O
presidente réu do Senado e do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse, em
entrevista que o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal,
"com essas decisões atrapalhadas, acabará entrando para a história pela
porta dos fundos". Uma das "decisões atrapalhadas" a que o
senador se referiu é a liminar da segunda-feira passada, em que o ministro do
STF decidiu afastá-lo da presidência do Senado. Calheiros e a maioria da Mesa
Diretora da Casa não assinaram a citação da liminar. Na tarde da quarta-feira
ela foi derrubada no plenário do Supremo, por 6 a 3.
Ao
criticar Marco Aurélio, o senador foi buscar na memória a lei que aumentou a aposentadoria
compulsória dos ministros do STF dos 70 para os 75 anos. "Minha proposta
era que houvesse uma nova sabatina no Senado, mas ele se revoltou e eu acabei
retirando", contou. "Mas errei. O Marco Aurélio é um ministro que
precisava da nova sabatina".
Por
que o senhor não assinou a citação da liminar do ministro Marco Aurélio, que o
afastava da presidência do Senado por ser réu em crime de peculato?
Foi
dito ao oficial de justiça, na residência oficial, que falaríamos com ele às 11
horas do dia seguinte, depois de uma reunião da Mesa do Senado. A Mesa do
Senado decidiu, no entanto, pela unanimidade dos presentes, que para afastar um
presidente de Poder só com urgência caracterizada, decisão do pleno do Supremo,
e direito de defesa assegurado na forma do regimento.
O
que se ouviu da maioria dos ministros, durante a sessão da quarta-feira, é que
o senhor e a Mesa desrespeitaram gravemente uma decisão judicial. O ministro
Marco Aurélio citou até uma fotografia que o mostra na residência no momento em
que o oficial de justiça esteve lá. Mas eu estava lá, eu recebi todo mundo,
levei alguns visitantes na porta. A orientação que a secretária passou a ele foi
a de que o receberíamos no dia seguinte.
Houve
alguma insistência do oficial de justiça para que o senhor assinasse a citação
naquele momento?
Não
houve. Ele entendeu a orientação, mas ficou por ali.
O
senhor não concorda que tenha desrespeitado uma liminar do Supremo Tribunal
Federal?
Não
concordo. A mesa decidiu outra coisa - e nada havia a fazer a não ser seguir
essa decisão.
Como
recebeu a decisão que derrubou a liminar, por 6 a 3?
Foi
uma decisão patriótica. Deixou para trás tudo o que aconteceu, e significou
ganhos para o Legislativo, para o Executivo, para o Judiciário.
Por quê?
Porque
caracteriza a superação de uma etapa difícil e complexa da vida democrática.
Porque em meio a essa crise toda, preponderou a Constituição, a separação, a
harmonia e a independência dos poderes.
O
que achou da aceitação no Supremo, por 8 a 3, da denúncia que o tornou réu, por
peculato?
Eu
a recebo como uma oportunidade para demonstrar a minha inocência e esclarecer
os fatos.
8 a 3 foi um resultado
expressivo contra o senhor.
Foi.
Mas mesmo os votos daqueles que aceitaram a denúncia duvidam das condições para
a condenação. O que nos deixa com a certeza de que a verdade prevalecerá. A
liminar que o destituía da presidência do Senado foi dada por um dos ministros mais
antigos, mais experientes e mais respeitados do Supremo Tribunal Federal,
Marco...
O
que me causa preocupação com relação ao Marco Aurélio é que, com essas decisões
atrapalhadas, ele acabará entrando para a história pela porta dos fundos.
O que achou da liminar?
Absolutamente
açodada. Com uma denúncia de peculato em que não existe nem acórdão, contra o
presidente de um poder que tem procurado manter o Senado no patamar da
responsabilidade e do equilíbrio.
Na
sessão que derrubou a liminar, o ministro Marco Aurélio, além de criticá-lo
fortemente, fez um apelo dramático ao apoio dos colegas - e não conseguiu
maioria. Na ausência de argumentos consistentes, técnicos, vem sempre o
desespero. Aquilo foi um desespero, para transferir ao Supremo a
responsabilidade por uma decisão monocrática. Eu não compreendi bem o Marco
Aurélio.
Como assim?
Eu
sou amigo dele, da sua família. Quando defendi mais cinco anos para a
compulsória dos ministros do Supremo eu achava que eles precisariam ser
sabatinados novamente. O Marco Aurélio se insubordinou, se indisciplinou, e eu
retirei essa exigência do projeto. Mas esses últimos dias demonstram que foi um
erro. Porque alguns ministros não precisam se submeter à sabatina. Mas outros,
como Marco Aurélio, precisam sim. Devem ser sabatinados.
Nas
manifestações de protestos, no domingo passado, o "Fora, Renan" foi
marcante, com direito até a boneco inflável. O senhor responde a onze
inquéritos, e já virou réu em um deles, o do peculato...
Nós
temos uma denúncia que foi aceita, da qual eu não tenho nenhuma dúvida de que
serei absolvido. A primeira denúncia, a partir da delação do (ex-diretor de
Petrobrás) Paulo Roberto Costa, já foi arquivada, por falta de provas. Só que
ela ensejou duas outras investigações. Certamente porque, diante da ausência de
fatos para me culpar, eles preferem me condenar pelo número de investigações.
Isso é surreal. E em todas as outras, se investiga por ouvir dizer, sem prova,
sem testemunhas. Eu nunca cometi crime, nem irregularidades.
O
senhor está criticando o Ministério Público Federal?
Não
faço críticas ao Ministério Público. Sou um daqueles que ajudou a tirar o
Ministério Público do papel, na Constituinte. Eu trato o Ministério Público
respeitosamente. Até falei sobre isso com o juiz Sérgio Moro, quando ele esteve
aqui, recentemente.
O que o senhor falou?
Eu
relatei para ele que três nomes ilustres do Ministério Público foram
rejeitados, pelo Senado, para cargos no CNMP (Conselho Nacional do Ministério
Público) e no CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Nem sei por que foram
rejeitados. Só sei que é no mínimo discutível que essas pessoas, na Lava Jato
ou em qualquer operação, continuem tomando medidas contra senadores e contra o
Senado. 'Você sabia deste fato?', eu perguntei pro Moro. Ele respondeu: 'Não
sabia, senador, realmente eu não sabia'. (São, como já público, procuradores
Nicolau Dino da Costa, Vladimir Aras e Wellington Saraiva, hoje atuando na
assessoria direta ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot).
O senhor acha que existe
uma conspiração contra o senhor?
Não.
Mas o presidente do Congresso Nacional encarna sempre as contradições da
política. Talvez seja por isso. Talvez a capacidade de fazer me coloque um
pouco na ribalta. E os inimigos não dormem.
Mas
tem um dado novo, que é o seu boneco na rua, o "Fora Renan". Não tem
medo que esse movimento cresça e que a sua queda vire a reivindicação da vez?
Na
minha juventude eu fiz muita manifestação. Geralmente por boas causas,
cumprindo um papel importante na redemocratização, na reorganização do
movimento estudantil, um aprendizado que levarei comigo. Eu não acredito que
seja sincera uma manifestação em defesa de abuso de autoridade, da supressão
das garantias coletivas e individuais, do fim do habeas corpus, e odiando, em
primeiro lugar, o presidente do Senado, que não é uma personalidade que atraia
o ódio.
O senhor tem críticas ao
Sérgio Moro na condução da Lava Jato?
Eu
não faço crítica ao juiz. Ele tem conduzido com muita coragem uma operação que
vai mudar o Brasil, que é um avanço civilizatório, e que por isso é sagrada.
Ninguém vai criar dificuldades para a Lava Jato. Quem tentou embaraçá-la, já
perdeu.
Qual é o seu incômodo,
então?
Eu
só acho que operação Lava Jato, que precisa continuar, precisa investigar,
precisa esclarecer, precisa, também, separar o joio do trigo. Ela não pode
envolver igualmente todos, culpados e inocentes. O grande erro da operação Mãos
Limpas, na Itália, foi que generalizou a investigação, incriminou inocentes e
perdeu apoio da sociedade. Seria muito ruim se isso acontecesse com a Lava
Jato.
Que lição o senhor tira
desta última crise com o Supremo?
Todos
nós aprendemos muito com esse momento complexo da vida nacional, e eu,
diferentemente do que alguns insinuam, fui o grande derrotado. Passei momentos
difíceis, constrangimentos, vivi uma circunstância que ninguém desejaria viver,
sofri bastante, mas compreendo que tudo isso faz parte do jogo. Não houve
vencidos e vencedores. Quem ganhou foi a democracia. E quando a democracia
ganha, nós sinalizamos para o mundo com a vitalidade das instituições do
Brasil. (AE)
Sábado,
10 de dezembro de 2016
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