Em
2020, o Brasil vai às urnas. Ao contrário da última eleição, as preocupações
não serão aquelas nacionais da chamada “grande política”. Em eleição municipal,
aquela para prefeito e vereador, a conversa é o dia a dia das cidades. Escola,
posto de saúde, parques, creches, praças e muitas preocupações com mobilidade:
o trânsito parado, o preço da passagem de ônibus que aperta o orçamento, quanto
tempo se leva até chegar ao trabalho, o buraco na rua, os empregos (quando
existem) que ficam longe de casa.
Os
problemas da mobilidade urbana têm maior visibilidade nas grandes cidades e,
especialmente, nas regiões metropolitanas. Devemos lembrar que 45% da população
brasileira vive em regiões metropolitanas, que mais da metade da população
brasileira (57,4% ou 120,7 milhões de habitantes) se concentra em apenas 5,8%
dos municípios (324 municípios), que são aqueles com mais de 100 mil habitantes
e que os 48 municípios com mais de 500 mil habitantes concentram quase 1/3 da
população (31,7%, ou 66,5 milhões de pessoas). Nestes municípios, um problema
visível é o tempo de deslocamento das pessoas ao local de trabalho (e outras
atividades).
Para
dar um exemplo, no último levantamento do IBGE (no censo 2010), mais de um
quarto dos paulistanos e cariocas levava mais de uma hora para chegar ao local
de trabalho. Mais de um quinto da população dos municípios de São Bernardo
(SP), Ananindeua (PA), Jaboatão dos Guararapes (PE), Osasco (SP), Niterói (RJ),
Colombo (PR), Paço do Lumiar (MA) levam mais de uma hora também só para chegar
ao trabalho. Nas cidades mais afastadas das regiões metropolitanas esse
problema é ainda mais complicado: 53% da população de Francisco Morato (SP),
46% de Queimados (RJ), 41% de Ribeirão das Neves (MG). Estes números mostram
que este problema deve ser enfrentado por duas razões principais: 1) o tempo
que alguém está em deslocamento, não produzindo, é uma perda de produção para
toda a sociedade (a estimativa é que o Brasil perca cerca de R$ 267
bilhões/ano); 2) o tempo é o que temos de mais precioso (não há como repor) de
modo que quando tiramos o tempo das pessoas estamos tirando parte de suas
vidas. Assim devolver tempo às pessoas é dar condições para que elas possam
usufruir melhor suas vidas.
A
solução para as regiões metropolitanas e nas médias e grandes cidades é
conhecida: melhorar o zoneamento e o planejamento urbano na cidade para
diminuir a necessidade de deslocamento das pessoas (se a escola e o emprego
estão mais perto, não é preciso ficar tanto tempo no ônibus ou num carro),
melhorar o transporte público coletivo (ônibus, trens, metrôs) e transporte
ativo (a pé e de bicicleta quando isso é possível) e diminuir a atratividade
para que as pessoas usem o transporte individual, especialmente o carro, dentro
de um sistema de gestão de demanda de viagens.
Todavia,
buscar soluções num ambiente de restrições fiscais é desafiador: com a queda de
arrecadação, as prefeituras precisam reduzir os gastos para conseguir fechar
suas contas. A chave para que os (escassos) recursos sejam bem utilizados é o planejamento:
levar em conta toda a realidade da cidade para escolher as prioridades e o tipo
de ação a ser tomada. Por isso, a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei
12578/2012) estabeleceu que as cidades acima de vinte mil habitantes devem ter
um Plano de Mobilidade Urbana, com o diagnóstico da situação, alinhado com o
Plano Diretor (que orienta como deve ser utilizada cada parte da cidade) e com
a devida priorização de possíveis investimentos. Infelizmente, muitas cidades,
ainda não elaboraram seu plano, o que faz com os recursos sejam mal
direcionados pela falta de planejamento. Das 1.262 cidades acima de 20 mil
habitantes que são obrigadas a ter plano, 542 delas (42,9%) ainda não tem plano
nem estão elaborando. O lado bom é que das 93 cidades acima de 250 mil
habitantes, 80 delas (86%) ou já possuem ou estão elaborando seu plano de
mobilidade urbana.
Para
as médias e grandes cidades, é fundamental fortalecer o transporte coletivo.
Para se ter uma ideia, um ônibus com somente dois passageiros ocupa 27m² de
ruas ou avenidas por pessoa, enquanto um automóvel com com 1 passageiro ocupa
33 m², ou seja, se um ônibus rodar só com dois passageiros ele já ajuda a
reduzir o trânsito. Se rodar com 20 ou 40 passageiros esse efeito pode ser
muito maior. No entanto, as pessoas só optam pelo transporte coletivo ou porque
não têm à sua disposição uma opção individual como moto e carro ou mesmo quando
tendo, consideram o serviço prestado pelo transporte coletivo como de qualidade
aceitável. Infelizmente, o nível de satisfação dos usuários do transporte
coletivo, salvo exceções louváveis como alguns metrôs, trens e BRTs, é baixa, e
a frota de automóveis e motos, crescente (aumento de 77% nos últimos 10 anos).
Assim, nas maiores cidades brasileiras, nos últimos 8 anos o número de
passageiros transportados por ônibus caiu em cerca de um quarto, o que leva a
um ciclo vicioso: com menos passageiros transportados, para manter o equilíbrio
econômico aumenta-se a tarifa, e com tarifas mais altas, mais passageiros
deixam de usar o sistema.
Uma
forma de reverter essa tendência de queda de uso do transporte coletivo que
condena as cidades a ficarem refém do trânsito é melhorando a eficiência do
sistema. Investimentos em priorização do ônibus que aumentem a velocidade do
serviço, como faixas exclusivas, faixas preferenciais e sistemas de BRT, tornam
o transporte público mais atrativo. A eliminação gradual de estacionamentos
gratuitos que favorecem o uso indiscriminado do automóvel é outra ação
complementar a qual pode, inclusive, gerar, por meio de sistemas de zona azul,
recursos importantes para a melhoria do sistema de mobilidade das cidades.
Importante também dar transparência sobre a bilhetagem e induzir melhores
organizações de linha e melhores contratos, principalmente porque muitos
municípios sequer licitaram suas linhas, estando muitas das empresas com
contratos precários que abrem espaço para todo o tipo de complicações e
negócios ilícitos. Organizar melhor as linhas, fazer licitações transparentes e
com competição e fiscalizar a prestação são ações importantes da prefeitura
para melhorar a vida das pessoas.
Nas
áreas com maior adensamento populacional dentro das maiores cidades e regiões
metropolitanas é fundamental haver transporte público de média e alta
capacidade. Exemplos deste tipo de transporte são os trens urbanos, os BRTs, os
metrôs e os VLTs. Mesmo diante da restrição de recursos nas prefeituras e
governos estaduais para expansão desses meios de transporte, é possível
utilizar o conceito de TOD ou DOTS (Desenvolvimento Orientado ao Transporte
Sustentável) e capturar parte do valor que um melhor transporte gera para
financiar o próprio sistema. Ademais, está se consolidando um mercado de
parcerias público-privadas que podem ser utilizados para cumprir parte das metas
de um sistema de alta capacidade numa cidade e que se utilizado com
responsabilidade e com as devidas salvaguardas pode impulsionar a melhoria da
mobilidade nas cidades.
Importante
notar que a evolução tecnológica e as novas formas de arranjos produtivos estão
produzindo novas formas de mobilidade, sejam veículos distintos ou novas formas
de prestar serviços. Bicicletas compartilhadas, patinetes elétricos de aluguel
e aplicativos de transporte por carro são algumas dessas inovações. É
importante que o planejamento da mobilidade busque sinergias com as novas
formas de mobilidade e tais municípios tenham uma regulação que não seja
impeditiva da inovação. Ao mesmo tempo, é importante uma regulação adequada que
dê segurança jurídica ao prestador e ao usuário e que seja capaz de ressarcir
os custos de infraestrutura da cidade. Por exemplo, carros a serviços de
aplicativos chegam a rodar 30 vezes mais por dia que um carro particular comum,
utilizando muito mais a infraestrutura da cidade, de forma que é normal que
diversas cidades no mundo arrecadem um determinado valor por quilômetro rodado
para fomentar a infraestrutura de mobilidade da cidade.
Nas
cidades menores, os desafios são um pouco diferentes. Cidades com menos de 50
mil habitantes, por exemplo, não costumam ter a escala de demanda necessária
para ter um sistema de transporte público coletivo regular. Essa situação pode
mudar, no entanto, com os sistemas de transporte coletivo por demanda, os quais
estão evoluindo vertiginosamente. Quer isso ocorra ou não, nas cidades menores
é importante manter as cidades como espaços agradáveis ao pedestre para que ele
possa deslocar com segurança e viabilizar o uso da bicicleta. Esse tipo de
transporte, a pé ou bicicleta, é chamado “transporte ativo” e diversos estudos
mostram que são muito positivos para a saúde das pessoas não só nas cidades
menores como nas cidades médias de grandes também.
As
calçadas continuam sendo um grande desafio para as cidades. Historicamente no
Brasil, as leis municipais determinam que é uma obrigação de cada dono de
imóvel providenciar a calçada, enquanto o poder público provê ruas de forma
uniforme. O resultado são ruas contínuas e calçadas desiguais e com obstáculos
que reduzem a mobilidade das pessoas. Em que pese algumas tentativas de
padronização, por falta de rigor na implementação, o que vemos ainda é uma
cidade com calçadas que desencorajam as pessoas para o transporte ativo. No
caso das bicicletas, a infraestrutura tem melhorado em algumas cidades, mas
muitas pessoas ainda não se sentem seguras para optar por esse meio de
transporte. As bicicletas compartilhadas precisam ter uma regulação que
incentive sua instalação e manutenção de seus serviços, mas já existem cidades
com mais de um sistema de bicicletas compartilhadas, havendo nas pontas das
linhas de ônibus nas periferias sistemas específicos de integração, muitas
delas gratuitas, onde o usuário de ônibus, trem ou metrô faz a última parte de
sua jornada de forma mais saudável utilizando uma bicicleta com o mesmo cartão
do ônibus e com o valor já incluído na tarifa sem qualquer adicional.
Os
desafios de cada cidade são únicos. Também são únicas as percepções das pessoas
que vivem ali. Nem sempre uma boa solução que se mostrou viável em diversas
cidades é percebida pelas pessoas como uma boa ideia. Por exemplo, existe uma
série de estudos do mundo todo que as pessoas se irritam nos primeiros meses
com as reorganizações de linhas de ônibus e que, passados alguns meses, depois
de verem a eficiência das novas linhas, passam a aceitar a mudança e perceber
os ganhos. Da mesma forma, o desencorajamento do uso do transporte motorizado
individual é visto, em determinadas circunstâncias, como uma restrição às
liberdades individuais, o que demanda diálogo aberto e intenso para demonstrar
os ganhos na qualidade de vida das pessoas. No entanto, independente da forma
como vai se tratar, independente dos desafios que cada cidade enfrenta, é
essencial tratarmos dos problemas da mobilidade urbana. Todos nós queremos ter
mais tempo para vivermos melhor nossas vidas sem ficar por horas parados no
trânsito e sem estarmos expostos a acidentes. Melhorar a mobilidade urbana é
melhorar a vida de todos nós.
*
Luiz Rodrigues é especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.
Sexta-feira,
12 de junho, 2020 ás 20:00
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