O
governo Jair Bolsonaro (PSL) abandonou neste ano um projeto de promoção à
educação universitária em direitos humanos. Lançado em 2017, no governo Michel
Temer (MDB), o programa tem a adesão de 333 instituições de ensino superior, a
maioria particular, que agora estão sem interlocução com o Ministério da
Educação (MEC).
O
Pacto Universitário pela Promoção do Respeito à Diversidade, Cultura da Paz e
Direitos Humanos foi criado para promover atividades educativas, incentivar
pesquisas e formações nessas temáticas na universidade. A iniciativa é de
adesão voluntária, sem a previsão de orçamento total, mas o governo federal
lançou dois editais para financiar projetos no valor total de R$ 2,2 milhões.
Um
dos editais ainda continua vigente. A Unesco no Brasil também desenvolveu uma
cooperação técnica com o MEC para apoiar o Pacto, agora esvaziado.
Desde
janeiro não há mais equipe responsável pela gestão do Pacto. O MEC deixou de
produzir boletins de acompanhamento e compartilhamento das ações. Os endereços
de emails não são mais acessados. O MEC não avisou as instituições sobre a
descontinuidade do programa.
A
Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) foi umas instituições que
fizeram a adesão. Funcionários tentam desde janeiro contato com o MEC, sem sucesso.
O próprio sistema online para a submissão de relatórios está desativado.
“Trabalhamos
todo 2018 recolhendo iniciativas que a escola trabalha e justamente quando
fomos entregar o relatório vimos que não havia mais equipe. Desde janeiro não
respondem email nem atendem telefone”, diz Gisela Castro, professora da
Pós-Graduação ESPM e coordenadora do Comitê de Direitos Humanos, criado em 2017
logo após a adesão ao Pacto.
“A
escola criou um curso novo de graduação de Cinema e Audiovisual, um dos
trabalhos foi fazer filmes com o tema dos direitos humanas. Como coordenadora
do comitê, conversei com eles sobre o entendimento equivocado de que direitos
humanos é proteção de bandido”, diz Gisela. A ESPM decidiu manter as ações
apesar da falta de interlocução com o MEC. “Era uma questão de política
pública, que deveria ser continuada”.
O
esvaziamento é reflexo da reforma administrativa realizada no MEC pelo governo
Bolsonaro, que desmontou uma secretaria responsável por ações de diversidade,
como direitos humanos.
A
antiga Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
(Secadi) foi substituída pelo subpasta Modalidades Especializadas, conforme a
Folha revelou em janeiro. A iniciativa foi uma manobra para eliminar as
temáticas de direitos humanos do âmbito da pasta e a própria palavra
diversidade –temáticas vistas como de esquerda pelo governo.
Na
ocasião, o próprio presidente Bolsonaro comemorou o desmonte da secretaria de
diversidade. O ex-ministro Ricardo Vélez Rodríguez também comentou, no dia da
posse, que a mudança significava “acabar com algo que estava muito limitado e
manipulado ideologicamente”.
Na
Universidade Federal da Paraíba (UFPB), a adesão ao Pacto possibilitou, por
exemplo, uma política de segurança, com abordagem humanizada entre a vigilância
dos campi e a comunidade. Também resultou em cursos de extensão universitária,
iniciação científica e seminários.
“Depois
que a Secadi foi destituída, houve um silenciamento do MEC”, diz a
vice-reitora, Bernardina Freire. “O impacto disso é bastante desfavorável por
perdermos uma relação nacional com outras universidades e também com o MEC”.
A
federal foi uma das quatro selecionadas em edital de 2017 para programa de
formação de professores em direitos humanos nos temas de “Educação em Direitos
Humanos” e “Bullying e Violência, Preconceito e Discriminação”. Cada projeto
recebeu o investimento de R$ 300 mil para despesas com bolsas e custeio (R$ 1,2
milhão no total).
Um
outro edital, esse em parceria da Secadi com a Capes (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), selecionou projetos de pesquisa
em educação em direitos humanos e diversidades, com eixos que tratavam de
questões de religiosidades, relações etnicorraciais e gênero. Cinco
universidades (Unesp, UERJ, UFMG, UFSC e UnB) foram selecionadas para projetos.
Este
edital, no valor total de R$ 1 milhão, continua vigente até fevereiro do ano
que vem. A Capes informou que a prestação de contas tem sido feita regularmente
pelas instituições.
Referência
no tema da educação em Direitos Humanos, a professora Nair Bicalho, da UnB, diz
que o abandono da iniciativa reflete um governo onde os direitos humanos estão
completamente fora de lugar. “É assustador ver que o governo está completamente
desconectado da história das políticas públicas de direitos humanos no país, e
caminha contra, no sentido de negar questões como a identidade de gênero”, diz
ela.
Nair
lembra que, além do fim da Secadi, o governo Bolsonaro eliminou todos os
conselhos e colegiados participativos. A medida, tomada em abril, acabou, por
exemplo, com o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, responsável
pela elaboração das Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos, de
2012.
“Esse
governo contraria a política de estado de direitos Humanos que temos no Brasil
desde 1996, e que serviu de inspiração para vários países da América Latina”,
diz.
A
Unesco colaborou com a produção de estudos técnicos para subsidiar as ações do
Pacto, no valor de R$ 60 mil. “Essas ações estavam no âmbito de uma cooperação
técnica com o MEC”, diz a coordenadora de Educação da Unesco no Brasil, Rebeca
Otero. “Com a extinção da Secadi, nós acreditamos que o Pacto tenha perdido
força e protagonismo, mas nós não éramos membros do Pacto, portanto não
poderíamos falar sobre seu possível esvaziamento”, completa.
O
Pacto foi criado em parceria do MEC com a secretaria de Direitos Humanos.
(FolhaPress)
Terça-feira,
14 de maio, 2019 ás 11:00
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