O
que ameaça à liberdade de imprensa é a censura, sobretudo a censura prévia.
Jornalistas apuram suas notícias de diversas formas — pesquisando, vendo os
fatos (numa guerra, por exemplo, numa manifestação de rua) ou consultando
fontes que consideram confiáveis. E devem ter a liberdade plena de publicar o
que apuraram sem pedir autorização a qualquer autoridade.
Tem
mais. Nas democracias, a lei garante o sigilo da fonte da informação e não
apenas para o jornalista. Médicos, advogados, psicanalistas têm o mesmo
direito. Logo, o jornalista não pode ser punido quando se recusar a revelar sua
fonte. Mas o que acontece se a informação publicada for um tremendo erro, uma
mentira, uma ofensa aos direitos de terceiros?
É
claro que não pode ficar. O jornalista é responsável pelo que publica e pode
ser processado pela parte atingida. Isso não é incomum por aqui. Há inclusive
vários casos de jornalistas que processaram jornalistas e obtiveram condenações
exemplares.
O
jornalista processado sempre diz que é vítima de um ataque à liberdade de
imprensa. Errado. Ele teve a plena liberdade de publicar — e o que foi
publicado lá permaneceu.
Mas
tem que ser responsável pelo que publicou. Um engenheiro é responsável se a
barreira se desmancha e mata centenas de pessoas. Por que o jornalista não
seria responsável por destruir a reputação de uma pessoa que seja?
Essa
responsabilidade não desaparece quando o jornalista alega o sigilo da fonte. Um
exemplo clássico: a jornalista Judith Miller, que já tinha um Pulitzer,
publicou no “New York Times” que Valerie Plame, esposa de um ex-embaixador, era
agente secreta da CIA. Obviamente, colocou em risco a vida e destruiu a
carreira de Valerie. A jornalista foi processada, recusou-se a revelar a fonte,
foi condenada e presa.
Um
outro caso clássico também vem dos Estados Unidos. O “New York Times” publicou
documentos do Pentágono (sobre a Guerra do Vietnã) que haviam sido subtraídos
por um funcionário do órgão. Atenção, o jornal não havia participado do roubo —
e isso foi um ponto importante do processo. Apenas recebera os documentos de um
funcionário que julgou necessário divulgar aqueles fatos.
O
jornal pode seguir publicando os documentos.
Ou
seja, o jornalista precisa checar a informação recebida de sua fonte e,
sobretudo, não pode participar de nenhum modo na produção da notícia. E muito
menos pode participar do roubo de uma informação, quer a financiando, quer
ajudando a fonte de algum modo.
Tudo
considerado, o jornalista Glenn Greenwald não foi censurado. Publicou e
continua publicando suas histórias. Não houve censura nem quando ficou claro
que as informações, as conversas entre promotores e juízes da Lava-Jato, haviam
sido obtidas criminosamente por hackers.
A
Polícia Federal encontrou e prendeu os suspeitos. Não investigou nem indiciou o
jornalista americano, que estava protegido por uma decisão do ministro Gilmar
Mendes. Discutível. Jornalistas são imunes? Não devem ser.
Mas
o Ministério Público resolveu denunciar Greenwald por entender que,
investigando outras pessoas, os hackers, encontrara indícios de que o
jornalista havia sido cúmplice ou tinha participado de algum modo da operação
de roubo das informações. A denúncia é o começo do processo. Pode ser
desclassificada pelo juiz logo de cara. Sim, é verdade que a Polícia Federal
não indiciou o jornalista. Mas o Ministério Público não tem a obrigação de
seguir exatamente o caminho da PF. Se não fosse assim, os casos já sairiam
direto da PF para o juiz.
Muita
gente diz que está claro que Greenwald não participou do processo. Pode ser,
mas é o juiz que vai dizer isso. E pode ser assim porque o caso é grave. Se
houve conluio entre jornalista e fontes, que cometeram crime, foi o jornalista
que colocou em risco a liberdade e a independência da imprensa. Enquanto isso,
ninguém foi censurado. Glenn Greenwald continua publicando seu site e continua
livremente se defendendo das acusações e, de sua parte, fazendo suas próprias
acusações. E a imprensa continua contando e opinando de um lado e de outro.
A
ver o que dizem os tribunais.
(O
Globo)
Sexta-feira,
24 de janeiro, 2020 ás 11:00
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