A
Câmara de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal (MPF) realiza em
Brasília, na segunda-feira (9/09), seminário sobre estratégias de combate à
corrupção e uso da colaboração premiada, regras e políticas de compliance e outros meios
de prevenção a práticas que sobrepõem o interesse privado ao interesse público.
A
data do evento marca o aniversário da Convenção das Nações Unidas contra a
Corrupção, realizada em 2003, no México. O Escritório das Nações Unidas sobre
Drogas e Crime (Unodoc) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(Pnud) estimam que, por ano, US$ 1 trilhão sejam pagos em subornos e cerca de
US$ 2.6 trilhões sejam roubados por meio de corrupção – valores que equivalem a
5% de toda a riqueza produzida anualmente no planeta (Produto Interno Bruto –
PIB – mundial).
O
Brasil foi uma das 102 nações que assinaram a convenção. Em 16 anos, o país
acumula avanços no combate à corrupção. Segundo o MPF, só com a Operação Lava
Jato, foram recuperados aos cofres públicos, até outubro, mais de R$ 4 bilhões
resultantes de acordos de leniência, termos de ajustamento de conduta (TACs) e
restituições voluntárias de réus ou condenados.
“Ao
longo desses anos, tivemos muitos avanços. Gosto de lembrar que a Constituição
Federal de1988 não tem a expressão ‘controle social’ ou a palavra
‘transparência’. [Tais expressões] só foram incluídas em uma emenda
constitucional de 2012”, assinala o economista Gil Castelo Branco,
secretário-geral da Associação Contas Abertas, fundada em 2005.
Segunde
Castelo Branco, os maiores avanços obtidos pelo país no acompanhamento e controle
de gastos públicos foram a Lei
de Responsabilidade Fiscal (LRF), a Lei
Complementar nº 131/2009, que determina a disponibilização de informações
em tempo real sobre execução orçamentária e financeira de todas unidades da
Federação, e a Lei de Acesso à Informação (LAI).
Maquiagem
Entusiasta
do marco legal, Castelo Branco afirma que o sucesso das leis sofre com
“maquiagens”, más aplicações ou puro descumprimento. Ele diz que aguarda, há
mais de um ano, resposta sobre denúncia documentada (com fotos) que fez,
pormeio da Lei de Acesso à Informação, sobre o uso irregular de veículo público
de uma autarquia federal. Segundo o economista, a obrigação publicar dados de
gastos na internet não é plenamente cumprida. De 0 a 10, a nota geral de estados
e municípios do Ranking Nacional da Transparência é apenas 5,21. E quanto à
Lei de Responsabilidade Fiscal, os tribunais de contas interpretam de maneira
diversa os limites e itens de gastos estabelecidos em lei.
O
diretor executivo da organização não governamental (ONG) Transparência Brasil,
Manoel Galdino, concorda sobre a aplicação volátil da LRF. “Há uma
variabilidade muito grande quanto ao que cada tribunal de Contas faz”. De acordo
com Galdino, a razão das diferenças é a forma como os cargos de conselheiros e
ministros são distribuídos. “O problema de fundo mesmo é que os tribunais de
Contas são politizados. Os tribunais não rejeitam as contas de governadores que
indicaram os conselheiros.”
Na
opinião do diretor da Transparência Brasil, o acompanhamento dos tribunais é
estritamente legalista. “A gente deveria focar em saber se a política pública
atingiu o resultado. Melhorou a educação? Melhorou a saúde? Está distribuindo
renda? Está promovendo melhorias econômicas? Está reduzindo desigualdade
racial? Isso é que a gente tinha que olhar”, ressalta.
“A
gente olha só o rito formal, e os tribunais de conta fazem interpretações
alternativas para justificar que está dentro da lei. Mas o mais importante, que
é saber se melhorou ou não a vida das pessoas, ninguém avalia. Não adianta
fazer uma licitação dentro dos conformes para uma política pública que não dá
resultado”, afirma Galdino.
Segunda instância
Galdino
e Castelo Branco são críticos da decisão do Supremo Tribunal Federal que extinguiu
a validade da execução
provisória de condenações criminais, mais conhecida como prisão após a segunda instância.
“Não
estou entrando no mérito jurídico. Tem que ser cumprido o que a Constituição
determina, mas a decisão [a terceira do STF sobre o tema] tem consequência para
o combate à corrupção”, destaca Manoel Galdino. “A impunidade é um problema. No
Brasil, essa medida beneficia pessoas ricas, poderosas, com dinheiro para pagar
advogados caros. É um retrocesso.”
Já
Castelo Branco diz que a impossibilidade da prisão após a segunda instância é uma coisa
muito grave. “O país volta a ser o paraíso dos corruptos. A Disneylândia dos
doleiros, dos empresários desonestos. Todos sabem que, com um bom advogado e
recursos, o corrupto consegue protelar as acusações até prescreverem. O
corrupto é um apostador. Ele mede riscos e, na medida que percebe que o ganho é
grande e o risco é pequeno, ele tende a voltar a corromper.”
Imprensa livre
Os
dois especialistas também fazem coro quanto à necessidade de a sociedade
acompanhar a aplicação dos tributos que paga e o funcionamento da administração
pública. “A sociedade precisa acreditar que pode muito mais do que imagina.
Precisa entender que estejam no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário, as
pessoas que ocupam os poderes, eleitas, concursadas ou comissionadas, são
nossos empregados, são nossos representantes”, enfatiza Castelo Branco.
“Não
existe possibilidade de ter
um combate à corrupção efetivo sem uma sociedade informada. Isso passa pela
imprensa livre, com capacidade e estrutura para questionar o poder público e
questionar”, acrescenta Galdino. “O controle social é fundamental para o
combate à corrupção. Sem uma sociedade civil efetiva, com acesso à informação e
uma imprensa livre, que fiscaliza e monitora o que o todos poderes públicos
fazem.”
Para
Castelo Branco, a imprensa livre é fundamental para ajudar a denunciar, apurar
os fatos com responsabilidade. “Isso tem que ser encarado como algo
absolutamente normal. A favor tem o press
release (comunicado de imprensa) ou a campanha publicitária
contratada”. (Com a Abr)
Domingo,
08 de Dezembro, 2019 ás 12:00
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