A
professora Mariana Gonçalves, que dá aulas de idiomas em uma escola particular
de São Paulo (SP), conta que viveu meses turbulentos até se adaptar às aulas
remotas, depois do início da quarentena em todo o país. Segundo ela, foi uma
mudança brusca, praticamente da noite para o dia.
"Os
alunos da série até tinham e-book, e-mail, mas toda a metologia e os materiais
sempre foram muito pensados para a aula presencial. Por causa disso, minha
demanda de trabalho aumentou muito até a gente entrar no ritmo de organização
da aula, com formato, quantidade. A gente testou muita coisa", relata.
Mariana chegou a trabalhar em jornadas que começavam às 7h e terminavam perto
das 22h, montando todo o cronograma do dia seguinte.
"A
impressão que eu tinha até a pandemia era de trabalhar oito horar por dia,
agora tenho a impressão que trabalho as 24 horas", desabafa Lia Rodrigues
Lessa, professora bilíngue de educação infantil em uma escola privada de
Mossoró (RN). A sobrecarga de trabalho é apenas a face mais visível dos problemas
e desafios que os professores do ensino básico no Brasil vêm enfrentando nesse
período de crise, mas há outros que nem sempre são aparentes, entre eles o
abalo psicológico.
"A
maioria dos professores não tinha uma experiência anterior de ensino remoto.
Com isso, ficaram muito inseguros, porque além do desafio técnico, tinha a
pressão. Junto com o aluno, estavam também os pais e responsáveis
acompanhando", avalia a pedagoga Virgínia Garcia, diretora de produto da
International School, uma empresa que atua com programas bilíngues em mais de
340 escolas por todo o país.
"O
bom professor tem essa questão de querer que o aluno aprenda, e isso não estava
funcionando no começo, às vezes os alunos não apareciam na aula virtual,
existem alunos excelentes em sala de aula, mas que na aula as distâncias não
rendem tanto. Tudo isso deixa a gente muito angustiada", afirma Mariana
Gonçalves.
Uma
pesquisa do Instituto Península, realizada com 7.734 mil professores e
professoras de todo o Brasil, entre os dias 13 de abril e 14 de maio deste ano,
mostrou que 83% ainda se sentem pouco ou nada preparados para o ensino remoto,
e 50% indicaram que estão preocupados com a saúde mental. E não são apenas os
desafios pedagógicos que abalam a categoria. Os efeitos colaterais da pandemia
também mexem com a parte psicológica. "Muitos pais tiveram o orçamento
fragilizado, houve muitos cancelamentos de matrícula, daí a gente vai dormir e
acorda com essa incerteza sobre até quando a escola vai conseguir segurar o
nosso emprego", diz Lia Lessa.
De
olho no agravamento desse cenário, a International School passou a oferecer
apoio emocional especializado para cerca de 1,6 mil professores e
coordenadores das escolas parceiras do seu programa bilíngue, por meio da
plataforma Zenklub. O
benefício é mensal e dá direito a duas consultas online gratuitas, durante três meses, que
começaram no dia 6 de agosto.
"Criamos
essa parceria com o Zenklub para que os professores possam ter esse
apoio emocional, seja por meio de sessões com psicólogos, seja por meio de
meditação ou yoga. Eles vão escolher o meio pelo qual querem ter esse
apoio. A ansiedade causa impacto na motivação, e sem motivação o processo de
ensino e aprendizagem não se sustenta. Tem que ser uma motivação
sustentada", afirma Virgínia Garcia.
"Muitos
professores não podem contar com esse suporte emocional e
agora terão essa oportunidade. Isso é importante", afirma a
professora Lia Lessa, de Mossoró (RN), que diz já ter lidado com depressão
e saber a importância do apoio terapêutico.
Na
pesquisa do Instituto Península com docentes, cerca de 55% deles declararam que
gostariam de suporte emocional e psicológico neste momento. Por causa disso, o
instituto, organização social que atua com educação, também fechou parceria com
24 estados para oferecer apoio emocional aos professores da rede pública
durante o ensino remoto na pandemia. A parceria é feita por meio do Conselho
Nacional dos Secretários de Educação (Consed) e promete disponibilizar, com a
plataforma Vivescer , cursos
certificados e gratuitos que ajudam professores e professoras a desenvolverem
técnicas de equilíbrio da mente, do corpo e das emoções. Além disso, há uma
comunidade de suporte na qual os docentes podem trocar experiências e
materiais.
Por
enquanto, o "novo normal" na educação é o ensino remoto. O Mapa de
Retorno das Atividades Educacionais presenciais no Brasil, elaborado
diariamente pela Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), mostra
que, até essa segunda-feira (10), havia no país apenas dois estados
(Maranhão e Amazonas) com a reabertura das escolas autorizada. Mesmo assim, no
caso do Maranhão, apenas a rede particular voltou. No caso da rede pública,
cujo retorno presencial seria a partir do dia 10 de agosto, o governador
Flávio Dino decidiu suspender a volta das aulas presenciais, após uma pesquisa
com estudantes e responsáveis revelar que 58% das famílias e quase 43% dos
alunos não consideram viável o retorno às aulas na data estipulada.
A
maioria dos estados, 17 no total, segue sem data de retorno prevista, e mais
oito unidades da Federação apresentaram proposta de data de reabertura parcial
das escolas. "Para ser seguro, teria que ter vacina, esse seria
o melhor cenário, mas não vai acontecer agora. Mesmo com protocolos, há
contato, a gente tem medo desse contato em um possível retorno, e fazer a
infecção progredir", afirma Mariana Gonçalves. Com tanto tempo em outro
modelo de ensino, algumas mudanças vieram para ficar. É o que diz Virgínia
Garcia, da International School.
"Essa
crise trouxe também uma oportunidade, que é a da educação 4.0 finalmente sair
do papel e funcionar. Não acredito que vamos voltar ao modelo antigo de forma
confortável. Eu acredito que o próximo passo na educação é desenvolver esse
modelo híbrido para atender a diferentes formas de aprendizagem", comenta.
"A
questão de as famílias descobrirem novas formas de comunicação com a escola foi
importante. No futuro, espero que a gente faça as reuniões de pais e filhos
remotas, com maior participação", afirma Lia Lessa. (ABr)
Terça-feira,
11 de agosto, 2020 ás 11:00
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