Passados
75 dias das primeiras prisões e com duas operações deflagradas, a investigação
da Polícia Federal sobre a invasão de contas de Telegram de autoridades já
chegou aos suspeitos do hackeamento, descobriu o modus operandi do grupo e
caminha para uma terceira fase.
A
apuração busca esclarecer se há pessoas acima das já identificadas no esquema,
continua à procura de eventual pagamento pela divulgação das mensagens da Lava
Jato e quer garantir que todo o conteúdo capturado de autoridades tenha sido
recuperado.
ESTUDANTE
– A expectativa é que o estudante Luiz Henrique Molição, 19, preso em setembro
na segunda etapa da Operação Spoofing, possa dar detalhes da divulgação das
conversas de procuradores da Lava Jato, como Deltan Dallagnol, e do ex-juiz
Sergio Moro, atual ministro do governo Bolsonaro.
Molição
é suspeito de ter feito parte dos contatos com o jornalista Glenn Greenwald, do
site The Intercept Brasil, a pedido do principal investigado pelos
hackeamentos, Walter Delgatti Neto.
Enquanto
os outros presos estão no presídio da Papuda, Molição permanece numa cela na
Superintendência da PF em Brasília, onde é mais fácil para a polícia ouvi-lo e
onde ele não tem contato com os demais investigados.
AGIU
SOZINHO? – Delgatti, que foi preso na primeira fase da Spoofing, em julho,
afirmou à PF que agiu sozinho e repassou as mensagens ao Intercept de forma
anônima, voluntária e sem pagamento.
A
polícia, contudo, tem indícios fortes de que ele não atuou sozinho, mas com
ajuda dos dois rapazes presos posteriormente: Molição, seu colega de classe em
um curso de direito em Ribeirão Preto (SP), e Thiago Eliezer Martins Santos, um
morador de Brasília especialista em informática.
A
investigação conseguiu acessar os arquivos de um computador da marca Apple
apreendido com Delgatti e encontrou duas pastas contendo conversas com uma
pessoa apelidada de “Crash” —que a PF suspeita que seja Thiago Eliezer— e
outra, de “Molissaum”, que seria Molição.
GRAVAÇÃO
– No computador de Delgatti foi achado um áudio do jornalista Glenn conversando
com um rapaz –que, mais tarde, foi identificado como Molição.
“Como
tá agora tá saindo muita notícia sobre isso, a gente chego… Chegamos à
conclusão que eles estão fazendo um jogo pra tentar desmoralizar o que tá
acontecendo”, disse Molição. “Hã ham”, respondeu Glenn, num trecho transcrito
pela PF.
O
rapaz menciona que o “‘grupo’ pegou o Telegram de várias pessoas no ano passado
(2018)”, de acordo com a PF, o que contradiz outro trecho da oitiva de
Delgatti, segundo o qual os hackeamentos tinham começado neste ano.
PAGAMENTOS
– Molição teria sido incumbido de falar com Glenn porque Delgatti se
desentendia com o jornalista quanto a pagamentos e não compreendia bem seu
sotaque — o editor do Intercept é norte-americano.
O
estudante falou à polícia, em 25 de setembro, que “Walter [Delgatti] tentou
vender o conteúdo de contas de Telegram para Glenn Greenwald”, conforme
mensagens que leu em um celular dado a ele pelo colega, “entretanto Glenn teria
se recusado a efetuar qualquer tipo de pagamento em troca do conteúdo”.
O
celular mencionado, um iPhone apelidado por Delgatti de “biriri”, “espelhava”
contas de terceiros. Nesse aparelho, Molição disse ter visto conversas de
Telegram da deputada Joice Hasselmann (PSL-SP). Ele também confirmou à PF que
escreveu um texto crítico ao Ministério Público Federal, a pedido de Delgatti,
para enviar a um jornalista como se tivesse partido de Joice.
O
PROFESSOR – Eliezer é suspeito de ter ensinado Delgatti a efetuar as invasões,
pois tem conhecimentos avançados em informática e trabalhava nessa área.
Para
a PF, Eliezer era “ao menos conhecedor das invasões de contas do Telegram que
eram realizadas por Walter Delgatti Neto”. Molição contou que, depois que
Delgatti foi preso, recebeu uma mensagem de uma pessoa que ele acredita ser
Eliezer, que escreveu: “Você deve saber quem eu sou, eu ajudava o garoto”.
Foram
localizadas 14 transferências de pequenos valores de Delgatti para Eliezer,
como uma de R$ 4.500 em abril deste ano. A Investigação, por ora, não afirma
que as transferências tenham relação com as invasões de Telegram porque os dois
são suspeitos também de praticarem fraudes eletrônicas para ganhar dinheiro.
EM
SILÊNCIO – Em seu primeiro depoimento em julho, Delgatti ficou em silêncio
quando a polícia perguntou se ele conhecia Eliezer. Depois, disse que o
conheceu pela internet e comprou dele uma Land Rover em 2018.
PF
e Ministério Público Federal apontam suspeitas de uma série de crimes: invasão
de dispositivo de informática de autoridades públicas, violação de sigilo
telefônico sem autorização judicial, fraudes bancárias, estelionatos, lavagem
de dinheiro e crime contra a Segurança Nacional (espionagem) –cuja pena é a
mais alta, podendo chegar a 15 anos de prisão.
Na
primeira fase da Spoofing, foram presos, além de Delgatti, Danilo Marques,
Gustavo Henrique Elias Santos e sua mulher, Suelen Oliveira. Não há informações
conhecidas de que os três tenham invadido o Telegram de autoridades, mas há
indícios de que praticavam fraudes bancárias e estelionatos eletrônicos.
PROVAS
E FRAUDES – A partir das notícias na imprensa, o Ministério Público de São
Paulo pediu à Justiça Federal em Brasília que compartilhe provas dos crimes de
estelionato e fraudes bancárias, que teriam sido cometidos no interior paulista
e seriam de atribuição dos investigadores do estado.
A
Folha não conseguiu contato ou não obteve resposta, até a noite de sexta (4),
dos advogados de Delgatti, Thiago Eliezer, Elias Santos e Suelen. “A defesa
reitera a convicção na inocência de Luiz Molição”, afirmou em nota um dos
advogados do estudante, Ademar Costa.
A
defensora pública federal Manoela Cavalcanti Barros, que representa Danilo
Marques, disse, também em nota, que a prisão preventiva dele é ilegal porque,
passados mais de 70 dias, “ainda não houve qualquer aprofundamento das
investigações acerca das fraudes bancárias”, que são de atribuição da Justiça
paulista.
(Folha
de São Paulo)
Domingo,
06 de outubro ás 20:00
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