Redução
de pessoal, cortes de verba, falta de incentivo, insegurança administrativa e
brigas internas. Esse é o pano de fundo da extinção, na semana passada, do
Grupo de Trabalho da Polícia Federal, em Curitiba, que atuava na Operação Lava
Jato.
O
“desmonte” da força-tarefa já resultou na redução do número de operações
ostensivas – quando são cumpridas ordens de prisões, conduções coercitivas e
buscas e apreensões – da maior ofensiva contra a corrupção mp Brasil, iniciada
março de 2014.
Nos
primeiros seis meses do ano foram deflagradas quatro operações da Lava Jato, em
Curitiba, predominantemente originadas de investigações do Ministério Público
Federal. Em 2016, dez fases das investigações tinham sido deflagradas, em igual
período.
A
força-tarefa do Ministério Público Federal viu a medida como um “desmonte” da
Lava Jato, deflagrado no final de 2016, e pediu sua revisão. Na quinta-feira,
6, a Superintendência da PF no Paraná anunciou a extinção do Grupo de Trabalho
que, desde 2014, atuava exclusivamente nas investigações do mega esquema de
cartel e corrupção, descoberto na Petrobrás.
Na
prática, delegados e outros policiais da Lava Jato passarão a atuar em outros
inquéritos, paralelamente. São cerca de 100 inquéritos ainda abertos nas
apurações do escândalo Petrobras, entre eles as apurações do ex-ministro
Antonio Palocci e os abertos à partir das delações da Odebrecht, que serão
redistribuídos.
Necessidade
A
Polícia Federal nega desmonte e anunciou no mesmo dia, em nota oficial, e em
entrevista coletiva dada à imprensa pelo superintendente do Paraná, Rosalvo
Ferreira Franco, e pelo delegado da Delegacia Regional de Combate ao Crime
Organizado, Igor Romário de Paula, que se tratava de uma medida operacional
para “otimizar” o trabalho nos inquéritos da Lava Jato.
“Foi
uma necessidade investigação. Não foi uma necessidade de recursos financeiros,
mas sim de adequar o recurso pessoal de gente capacitada para a realidade que a
gente tem”, afirmou Igor, na semana passada.
“Em
nenhum momento o grupo da operação Lava Jato foi extinguido, pelo contrário,
ele foi aumentado com a equação que está ocorrendo”, afirmou o superintendente.
Serão 84 pessoas ao todo na equipe da Delecor.
“O
modelo é o mesmo adotado nas demais superintendências da PF com resultados
altamente satisfatórios, como são exemplos as operações oriundas da Lava Jato
deflagradas pelas unidades do Rio de Janeiro, Distrito Federal e São Paulo,
entre outros”, diz a direção-geral da PF, por meio de sua Divisão de
Comunicação Social.
“Foi
uma decisão nossa, não foi uma decisão de Brasília. Foi uma decisão de caráter
exclusivamente operacional. Não tem nenhum tipo de interferência, recado para
segurar as investigações, parar os procedimentos. Foi uma decisão
administrativa do ponto de vista operacional para dar continuidade aos
trabalhos.”
O
comanda da PF divulgou nota reafirmando seu empenho, em combate à corrupção. “A
Polícia Federal reafirma o compromisso público de combate à corrupção,
disponibilizando toda a estrutura e logística possível para o bom
desenvolvimento dos trabalhos e esclarecimento dos crimes investigados.”
Pessoal
Desde
o início do ano, a equipe enfrenta redução do número de delegados – de 9 para 4
– e corte de um terço do orçamento, conforme revelou o Estadão, em maio.
No
ano passado, a equipe de Lava Jato, incluído agentes e peritos, era de 60
pessoas – na semana passada eram 40. São policiais que fazem análises de
documentos aprendidos, pesquisas de investigação, cruzamentos de dados e que
cumprem as medidas de buscas e prisões.
Para
o comando da PF no Paraná, essa redução é natural com o surgimento de
investigações da Lava Jato em outros estados. São 16 unidades da federação
atualmente com apurações do escândalo.
O
coordenador da Lava Jato explicou que essa redução decorre do compartilhamento
de efetivo. “Se antes eu conseguia um número maior de políciais do Rio de
Janeiro para trabalhar aqui, especializado nesse tipo de investigações, não faz
sentido o Rio liberar para trabalhar aqui se ele está precisando de reforços.
Então esses já não vêm mais. O que eu conseguia em Brasília, esse nem se fala.”
Verba
O
corte de verbas também atinge a Lava Jato desde o final de 2016. Em 21 e 27 de
maio, o Estadão mostrou que a Lava Jato e a Superintendência da Polícia Federal
do Paraná tiveram quase um terço de seu orçamento cortado neste ano pelo
governo federal.
O
Ministério da Justiça destinou para ambos R$ 20,5 milhões – R$ 3,4 milhões para
os gastos extras da operação – ante os R$ 29,1 milhões de 2016 – dos quais R$
4,1 milhões especificamente para a Lava Jato –, uma queda de 29,5%. O aperto
financeiro é ainda maior, pois, além da redução, houve contingenciamento de 44%
da verba destinada para a corporação.
As
consequências para a Lava Jato são dificuldades para pagar diárias, fazer
diligências e outras ações necessárias à continuidade da operação, asfixiando
financeiramente seus trabalhos.
O
Estadão obteve os dados por meio da Lei de Acesso à Informação. Eles mostram o
quanto a PF gastou com a Lava Jato desde 2014, início da operação. Naquele ano,
os recursos para a Superintendência do Paraná cresceram 44%, saltando de R$ 14
milhões em 2013 (equivalente a atuais R$ 17,9 milhões) para R$ 20,4 milhões (R$
24,4 milhões em valores corrigidos). Em 2015, o órgão no Paraná manteve o mesmo
nível de gastos. Nesse período, os federais fizeram no Paraná 59 operações, das
quais 21 (35,5%) foram no conjunto da Lava Jato.
Conforme
documentos do Setor de Logística da PF (Selog/SR/PF/PR), todos os gastos da
Lava Jato eram então bancados pela Superintendência do Paraná. A partir de
2016, notas de empenho próprias passaram a registrar os gastos específicos da
operação – cujos valores foram obtidos pelo Estadão.
“Não houve limitação de recursos”,
garantiu Igor.
“Eu
conheço muito bem o orçamento da Polícia Federal. Não conheço o orçamento do Ministério
Público”, afirmou o coordenador da Lava Jato na PF. “Nós temos dificuldades, a
equipe foi reduzida em função desse problemas todos que falei, Sim, sim. Daí a
criar um argumento de que tudo faz parte de uma grande estratégia para abafar a
Polícia Federal, acho um equívoco muito grande. Não há limitação de capacidade
operacional em função de recurso, isso não.”
Sintonia
O
mais desagregador elemento do desmonte na equipe da Lava Jato na PF foi a
pressão sofrida por policiais e a sensação de fim do apoio dado pelo comando da
corporação ao avanço das investigações.
Desde
2016, a saída de delegados da equipe que iniciaram as investigações em 2013,
abalaram as estruturas do grupo de trabalho. O pedido de saída do delegado
Márcio Adriano Anselmo, que foi efetivado em janeiro de 2017, foi um marco
desse desmonte.
Considerado
a memória viva da Lava Jato, ele pediu para sair alegando cansaço e questões
pessoais, ele foi promovido para corregedor da PF no Espírito Santo. Na semana
passada, com a decisão do fim do grupo de trabalho foi oficializada a
cooperação entre as polícias do Paraná e capixaba para que Anselmo assessore os
novos delegados da Lava Jato.
Com
apenas 4 delegados no comando da equipe, brigas internas e a sensação de
insegurança, com processos administrativos e investigações internas por abuso
de poder, exposição negativa da imagem da polícia e por trabalhar mal serviram
para desestimular os trabalhos.
Os
delegados do Grupo de Trabalho que foi extinto, Filipe Hille Pace, Renata
Silveira da Silva, Dante Pegoraro Lemos e Ivan Ziolkowski, passarão a ser
chefiados pelo novo chefe do Delecor, o delegado Felipe Hayashi – que integrava
a primeira equipe das investigações em 2014 e havia deixado o grupo.
Ataques
Desde
o início de 2016, quando o governo Dilma Rousseff e o ex-ministro da Justiça
José Eduardo Cardozo questionaram os trabalhos da PF na Lava Jato, a
força-tarefa vive sob ataque contínuo. Mas à partir de janeiro, quando foram
homologadas as delações da Odebrecht, que atingiu a cúpula do governo Michel
Temer, as investigações em Curitiba estão no momento mais agudo de ataques.
Trabalhando
em conjunto com o Ministério Público Federal e a Receita Federal, a polícia é a
espinha dorsal da Lava Jato.
Os
trabalhos da força-tarefa revelaram que, à partir de um esquema de loteamento
político das principais diretorias da Petrobrás, no governo Lula, PT, PMDB e PP
passaram a arrecadar de 1% a 3% de propina em grandes contratos da estatal, em
conluio com um cartel formado pelas maiores empreiteiras do País.
O
esquema, que teria durado de 2004 a 2014, abasteceu a base e partidos de
oposição, como o PSDB. Um rombo de mais de R$ 40 bilhões.
Até
agora a força-tarefa já contou R$ 10,3 bilhões recuperados em decorrência de
acordos de delação premiada – desse total, R$ 3,2 bilhões em bens dos réus já
bloqueados e R$ 756 milhões em valores repatriados.
Interferência
Igor
nega interferências políticas ou pressões do governo para mudanças e diz que
toda mudança de efetivo é sensível. “Nosso efetivo, de uma forma geral, ele é
muito limitado. Quando eu tiro qualquer pessoa de qualquer unidade, vai fazer falta.
”
“(A
Lava Jato) Não perdeu a prioridade, a investigação é muito relevante e tem
prioriadade. Só que hoje somos prioridade, como Brasília também é prioridade,
Rio de Janeiro também é prioridade, Rio Grande do Sul tem investigações, na
Bahia tivemos bastante coisa. Agora são várias prioridades.”
“Uma
hora tem que perder o nome Lava Jato.” (AE)
Terça-feira,
11 de julho, 2017 ás 10hs00
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