Na tentativa
de impedir o colapso do sistema de saúde estadual e a morte de 18 mil pessoas,
Goiás adota, a partir de hoje (1º/7), uma série de medidas de isolamento
radicais.
Está nas mãos
dos prefeitos decretar ou não o chamado “lockdown intermitente”, com previsão
de fechamento total por 14 dias, seguido de aberturas, por outros 14, de forma
intercalada até o fim de setembro. Enquanto a Prefeitura de Goiânia se
antecipou ao defender a implementação imediata do sistema, municípios goianos
do Entorno do DF devem decidir se aderem ou não à sugestão durante a semana. No
último levantamento, Goiás acumulava pouco mais de 23 mil casos e 437 óbitos
confirmados pelo novo coronavírus.
A medida foi
apresentada por pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) e apoiada
pelo governador Ronaldo Caiado, que solicitou aos prefeitos uma postura
“responsável” à vida da população. A pandemia do novo coronavírus “é momento
que exige responsabilidade. Se tivesse sobre mim a prerrogativa, eu decretava
(o lockdown), criando, também, o rastreamento dos portadores. A análise é
compatível à realidade dos fatos e do crescimento de casos e óbitos, assim como
de pessoas que recorrem aos leitos de UTI”, defendeu Caiado, ontem.
A sugestão
defendida pelos pesquisadores é de um lockdown intermitente até setembro. Para
chegarem a uma proposta específica, o estudo estimou três cenários: o primeiro,
caso sejam mantidas as atividades como estão, com taxa de isolamento em 36%; o
segundo, com lockdown absoluto por três meses, prevendo taxa de isolamento em
55%; e, por último, um terceiro, em um cenário intermediário, intercalando a
maior e a menor taxa semanal.
No primeiro
cenário, chamado de Vermelho pelos pesquisadores, a estimativa é que Goiás
precisaria de 2 mil leitos de UTI funcionando até o início de julho apenas para
atender casos de covid. No entanto, o governo destacou que, com todos os
esforços, esse número seria impossível, já que a capacidade máxima giraria em
torno de 600 leitos.
“Essa demanda
deve, praticamente, duplicar nos próximos 15 dias. Assumindo que não
conseguiria hospitalizar o dobro de pessoas, podemos ter um colapso hospitalar
entre 8 e 15 de julho. Se isso de fato se concretizar, esse número de 18 mil
mortes pode ser pequeno. Porque, a partir de um colapso, pessoas que necessitam
de um tratamento e poderiam ser salvas não vão ter oportunidade”, advertiu o
professor do Departamento de Ecologia da UFG Thiago Rangel, um dos responsáveis
pelas análises.
Se houvesse um
lockdown total, tal como estimado no cenário Azul, 13 mil pessoas seriam
poupadas, o que representa salvar toda a população do município goiano de São
João da Aliança, por exemplo. No entanto, os pesquisadores ponderam que, nas
condições do estado e até mesmo nacionalmente, a rigidez tenderia a falhar.
Para Rangel, o
cenário Verde é exemplo de uma estratégia coordenada e inteligente de longo
prazo para garantir que os hospitais não entrem em colapso, que pode e deve ser
ponderada de acordo com a situação de cada cidade. “Haverá municípios que não
precisarão passar por essa medida e outras que vão necessitar de um fechamento
superior a 14 dias. Então, isso precisa ser estudado caso a caso e coordenado
de ponto de vista central, por parte do estado de Goiás, passando pelas
secretarias municipais, para uma decisão planejada”, destacou.
Nessa
metodologia intermediária, um fechamento de 50% do tempo seria suficiente para
salvar 61,5% das pessoas, ou seja, 8.360 vidas poupadas. Implementar esse
fechamento coordenado é o mesmo que salvar toda a população do município de
Cachoeira Dourada, por exemplo.
Além do
lockdown intermitente, o grupo propôs fazer um rastreamento de contato mais
efetivo, observando e isolando não só o infectado, mas toda a rede de
contactantes. Dessa forma, a expectativa é quebrar a rede de contato que o
vírus usa para se espalhar.
Com 50% de
efetividade desse monitoramento, a estimativa é de que um grupo de 10 pessoas
infectadas que tem potencial de transmitir a doença para outras 16 só infecte
outras sete ou oito. Ao combinar essa ferramenta com a testagem e a tecnologia,
como aplicativos de rastreamento e telefonias mais constantes, a efetividade
aumenta, podendo chegar à redução de 76,5% dos óbitos, ou seja, 10.280 vidas
salvas, o que equivale a toda a população de Petrolina.
As sugestões
foram apresentadas durante uma videoconferência, ontem, que reuniu
pesquisadores, frentes empresariais, prefeitos, parlamentares, secretários e o
governador de Goiás. Para se fazer cumprir as determinações, Caiado chegou a
propor o uso de forças policiais e disse que o estado iria, de acordo com a
capacidade, auxiliar no envio de reforço aos municípios.
Ele pediu,
ainda, que os prefeitos informem possíveis estoques de medicamentos,
respiradores e monitores não demandados para serem utilizados no enfrentamento
à covid. “Temos feito a tarefa de casa nesse período todo, tentando aumentar a
capacidade hospitalar. Se concentrarmos tudo em Goiânia, pacientes de
municípios mais distantes não teriam acesso. Por isso, a priorização foi de
equipar municípios mais distantes”, informou Caiado. O prefeito de Goiânia,
Íris Rezende, indicou que irá aderir ao fechamento intermitente o mais rápido
possível.
Hoje, os
prefeitos se reúnem para discutir a melhor forma de conduzir a crise.
Secretário de
Saúde de Goiás, Ismael Alexandrino Júnior alertou para a necessidade dos outros
municípios impactados aderirem ao pedido. “Das conclusões atuais estão a alta
taxa de ocupação dos leitos públicos e privados, dificuldade nacional de aquisição
de equipamentos, medicamentos e mão de obra. Isso posto, sei que alguns
aspectos fora da saúde são fundamentais, como social e econômico, mas
precisamos achar um equilíbrio”, defendeu.
Alexandrino,
destacou, ainda, que medidas como o uso de máscaras e distanciamento de um
metro entre pessoas auxilia na contenção da disseminação do vírus e que, por
mais que existam outros formatos de enfrentamento, o lockdown intermitente é o
mais viável para implementação coordenada. “Estudo de bandeiras (de distanciamento)
até contemplaria mais a equidade dada a especificidade de cada município, mas é
difícil de ser assimilado. Dada a diversidade, até ser implantado, estaria no
final de julho”, justificou o secretário de Saúde.
*Correio
Brasiliense
Quarta-feira,
1º de julho, 2020 ás 11:00