O
futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, disse segunda-feira (3/11) em Madri
que trocou a magistratura pelo Executivo porque estava “cansado de tomar bola
nas costas”. Ele usou a expressão para caracterizar o que seria um alcance
limitado de suas sentenças enquanto juiz.
Para
Moro, só o trabalho de procuradores, policiais e juízes não basta para
enfrentar a corrupção. É preciso alistar outros atores, outros Poderes.
“Como
gostamos de futebol, temos no Brasil uma expressão segundo a qual alguém diz estar
cansado de levar bola nas costas”, afirmou à plateia de um seminário promovido
pela Fundação Internacional para a Liberdade, presidida pelo Nobel de
Literatura peruano Mario Vargas Llosa, que mediou a mesa. “Meu trabalho no
Judiciário era relevante, mas tudo aquilo poderia se perder se não
impulsionasse reformas maiores, que eu não poderia fazer como juiz.”
Ele
acrescentou: “Durante estes quatro anos [de atuação na Lava Jato], me perguntei
se não tinha ido longe demais na aplicação da lei, se o sistema político não
iria revidar. Esse caso ia chegar ao fim, e era preciso que gerasse mudanças
institucionais. Me senti tentado pela possibilidade de fazer algo mais
significativo, não pela posição de poder”.
Moro
deveria dividir os holofotes com Paulo Guedes, futuro ministro da Economia, mas
o colega de mesa cancelou sua participação de última hora por motivos de saúde.
Na
abertura do encontro, o ex-magistrado foi apresentado por Vargas Llosa como um
“juiz desconhecido que, com grande coragem e conhecimento das leis brasileiras,
iniciou uma campanha eficiente de combate à corrupção respaldada pela
população”.
O
escritor também lembrou que o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), é
frequentemente apresentado pela imprensa europeia como “líder de extrema direita,
inimigo das conquistas democráticas e liberais, em suma, um fascista”.
Vargas
Llosa disse não crer que 55 milhões de brasileiros tenham virado fascistas.
“Então, não acredito nessas etiquetas”, completou, sob risos de parte da
plateia.
Moro
aproveitou a deixa para defender o futuro chefe e “esclarecer equívocos”
relacionados à imagem dele no exterior e a seus planos.
“Não
vislumbro no presidente traço de autoritarismo”, disse. “O próprio
reiteradamente afirmou seu compromisso com a democracia e com o Estado de
Direito. Era o principal candidato opositor [Fernando Haddad] que, a rigor,
tinha propostas de controle social da imprensa e do Judiciário. ”
Segundo
o futuro titular da Justiça, mesmo sob fortes críticas, Bolsonaro reafirmou seu
compromisso com a liberdade de imprensa. Moro omitiu os reiterados ataques e
ameaças do então candidato a diversos veículos.
O
convidado disse ainda que jamais aceitaria ameaças a minorias e que
“declarações infelizes” do presidente eleito não se traduziriam em políticas
públicas discriminatórias.
“Há
intenção de endurecimento, não contra a democracia, mas contra a grande
corrupção, o crime organizado e o violento, que a afetam”, insistiu.
Ao
longo de quase uma hora, o ex-juiz fez uma longa explanação sobre a corrupção
no Brasil e sobre uma cultura de impunidade que teria sido rompida a partir do
julgamento do mensalão pelo Supremo, que começou em 2012.
Lembrou
a certa altura as acusações de que suas decisões no âmbito da Lava Jato teriam
tido viés político: “É natural que as investigações tenham recaído mais
acentuadamente sobre o partido governista na época, porque ele detinha mais
poder. É como criticar o Watergate [escândalo que levou em 1974 à renúncia do
presidente dos EUA Richard Nixon, republicano] porque não foram encontradas
provas contra democratas”.
Quando
Vargas Llosa perguntou a ele sobre as chances de aprovar no Congresso as tais
reformas amplas que ele tem em mente, Moro disse que a renovação expressiva das
fileiras parlamentares, aliada à suposta opção de Bolsonaro por um gabinete de
perfil técnico, era um indicativo de uma mudança qualitativa na relação entre
os Poderes.
Ele
não detalhou em nenhum momento a natureza das “reformas amplas” e também pouco
falou sobre seus planos para a segurança pública, rubrica que ficará sob seu
guarda-chuva.
Mais
perto do fim do encontro, alguém no público perguntou sobre o status de “juiz
estrela, que usa a mídia para fazer avançar seus processos”.
“Não
fui ávido pelo microfone”, respondeu Moro. “[A prática de levantar o sigilo dos
autos e de permitir a filmagem de interrogatórios]. Foi uma questão de abertura
ao direito à informação. As pessoas têm o direito de saber o que fazem os
governantes, mesmo quando cometem crimes, e o que fazem os tribunais quando se
deparam com eles. ”
O
futuro ministro voltou a rechaçar o elo entre a condenação do ex-presidente
Lula, a eleição de seu principal oponente na fase pré-eleitoral e a nomeação
dele para o ministério de Bolsonaro. “Ninguém antevia que ele seria eleito. Não
tem nada a ver uma coisa com a outra. ” (FolhaPress)
Segunda-feira,
03 de dezembro, 2018 ás 19:00
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