A
cada minuto, 188 milhões de e-mails são enviados, 41 milhões de mensagens de
textos são trocadas pelo WhatsApp e FB Messenger, 4,5 milhões de vídeos são
vistos no YouTube, 3,8 milhões de buscas são realizadas no Google, 2 milhões de
snaps são publicados, 1,4 milhão de perfis são vistos no Tinder, 1 milhão de
pessoas se conectam ao Facebook, 390 mil aplicativos são baixados de lojas como
Play Store e App Store (Apple) e 87,5 mil pessoas tuítam.
Cerca
de 57% da população mundial está conectada, um total de 4,3 bilhões de pessoas,
e 45% dos habitantes do planeta usam redes sociais, cerca de 3,5 bilhões de
pessoas, conforme o relatório Digital 2019, da empresa We Are Social. Somente o
Facebook tem 2,4 bilhões de usuários, enquanto o Google chega a 2,4 bilhões de
internautas com o sistema operacional Android e a 2 bilhões com sua plataforma
de vídeo YouTube.
Esse
cenário é resultado de uma história que completou 50 anos na semana passada. No
dia 29 de outubro de 1969, um pacote de dados foi transmitido entre computadores
de duas universidades diferentes na Califórnia, Estados Unidos. A inovação foi
produto de pesquisas feitas por acadêmicos sob os auspícios de uma agência
militar do governo daquele país, que criou uma rede denominada Arpanet. Anos
depois, em 1973, Vinton Cerf e Robert Khan criaram o protocolo TCP/IP, que
seria a base do transporte de informações na rede.
A
década de 1980 marcou a introdução de diversas tecnologias fundamentais
relacionada à internet no mercado. Foi a fase de difusão de computadores
pessoais e portáteis, de roteadores que permitiam a conexão entre diferentes
redes e de telefones celulares, que nas décadas seguintes seriam terminais
essenciais para a difusão da rede.
Os
anos 1990 consolidaram a internet como se conhece. Em 1991, o centro de
pesquisas Cern desenvolveu o modelo da World Wide Web (Rede Mundial de
Computadores), calcado no protocolo de transferência de hipertexto (HTTP), a
linguagem de marcação de hipertextos (HTML) e na organização de conteúdos em
páginas, visíveis por meio de um programa chamado de navegador e acessível por
um endereço.
Durante
a década, a internet passou a se expandir em diversos países, ganhando
diferentes modalidades de conteúdos, bens e serviços, inclusive o comércio
eletrônico. Na primeira fase, a relação com os usuários se dá fundamentalmente
no acesso a textos, imagens e vídeos em sites. Em 1996, começa a funcionar o
serviço de voz sobre IP, permitindo chamadas de voz por outro meio que não
telefones fixos ou móveis. Em 1998, é lançado o mecanismo de busca Google.
Na
década seguinte, outros tipos de serviços de informação e comunicação ganhariam
popularidade. É o caso das redes sociais, com o Friendster, em 2002, o
Linkedin, em 2003, e o Facebook, em 2004. No ano seguinte, o audiovisual online
ganha impulso com a criação do YouTube, que viria a se tornar a maior
plataforma de publicação e consumo de vídeos do planeta. A facilidade de
publicação de conteúdo e a participação em redes sociais e fóruns motivou a
ideia de uma web 2.0, marcada pela participação e pelo caráter social.
A
década de 2010 trouxe a difusão global da internet, a ampliação da sua base de
usuários e a consolidação desses grandes agentes, alcançando bilhões de
pessoas. O smartphone torna-se o equipamento eletrônico mais difundido do mundo
e puxa a expansão e novas formas de conectividade ininterrupta e ubíqua, bem
como o acesso a serviços não mais por sites, mas por aplicativos, ou Apps.
Também
foi na década atual que diversos problemas eclodiram e puseram em questão a
situação da internet. Um dos marcos foram as denúncias do ex-trabalhador da
Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos Edward Snowden sobre a
existência de práticas de espionagem em grande escala por alguns governos,
entre os quais o do seu país, em colaboração com grandes empresas de
tecnologia. Em 2017, veio à tona o escândalo da empresa de marketing digital
Cambridge Analytica, suspeita de ter usado dados de quase 100 milhões de
usuários para influenciar processos políticos, como as eleições nos Estados Unidos
e o referendo do Brexit em 2016, além de pleitos em diversos outros países.
O
conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e responsável pela
primeira conexão TCP/IP no país, Demi Getschko, diz que é preciso separar a
internet como estrutura tecnológica das atividades realizadas sobre esta. Os
problemas de abuso na exploração de dados e excessos envolvendo o debate
público online não estariam relacionados à internet, mas ao que é realizado a
partir dela.
“Uma
coisa é ter uma estrutura em que, sem fronteiras físicas, sem permissão, nada
além da adesão voluntária, consegue montar um tecido mundial, que é o que foi
conseguido com a internet. Dentre diversas opções que existiam nas décadas de
1970 e 1980, a internet foi bem-sucedida. Pessoal envolvido teve mente aberta e
estrutura sólida, e não voltada a nada fechado. Não tem centro de controle. Ela
foi construída com esse propósito”, observa.
Na
opinião da coordenadora de Políticas para América Latina da organização
Internacional Eletronic Frontier Foundation, Veridiana Alimonti, se, por um
lado, a rede mundial proporcionou novas formas de produção e difusão de
conhecimento, permitindo a expressão de narrativas sem espaço nos meios de
comunicação tradicionais, por outro, também abriu espaço para práticas
prejudiciais.
“De
fato, passamos de um momento de euforia com a internet e as tecnologias
digitais de informação e comunicação para uma compreensão mais crítica de que
elas também podem servir para a potencialização da discriminação, de grandes
assimetrias de poder e da vigilância sobre cada detalhe das nossas vidas”,
ressalta.
Para
o coordenador de Políticas Públicas para América Latina da entidade
internacional Accessnow, Javier Pallero, os problemas que ganharam visibilidade
nos últimos anos estão relacionados à ampliação da presença de pessoas no
ambiente virtual. A internet deixou de ser um espaço apenas ocupado por
usuários mais ricos ou por elites universitárias para se transformar em um
cenário mais próximo da sociedade, refletindo também conflitos e comportamentos
problemáticos.
As
empresas de redes sociais, acrescenta Pallero, calcaram seus negócios nessa
nova lógica de circulação de conteúdos, favorecendo o que gerasse mais
engajamento. “Por causa das fraquezas humanas, há uma atenção para coisas como
notícias falsas e sensacionalismo, além do fato de as pessoas quererem ser
notadas. As companhias de redes sociais tiraram vantagens dessas limitações
culturais e educacionais, talvez propositalmente.”.
O
professor da Universidade Federal do ABC e integrante do CGI.br Sérgio Amadeu
identifica nesse processo o que chama de três crises atuais da internet. A
primeira envolve o caráter distribuído da rede, que não necessariamente é
democrático e pode ser usado para disseminar vigilância e comportamentos
autoritários. A segunda crise está relacionada com o livre fluxo de dados,
capturado por grandes corporações e controlado muitas vezes fora da capacidade
de fiscalização e regulação dos Estados nacionais.
A
terceira crise abarca o modelo de participação, que, ao dar espaço para um
contingente maior, incluiu usuários contrários às liberdades e direitos de
participação política. “Pensamos que, pelo fato de a internet permitir
participação ampla, as pessoas defenderiam a liberdade de participação. Mas
vários grupos neofascistas e autoritários usam a rede para destruir o ideal de
participação”, diz Amadeu.
Futuro
Segundo
o criador do protocolo TCP/IP e hoje vice-presidente de “evangelização da
internet” do Google, Vint Cerf, a rede mundial de computadores caminha para ser
“totalmente natural”, utilizada pelos indivíduos sem pensar nela. Cerf diz
acreditar que haverá melhora geral tanto nos índices de conectividade quanto
nas velocidades, com ampliação do 5G e das redes de fibra ótica.
“Bilhões
de aparelhos conectados em rede terão capacidade ainda maior de interatividade
para voz, gestos e sistemas de inteligência artificial. Vejo também a expansão
da internet interplanetária – quem sabe? Uma coisa é certa: depois de todas as
conquistas dos últimos 50 anos, as possibilidades são infinitas”, afirmou, em
texto publicado em blog no Google.
Demi
Getschko vai em sentido similar e considera que a “naturalização da internet”
tende a seguir dinâmica semelhante à da eletricidade, tornando-se tão presente
que fique quase imperceptível. No tocante a tentativas de regulação por
governos diante dos problemas no ambiente virtual, que vêm se multiplicando nos
últimos anos, o conselheiro do CGI lembra que há dificuldades em razão do
caráter “sem fronteiras” da rede.
“A
internet não tem um país, mas comunidades. É preciso que ver formas de combater
ilícitos, que nem sempre são os mesmos nas legislações. Estamos em uma situação
em que muitos paradigmas mudam. Temos tendência de ficar muito ansiosos e de
tentar remendar. A internet é uma peneira de infinitos furos”, pondera.
Já
o professor Sérgio Amadeu destaca que as respostas às crises da internet
dependem de medidas concretas, como regular as grandes plataformas digitais.
“Não dá para aceitar que elas atuem da forma como atuam, muitas vezes
censurando conteúdo do nosso país. E corporações não vão abandonar sua
lucratividade. Além da regulação, é preciso esta batalha pela ética, por termos
de conduta a partir de debates amplos na sociedade”, defende.
Javier
Pallero acredita que o Estado tem papel central, por ser o único com poder de
garantir o respeito a direitos humanos no ambiente virtual. Ele ressalta que aí
há uma responsabilidade de governos democráticos em fortalecer as práticas
democráticas na rede, assegurando regras transparentes e justas e não
contribuindo para práticas como a censura de conteúdo.
Outra
dimensão, acrescenta Pallero, é qualificar a formação do cidadão para “ser um
pensador crítico da internet em um mundo dirigido pela tecnologia e com uma
grande dependência disso”. (ABr)
Domingo,
03 de novembro ás 18:00
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