a curto prazo. É por isso as crises se
renovam. Nós não conseguimos aprender com os nossos equívocos, e achamos que
apurar ilicitudes no processo eleitoral pode causar distúrbios.
E
não é o caso?
A
maior perturbação social virá da descrença no processo eleitoral, e na própria
Justiça. Quando as pessoas não acreditarem mais nem no processo eleitoral, nem
na Justiça, aí sim nós alcançaremos o fundo do poço com consequências
absolutamente imprevisíveis, e talvez até violentas.
O
sr. espera que qualquer resultado seja encarado com naturalidade?
O
Brasil só revolverá seus problemas quando, em primeiro lugar, processos como
esses não sejam considerados um ponto fora da curva, e sim encarados com
naturalidade, como o próprio organismo do estado de Direito reagindo a
patologias. Isso tem a ver, essencialmente, com a própria reforma
político-eleitoral que Congresso tem que fazer.
Estão
em andamento, a troncos e barrancos, as da Previdência, a trabalhista, e a
tributária.
As
três são relevantes, mas a mais importante, porque é a mãe das reformas, é a
político-eleitoral. O Supremo Tribunal Federal já tratou de um dos problemas –
o financiamento empresarial. Um dos outros é o sistema de composições
eleitorais, as coalizões sem pé nem cabeça.
Qual
é causa, aí?
Se
não há a cola ideológica para juntar partidos, algum outro fator está
propiciando essa junção. As coalizões são, normalmente, em torno de princípios.
Mas, quando você vê óleo e água se juntando, é porque alguma coisa além do
perceptível, da lógica, está servindo de grude.
E
a questão do número de partidos?
No
Brasil nós vivemos a febre de que cada um quer ter um partido para chamar de
seu. Acontece que sem o conteúdo ideológico os partidos são descaracterizados,
e deixam de cumprir a sua função constitucional. Eles só existem, e são
financiados por todos os brasileiros, na medida em que agreguem diversidade ao
debate ideológico no país. Se não agregam, não há ética na negociação. Os
próprios parlamentares e quadros partidários afirmam isso abertamente.
Qual
é a consequência?
Aí
há um mercado persa para as alianças, um mercado persa para venda do tempo de
televisão. Porque o tempo de televisão não é gratuito. É gratuito para o
partido, mas é um custo elevadíssimo, de
centenas de milhões de reais, para o
contribuinte brasileiro. Essas negociatas estão sendo feitas com o
chapéu alheio.
Qual
é o seu estado de espírito diante desse processo tão relevante, tão barulhento
e tão delicado?
Muito
cansado, extremamente cansado.
Doido
para se livrar disso?
Não
digo me livrar. Mas cumprir a minha missão, e voltar ao cotidiano dos processos
que realmente me dão prazer, aqueles que resolvem as demandas de Justiça de uma
forma mais concreta, que se relacionam com os indivíduos, e não de uma forma
tão abstrata como essa.
Como
assim, abstrata?
O
paradoxo desse processo é que, por um lado, ele é extremamente concreto, com
nome e sobrenome. E, por outro lado, é profundamente abstrato. Porque se
relaciona não só com o povo brasileiro como um todo, mas com as gerações
futuras. A rigor nós não estamos tratando só de um incidente eleitoral. Nós
estamos no âmbito da viabilidade do estado democrático de Direito para as
gerações futuras. Esse é o grande paradoxo.
Quinta-feira,
23 de Março de 2017 ás 10hs00
Nenhum comentário:
Postar um comentário