Após
ensaiarem um acordo de salvação mútua, a presidente Dilma Rousseff e o
presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), estão ambos diante
do risco real de perderem seus mandatos.
Depois
que o PT não encarou o desgaste público de evitar a abertura de um processo
contra o peemedebista no Conselho de Ética da Câmara, ele reagiu e deflagrou o
início da análise concreta de um possível impeachment da presidenta pelo
Congresso.
Para
analistas ouvidos pela BBC Brasil, ambos estão em situação muito complicada –
mas a de Cunha é pior que a de Dilma.
Sem
desprezar o apoio que o presidente da Câmara ainda conserva entre muitos
deputados, os cientistas políticos entrevistados dão como certa a abertura de
um processo contra ele na próxima terça-feira, agora que foi abandonado tanto
pela oposição quando pelo PT.
Cunha
é acusado de ocultar contas na Suíça com depósitos de milhões de dólares
provenientes de corrupção, segundo a Operação Lava Jato. Ele já foi denunciado
pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal, que
ainda tomará uma decisão sobre a abertura de um processo penal.
Já
Dilma não enfrenta denúncias de corrupção da PGR, mas tem contra ela acusações
de irregularidades fiscais em 2014 respaldadas por parecer do Tribunal de
Contas da União. Alguns juristas, porém, questionam a validade desse argumento,
já que o parecer ainda tem que ser votado no Congresso, podendo ser rejeitado
ou aprovado.
Além
disso, há uma discussão jurídica sobre se a presidente reeleita para um novo
mandato iniciado em 2015 pode ser cassada por supostas irregularidades
praticadas no mandato anterior.
Na
tentativa de driblar essa controvérsia, os autores do pedido incluíram
posteriormente acusações de que as irregularidades fiscais teriam continuado em
2015.
"Entendo
que a denúncia oferecida atende aos requisitos mínimos necessários, eis que
indicou ao menos seis decretos assinados pela denunciada [Dilma] no exercício
financeiro de 2015 em desacordo com a Lei de Diretrizes Orçamentárias e,
portanto, sem autorização do Congresso Nacional", argumentou Cunha, ao
aceitar o pedido.
Processos
diferentes
Renato
Perissinotto, professor Universidade Federal do Paraná, considera que não há
provas inequívocas de crime de responsabilidade cometido por Dilma, o que abre
espaço para "diversas interpretações sobre a pertinência ou não de se
pedir um impeachment". Já no caso de Cunha, ele vê evidências muito mais
concretas de que houve irregularidades.
Além
disso, ressalta ele, o procedimento contra Dilma tem mais etapas: primeiro
haverá um parecer emitido por uma comissão especial recomendando ou não a
abertura de um processo; depois serão necessários 342 votos dos 513 deputados
para aprovar o início desse processo; caso isso ocorra, em seguida haverá o
julgamento pelo Senado, com novo prazo de defesa para Dilma. Para que ela seja
impedida de concluir o mandato são necessários ao menos 54 senadores a favor -
ou seja, dois terços dos 81.
No
caso do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, todo esse trâmite durou
quatro meses.
Já
o procedimento contra Cunha – que pode durar no total até 90 dias úteis - está
mais avançado. A expectativa é de que na próxima terça o Conselho de Ética abra
um processo contra ele, que enfrentará então um julgamento em que uma maioria
simples basta para recomendar sua cassação. Depois disso, o parecer do Conselho
pode ser submetido rapidamente ao plenário da Casa e são necessários apenas 257
votos para que ele perca seu mandato – embora Cunha possa tentar atrasar essa
votação recorrendo da decisão do Conselho de Ética à Comissão de Constituição e
Justiça, presidida por um aliado seu, o deputado Arthur Lira (PP-AL).
"Há
todo um processo que torna a situação da Dilma, embora complicada, menos
complicada que a do Cunha", acredita Perissinoto.
"Ele
jogou sua cartada (a aceitação do pedido de impeachment) e agora não tem como
se segurar. Acho que ele cai com alguma rapidez. O destino dele será decidido
mais rapidamente que o da Dilma", acrescenta.
O
professor da USP José Álvaro Moisés, por sua vez, vê sim razões para abertura
de um processo de impeachment contra Dilma baseado no parecer do TCU. Apesar
disso, ele também considera que a situação de Cunha é mais grave.
"A
abertura do impeachment agravou a situação do presidente da Câmara. Há grande
probabilidade de que o Conselho de Ética aceite a abertura do processo de
cassação do mandato dele", afirma.
Já
sobre o futuro de Dilma, Moisés considera que "é muito difícil fazer
qualquer avaliação nesse momento".
"É
difícil ter clareza de qual vai ser o movimento da maioria dos parlamentares.
No Senado, a presidente Dilma tem uma base mais forte, mais consolidada, para
manter a posição dela. Na Câmara, isso é discutível porque tem uma grande
maioria que, ao mesmo tempo que faz parte da base do governo, é bem leal ao
presidente Eduardo Cunha", observou.
Economia
Apesar
de considerarem a posição de Dilma menos grave que a de Cunha, os analistas
apontam a crise econômica como um grande ponto de fraqueza da presidente.
No
início de agosto, um dos momentos em que houve aumento do risco de abertura de
um impeachment, os principais empresários do país se colocaram contra esse
processo, entendendo que isso traria mais instabilidade para o país,
dificultando a recuperação econômica.
Resta
agora saber se essa leitura se mantém, nota Perissinotto: "O setor
empresarial é muito pragmático. Se começar a avaliar que a crise (política)
instaura uma situação de paralisia excessiva, vão começar a apostar também numa
saída, seja ela qual for, para que a coisa pelo menos dê um passo
adiante".
Na
avaliação de Álvaro Moisés um processo de impeachment pode tirar o país de um
impasse que trava a economia.
"Todo
processo de impeachment diz respeito a procedimentos que estão previstos na
Constituição para examinar situações de abuso de poder. Você resolve abrindo um
processo. Finalmente precisa ter uma decisão que diz se ela vai continuar o
mandato até o final ou se vai perder o mandato", defende.
"Essa
situação de instabilidade, de dúvida, que permaneceu praticamente durante todo
o ano de 2015, solapou a legitimidade do governo e foi extremamente prejudicial
para a retomada da economia", acrescenta.
Para
o professor da Universidade Federal de Pernambuco, Antonio Lavareda,
"Dilma será afastada pelo processo econômico". Nesta semana, o IBGE
divulgou que a economia acumula queda de 3,2% neste ano, até o terceiro
trimestre.
Ele
acredita que a "única chance de ela se salvar é a economia se recuperar
antes do prazo previsto". No entanto, os prognósticos são de que a crise
ainda deve se aprofundar até o terceiro trimestre de 2016.
"Teoricamente,
parece aquelas cenas de filme de faroeste em que os dois protagonistas terminam
mortos. Ao que parece isso vai acontecer. Agora, quem tem mais chances de
tombar primeiro é o Eduardo Cunha. A situação dele é mais frágil do que a
dela", pondera.
O
pedido de abertura de impeachment acabou ofuscando a ampla vitória que o
governo teve na alteração da meta fiscal, que passou da previsão de saldo de R$
55,3 bilhões para deficit de R$ 119,9 bilhões.
A
mudança permite ao governo evitar novos cortes de gastos nesse ano que poderiam
paralisar diversos serviços públicos.
Apesar
de ter sido uma vitória folgada, Lavareda acredita que isso não indica um
parâmetro de apoio ao governo no Congresso. Nesse caso, havia o risco do país
parar, e os Congressistas não quiseram arcar com esse ônus.
"Uma
coisa (revisão da meta) não tem nada a ver com a outra (apoio contra
impeachment)", afirma.
E
vale destacar que, além da crise econômica, Dilma e seu governo ainda terão que
lidar com a Operação Lava Jato, que segue criando fatos negativos – e
surpreendentes – a cada dia.
Mariana
Schreiber -Da BBC Brasil em Brasília
Quinta-feira,
03 de dezembro, 2015
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