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“É fácil submeter povos livres: basta retirar – lhes o direito de expressão”. Marechal Manoel Luís Osório, Marquês do Erval -15 de abril de 1866

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21 julho, 2019

Governo Bolsonaro lança ‘cruzada’ contra progressismo cultural



O diretor de teatro Roberto Alvim, no comando da Funarte por decisão do presidente Jair Bolsonaro, prepara forças para lançar uma “cruzada” contra o progressismo que, segundo afirma, ameaça a “civilização judaico-cristã”.

Alvim, de 46 anos, convocou pelo Twitter as pessoas “que se alinham aos valores conservadores” no mundo do teatro para “criar uma máquina de guerra cultural”.

Resta ver se seu chamado aumentará a pressão sobre artistas acusados de propagar o “marxismo cultural” ou valores contrários à família tradicional.

Para Alvim, trata-se de uma aguardada contraofensiva.

“Não fui eu que inventei a guerra cultural – ela é perpetrada de modo brutal pela esquerda há pelo menos 30 anos no Brasil. Todo artista que não se alinha com a esquerda é boicotado, difamado e impedido de trabalhar – como aconteceu comigo”, disse à AFP em conversa pelo WhatsApp.

Da direção do Centro de Artes Cênicas na Fundação Nacional de Artes (Funarte), Alvim agora pretende “equilibrar esse jogo, fomentando e dando meios materiais para a criação de obras de arte (…) que emancipem poeticamente o espectador, ao contrário de obras pautadas por uma agenda progressista e que promovem um discurso ideológico dirigista”.

“Vou revitalizar a rede federal de teatros, estimulando a criação de companhias de repertório clássico, assim como a escritura de obras contemporâneas que tenham como referência a complexidade técnica e a profundidade de visão das obras de Shakespeare, Nelson Rodrigues, Esquilo, Strindberg, Ibsen”, anuncia.

“Sim. Trata-se de uma luta similar às Cruzadas. Assim como os guerreiros cristãos do passado, estamos combatendo em prol de nossa civilização judaico-cristã, e contra a sua destruição pelas forças progressistas”, afirma o seguidor de Olavo de Carvalho, o “guru” do bolsonarismo.

– Guerras de identidade –

Os ambientes artísticos e culturais foram sacudidos pela onda conservadora que, em janeiro, levou ao poder Bolsonaro, um admirador da ditadura militar (1964-1985).

Recém-empossado, o capitão da reserva dissolveu o ministério da Cultura, absorvido pelo da Cidadania.

Segundo Eduardo Wolf, doutor em Filosofia e pesquisador do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia (da universidade católica PUC-São Paulo), as “guerras culturais” costumam ser travadas em torno de questões de etnia, religião ou sexualidade de uma sociedade.

Isto acontece quando um grupo considera que “uma identidade da sociedade – da Nação, sobretudo – é interpretada de maneira essencialista, como se houvesse uma identidade (com símbolos, valores, etc.) fixa”, disse Wolf à AFP.

Ele considera que esta concepção não é mais que “um mito”, mas concorda com Alvim em que as hostilidades no País foram iniciadas pela esquerda durante o período em que permaneceu no poder (2003-2016).

“A radicalização ideológica” dessa época provocou a “reação de uma direita regressiva, adepta de teorias conspiratórias e de uma resposta autoritária”, afirmou.

– Intimidações –

Se o governo ainda estuda seus passos, a ação de seus partidários fervorosos já produz efeitos.

Na quarta-feira, a Feira do Livro de Jaraguá do Sul (Santa Catarina) cancelou, devido a ameaças, o convite à jornalista Miriam Leitão e ao sociólogo Sérgio Abranches, críticos do governo.

Marchand e curadora de exposições, Márcia Fortes lamentou o ambiente tóxico que se espalha entre artistas plásticos.

Uma exposição foi fechada, relatou ao portal select.art.br, depois que uma pintora foi acusada de “incentivar a zoofilia e o estupro”.

Outra artista foi “acusada de ofender os evangélicos e glorificar os evangélicos, simultaneamente, numa mesma obra”.

– Perguntas de respostas –

Nayse López, coordenadora artística do Festival Panorama de dança e artes do corpo, se diz preocupada com as crescentes dificuldades para montar projetos, tanto pela crise econômica quanto pela prudência dos patrocinadores.

O impacto das políticas oficiais poderá ser avaliado “daqui a seis meses ou um ano, o que este governo representou no financiamento dos projetos”, disse à AFP.

Bolsonaro começou a dar sua resposta na quinta-feira, ao afirmar que dinheiro público não deveria mais ser destinado a fazer filmes como “Bruna Surfistinha”, um sucesso de bilheteria de 2011 e que conta a história de uma prostituta famosa.

López admite que a onda conservadora obriga os artistas a “pensar estratégias novas de estar presentes em uma sociedade tão dividida quanto esta”.

“Eu me recuso a acreditar que o Brasil possa viver sem arte, então eu acredito que a gente vai encontrar as formas de sobrevivência”, destaca.

Artistas e pesquisadores estão tentando entender a irrupção da intolerância em um país reputado por sua gentileza.

Em “Guerras do Brasil.doc”, transmitido pela Netflix, o documentarista Luiz Bolognesi evoca conflitos que são constitutivos do maior país da América Latina, como os que confrontaram os povos originários com os invasores portugueses ou aqueles gerados pela escravização em massa por parte dos portugueses.

O último livro da historiadora Lilia Moritz Schwarcz – “Sobre o autoritarismo brasileiro” – investiga esse fenômeno.

Seus capítulos têm títulos eloquentes, como “Escravidão e racismo”, “Corrupção” e “Desigualdade social”.

“Nós, brasileiros, andamos atualmente perseguidos pelo nosso passado e ainda nos dedicando à tarefa de expulsar fantasmas que, teimosos, continuam a assombrar”, escreve Moritz Schwarcz. (IstoÉ)

Domingo, 21 de julho, 2019 ás 11:00



 


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