O
estupor com que as declarações de ontem da presidente Dilma foram recebidas
pelos movimentos de esquerda e pelos blogueiros chapas-brancas não tem preço. A
presidente que chegou para o café da manhã com jornalistas parecia outra
pessoa: defendeu o equilíbrio fiscal, a inflação dentro da meta, a reforma da
Previdência e uma série de pontos que são opostos ao que PT e o ex-presidente
Lula pretendem. E negou que tenha, em algum momento, tratado de uma “guinada à
esquerda” na economia.
Está
ficando cada vez mais clara essa distância entre os dois. O que é surpreendente
é que a presidente Dilma esteja defendendo pontos de vista corretos, mas fica a
pergunta: Por que nunca fez isso? Por que passou todo o primeiro mandato
fazendo o contrário? Por que colocou o país nessa situação, a troco de que, se
está convencida de que o equilíbrio fiscal é fundamental?
Pelo
jeito fez uma experiência que deu errado, e agora tenta consertar retomando o
rumo de uma política econômica que seus parceiros classificam de “neoliberal”,
a mesma que ela tanto criticou durante a campanha eleitoral. Antes tarde do que
nunca, mas o problema vai ser ter apoio no Congresso.
O
PT e as centrais sindicais vão recusar apoio à reforma da Previdência nos
termos anunciados por Dilma, a fixação de uma idade mínima para a
aposentadoria. Ontem mesmo João Pedro Stédile, do MST, já se levantou contra
Dilma, prometendo manifestações pelo país se os direitos dos trabalhadores do
campo forem afetados. Também Boulos, do movimento dos Sem Teto, ameaçou um
levante popular contra o governo. E a CUT já havia anunciado que não aceitará
mudanças na aposentadoria dos trabalhadores.
A
presidente vai ter que buscar apoio no PMDB e na oposição, e não creio que
tenha condições para refazer sua base partidária assim, de repente. No limite,
ela teria que fazer um movimento brusco seguindo o conselho de Cid Gomes: sair
do PT. Não creio que possa fazer isso. Mas quando Dilma fala que o governo não
responde a um partido apenas, mas à sociedade, está dizendo que o que o PT
exige não se coaduna com o que a sociedade pretende.
Um
recado claro da presidente, que enfatizou que nunca discutiu com o PT uma
“guinada à esquerda”. Essas declarações foram feitas no dia seguinte a uma
reunião com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que defendeu mais
crédito e menos juros para retomada rápida do crescimento econômico.
A
presidente repetiu seu ministro Jaques Wagner, dizendo que não há coelho na
cartola, que não se resolve com mágica a situação econômica, e o ex-presidente
Lula deve ter entendido que já não tem condições de ditar as regras como
antigamente. Os tempos mudaram, e nada mais exemplar dessa mudança do que as
cinco horas em que Lula passou depondo na quarta-feira na Polícia Federal sobre
a Operação Zelotes.
A
presidente Dilma não parece preocupada com os arroubos de sua base social, mas
em tentar fazer a coisa certa, finalmente. Mas vai ser muito difícil essa
mudança de rumo, e não se vislumbra o que a fez ser tão assertiva quando era
óbvio que as reações viriam de todos os lados que ainda a apoiam.
O
dilema da presidente é que esse apoio, inclusive o de Lula, exige dela uma
subserviência que ela parece não estar disposta a dar. E, diante do quadro de
instabilidade política que a cerca, com o impeachment que, bem lembrou Lula,
“ainda não está enterrado”, é difícil entender a guinada de Dilma, um salto sem
rede de proteção.
Ela
acabará dando motivos ao PT para se afastar de seu governo, romper
politicamente a pretexto de defender os “interesses do povo”. Ir para o PDT,
voltando às suas raízes brizolistas, conforme diversos sinais que surgiram nos
últimos dias, não seria uma saída política brilhante, pois o brizolismo não é
exatamente uma força política que possa sustentar um governo tão fragilizado
quanto o de Dilma.
E
a fixação de uma idade mínima é importante, sem dúvida, para a saúde financeira
da própria Previdência e, por conseguinte, para o país, mas não é nem de longe
um tema popular que dê respaldo político a um governante.
(Por-
Merval Pereira)
Sábado,
09 de janeiro, 2016
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