A
partir de 1º de janeiro, quando Jair Bolsonaro subir a rampa do Palácio do
Planalto, Brasília ganhará ares de Chicago, Illinois, nos Estados Unidos. Não
apenas a Chicago que sedia a universidade de tradição liberal onde estudou
Paulo Guedes, designado para ser ministro da Economia. Também a Chicago de
Eliot Ness, que em 1929 montou uma equipe de agentes com variadas habilidades e
com reputação acima de qualquer suspeita, conhecidos como Intocáveis, para
melar os negócios ilícitos de gângsteres como Al Capone e, claro, para jogá-los
atrás das grades. Na segunda-feira, dia 26, Sérgio Moro anunciou que seu
Ministério da Justiça terá uma Secretaria de Operações Policiais Integradas,
que ficará a cargo de Rosalvo Franco, delegado aposentado da Polícia Federal,
com o intuito de realizar ações conjuntas com as polícias dos estados. Os Al
Capones que ele terá de identificar e caçar são os típicos personagens do crime
organizado brasileiro, em suas mais diversas vertentes: chefes do tráfico,
salafrários atuantes na lavagem de dinheiro e na evasão de divisas, políticos
corruptos e empresários corruptores, entre outros. “Hoje, nós temos muitos
grupos criminosos que transcendem as fronteiras estaduais, e essa ação precisa,
muitas vezes, de coordenação em nível nacional”, disse Sérgio Moro.
Franco,
o Eliot Ness de Moro, foi Superintendente da Polícia Federal no Paraná. Lá,
atuou diretamente com o ex-juiz na Lava Jato. Foi o responsável pela operação
de busca e apreensão na casa do ex-presidente Lula. Passou por diversas funções
na PF durante seus 33 anos de atividade policial e já estava auxiliando Moro na
sua equipe de transição. Até agora, essa tem sido uma constante nas indicações
do futuro ministro da Justiça: seus Intocáveis são policiais federais com quem
trabalhou na Lava Jato, em Curitiba. A confiança é essencial para criar a
blindagem necessária nas operações contra o crime organizado. Um dos desafios
será transpor essa confiança para a relação com as polícias civis e militares
dos estados, por vezes coniventes com os comandantes do crime.
Moro
quer garantir a Franco carta-branca e autoridade para atuar no comando de
operações, mesmo quando envolver as polícias de cada Estado. A seu comando,
atuarão juntas a Polícia Federal, a Força Nacional, a Polícia Rodoviária
Federal, quando necessário, e as polícias estaduais Civil e Militar. A nova
área cuidará da logística dessas operações conjuntas.
A
inspiração de Moro para apostar em forças-tarefas veio da própria Operação Lava
Jato, que começou em Curitiba, mas ultrapassou divisas estaduais e fronteiras
internacionais, e que envolveu o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia
Federal, que passaram a atuar de forma associada. De acordo com dados da PF, a
Lava Jato já expediu mais de 200 mandados de prisão preventiva e temporária,
bloqueou mais de R$ 2,4 bilhões e repatriou mais de R$ 700 milhões. Estão na
cadeia empresários como Marcelo Odebrecht, políticos como o ex-presidente Lula,
o ex-deputado Eduardo Cunha e o ex-ministro Antônio Palocci e servidores do
alto escalão da Petrobras como Paulo Roberto Costa e Nestor Cerveró.
Eficiência comprovada
Um
dos nomes que também teve projeção na Lava Jato e que vai integrar a nova
estrutura do Ministério da Justiça é o delegado da PF Fabiano Bordignon. Ele
chefiará o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), considerado por Franco
estratégico, já que algumas ordens e diretrizes para o cometimento de crimes
partem dos presídios federais, onde estão os bandidos mais perigosos do País. O
grupo pretende cortar esse mal pela raiz, diminuindo a comunicação dos detentos
com o mundo exterior. Em 2006, por exemplo, São Paulo parou diante de ataques
orquestrados pelo PCC de dentro dos presídios. Bordignon tem experiência nesse
sentido, pois dirigiu o presídio de segurança máxima em Catanduvas (PR).
Outro
delegado da confiança de Moro será Maurício Valeixo, que ocupará o cargo de
diretor da Polícia Federal. O policial estava na Superintendência da PF no
Paraná, onde substituiu o próprio Rosalvo Franco. Antes, passou pelas
diretorias de Investigação e Combate ao Crime Organizado, de Repressão às
Drogas, de Inteligência Policial e de Gestão de Pessoal. Foi ele quem coordenou
a prisão de Lula em abril.
O
quarteto de Intocáveis de Brasília deverá ser completado com a iminente
nomeação do também delegado da PF Igor Romário de Paula para a Diretoria de
Combate ao Crime Organizado (Dicor). Seu nome deve ser confirmado na próxima
semana. Ele trabalhou exatamente nessa área com Moro e os demais colegas de PF
no Paraná e fez parte da equipe que fez a investigação do esquema de fraude e
evasão de divisas no Banestado, entre 1996 e 2000.
Os
incorruptíveis e intrépidos Intocáveis de Eliot Ness causaram muitos prejuízos
aos negócios de Al Capone na Chicago do final dos anos 1920. Mas o gângster só
foi preso graças às provas fornecidas por um agente da receita federal, Frank
Wilson. O grande chefão foi, então, condenado por sonegação fiscal. Essa será
também a estratégia dos Intocáveis de Moro: seguir o dinheiro ilícito e agarrar
os criminosos pelo bolso. A Frank Wilson de Brasília será Erika Mialik Marena,
que deixará a Superintendência Regional de Sergipe, onde é delegada, e chefiará
o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional
(DRCI). Erika foi quem deu nome à Lava Jato. Também atuou como delegada de
crimes financeiros em São Paulo e coordenou a força-tarefa que investigou as
contas fraudulentas no caso Banestado, em Curitiba.
Para
o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF),
Edvandir Felix de Paiva, a iniciativa de integrar as polícias dos Estados com
as forças nacionais é bem-vinda. Porém, ele acha temerária a possibilidade de
ampliar operações envolvendo agentes estaduais com federais, pois acredita que
o risco de vazamento é muito grande. “Se isso acontecer, vai prejudicar muito o
trabalho. É preciso cuidado ao definir quem integrará essas operações”, diz
Paiva. Outro temor refere-se às disputas que existem entre as polícias. Nos
estados, dificilmente se consegue colocar a Polícia Militar trabalhando com a
Civil. No caso da Lava Jato, sempre foi dura, também, a convivência da PF com o
Ministério Público.
Se
bem organizada, uma força-tarefa traz inúmeras vantagens para a investigação
policial. Ela cria o ambiente que permite às corporações entender as funções e
as capacidades das outras instituições no combate a determinado tipo de crime.
Enquanto as polícias de nível estadual têm meios para responder imediatamente à
ocorrência de crimes, muitas vezes falta a elas, por exemplo, os recursos
investigativos de agentes federais. Esse é o primeiro passo para criar uma
relação estratégica, coordenada e colaborativa entre as agências. Tão logo uma
força-tarefa completa essa fase inicial, seus integrantes passam a discutir
como responder ao desafio que lhes foi imposto.
Uma
força-tarefa é como uma caixa de ferramentas: ela reúne em um mesmo lugar tudo
o que você precisa, quando precisa
Uma
força-tarefa, portanto, é como uma caixa de ferramentas: ela reúne em um mesmo
lugar tudo o que você precisa, quando precisa. No ambicioso plano de Moro, dali
sairá o martelo que vai fincar os pregos do caixão do crime organizado no
Brasil. Não será uma missão fácil. Além dos criminosos de colarinho branco,
bandidos poderosos como Fernandinho Beira-Mar e Marcos Willians Herbas Camacho,
o Marcola, zombam diariamente da sociedade, dando as cartas apesar de presos.
Fazem como Al Capone em Chicago. Antes da chegada de Eliot Ness. (IstoÉ)
Sábado,
1º de dezembro, 2018 ás 00:30
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