As
eleições municipais de 2020 foram transferidas para o mês de novembro, devido a
pandemia do novo coronavírus. A decisão foi tomada pelo Congresso Nacional, por
meio de uma emenda constitucional, promulgada em julho durante uma sessão
solene. Sem a rua, as campanhas devem acontecer de maneira mais intensa nas
plataformas digitais.
Em
2018, quando ocorreram as eleições presidenciais no Brasil, dois ingredientes
preocupantes foram acrescentados à disputa política: a desinformação e o
discurso de ódio. E isso pode voltar a acontecer nas eleições de 2020,
atingindo principalmente os partidos de esquerda, desequilibrando, desta forma,
o rito democrático na escolha dos/as representantes das cidades.
A
difusão de conteúdo desinformativo nas eleições de 2018 vem sendo alvo de
investigações por parte de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, no
Congresso Nacional, e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Cerca de oito
pedidos de cassação, devido a fraudes eleitorais, da chapa de Bolsonaro e de
seu vice, Hamilton Mourão (PRTB), estão sendo analisados pelo TSE. Uma delas
diz respeito ao ataque virtual contra o grupo no Facebook chamado “Mulheres
unidas contra Bolsonaro”, que reunia aproximadamente 2,7 milhões de participantes.
Os ataques modificaram o visual e o conteúdo da página, que passou a ser
identificada como “Mulheres COM Bolsonaro #17”, e passou a divulgar conteúdo em
prol do então candidato.
Outra
ação diz respeito à denúncia de irregularidades no uso de disparo em massa de
mensagens no WhatsApp que beneficiavam Bolsonaro, revelado pela jornalista
Patrícia Campos Mello. Pesquisa realizada em 2018 pelo Instituto Tecnologia e
Sociedade (ITS Rio), após análise de grupos de WhatsApp, verificou fortes
indícios de uso de instrumentos automatizados de distribuição de conteúdo, boots
e ciborgues durante as eleições. A presidenta da missão de observadores da
Organização de Estados Americanos (OEA), Laura Chinchilla, acompanhou as
eleições no país e classificou como “sem precedentes” a difusão de
desinformação no período eleitoral brasileiro.
Diante
deste preocupante fenômeno social que pode se repetir este ano, como os
partidos de esquerda na Paraíba têm se organizado para combater a
desinformação? O PT considera-se um dos partidos mais atingidos pela
desinformação em 2018. O presidente estadual do partido, Jackson Macedo, afirma
que por causa da estratégia adotada pela chapa da extrema direita, com o uso de
desinformação e ataques coordenados nas redes sociais, o candidato Fernando
Haddad foi prejudicado e, por isso, perdeu as eleições.
Segundo
Macedo, este ano o partido realizou uma pesquisa, de caráter interno, que
revela o seu crescimento e aprovação nas plataformas digitais junto ao
eleitorado. Mas considera que ainda há muito a ser feito. Por isso, uma das
medidas adotadas pelo PT na Paraíba foi a criação de um canal de diálogo direto
através de um aplicativo de mensagens com seus eleitores, simpatizantes e a
população em geral, para divulgar as suas propostas. Para Jackson, o Tribunal
Regional Eleitoral (TRE) e o Ministério Público no estado precisam estar mais
vigilantes quanto a disseminação da desinformação nas eleições municipais em
2020 e agir de maneira rápida para barrá-las. “As eleições de 2018 para nós foi
uma escola. As redes sociais foram fundamentais para Bolsonaro ganhar as
eleições com uma larga produção de fake news, produzida de maneira
profissional, e que está sendo mostrado pela CPMI das Fake News. E por isso,
desde 2018, temos reforçado nossa presença nas redes sociais. A forma que os
partidos de esquerda têm para combater este problema é com contrainformação.
Precisamos reforçar nossa tropa nas redes sociais e já estamos realizando
oficinas com candidatos a prefeito e vereadores nos municípios paraibanos”,
informa.
Em
João Pessoa, capital do estado, o partido deve sair com uma candidatura
coletiva, que está sendo chamada de “Nossa voz”. A candidatura traz em sua
formação uma representante do movimento feminista, um representante do
movimento LGBT, uma representante do movimento de trabalhadoras e uma
representante da juventude. Para a jornalista Heloisa de Sousa, uma das
integrantes da candidatura, a eleição em 2018 para presidente da República não
foi democrática.
“Temos
o entendimento que as redes sociais serão definidoras do resultado das eleições
este ano porque estamos em plena pandemia, e teremos que atuar de maneira
remota. O que a esquerda sabe fazer bem, que é o diálogo nas ruas, não teremos.
Se em 2018 as mentiras foram definidoras de um resultado eleitoral, imagina
agora que a maior parte da campanha vai ser feita quase que exclusivamente
nestas redes. Precisamos ocupar e nos mantermos ativos neste espaço de maneira
cotidiana”, enfatizou.
O
presidente do PSOL, Tárcio Teixeira, que é pré-candidato a vereador pela
legenda, afirma que a maneira do partido enfrentar as fake news tem se dado por
meio de diferentes linhas de intervenção. “Atuamos desde o processo educativo,
participando de debates e socializando informações, até a realização de
denúncias, como a que fizemos no Ministério Público da Paraíba contra Cabo
Gilberto, deputado estadual da ultradireita que, baseado em mentiras, faz o
mesmo movimento que sua linha ideológica nacionalmente, sendo um negacionista
no enfrentamento ao COVID-19, colocando a vida das pessoas em risco”, informou
Tárcio.
Ele
aponta ainda que o PSOL atua de maneira informativa, formativa e em diálogo com
os órgãos competentes e com seus pré-candidatos/as a prefeito/a e vereador/a
para o enfrentamento à desinformação, e chama atenção para a responsabilização
dos que usam esse método na política. “O mesmo jogo sujo que desequilibrou as
eleições de 2018 pode ocorrer agora em 2020. Então, além do que já dissemos
antes, é fundamental a mobilização popular”, pontuou Teixeira.
Outro
partido que deve ter candidatos/as nas eleições municipais na Paraíba é o
Partido Socialista Brasileiro (PSB). Segundo a sua presidente estadual,
Cassandra Figueiredo, a Fundação João Mangabeira, órgão de formação do partido,
iniciou um curso de marketing com seus filiados/as e esse assunto será abordado
por especialistas. “A questão das fakes news é muito complexa, ninguém pode
dizer que terá medidas seguras que possam evitar totalmente as notícias falsas
pela internet.
O
enfrentamento à desinformação tem que ser um esforço conjunto; dos partidos,
pra que eles próprios não sejam divulgadores de fake news, das empresas
responsáveis pelas mídias sociais, e pela justiça, nestes casos como formas de
controle, checagem e repressão a essas práticas”, apontou.
O
Partido Comunista do Brasil (PC DO B) na Paraíba, segundo a sua presidente
estadual, Gregória Benário, também está atento a este fenômeno e tem discutido
com seus filiados/as e dirigentes os meios de agir, caso seja atingido por
desinformação no período eleitoral deste ano. “A direção na Paraíba sempre está
em contato com seus filiados, militantes e dirigentes. Mesmo em tempos de
pandemia, fazemos reunião online e este tema é pauta de nossos debates. Estamos
com um link dentro do site da nacional, onde passamos todas as informações
sobre nossa atuação na Paraíba, e quem quiser checá-las, pode acessar nosso
site. A nacional está fazendo vários cursos para os pré-candidatos, voltado as
redes sociais e fake news, e já temos três datas de formação para todos os
estados brasileiros, e entre estes cursos, há um direcionado às pré-candidatas
do partido sobre esta temática”, informou.
A
expectativa em 2020 também está muito voltada para o Tribunal Superior
Eleitoral e os Tribunais Regionais, responsáveis pela realização da eleição
municipal, e uma das instituições centrais no combate à desinformação. Na
Paraíba, segundo o assessor de comunicação do TRE, Humberto Borges, o tribunal
tem produzido materiais de conscientização sobre desinformação, que são
publicados no site da instituição e, em âmbito nacional, o TSE produziu
propagandas que estão sendo veiculadas pelas principais emissoras de televisão
brasileiras. “Além disso, vamos contar com o aplicativo pardal para denúncias
por parte de todos e que será objeto de apuração por parte dos juízes
eleitorais e do Ministério Público, e a ouvidoria também será o canal para
recebimento de denúncias”, afirma.
Humberto
aponta que o TRE “está de portas escancaradas” para atender a população e
garantir um pleito sem desinformação. “O que será alvo de desinformação nessas
eleições será, ao meu ver, propaganda enganosa, ou seja, desinformação contra
os adversários políticos. O Tribunal está de portas escancaradas, esperando
ansiosamente alguém que denuncie. O Tribunal não pode agir por impulso próprio
se não caracteriza perseguição a uma determinada pessoa. Mas caso alguém tenha
alguma denúncia nesse sentido, pode nos procurar que iremos agir”, informou
Humberto.
O
TRE-PB firmou parceria com a Agência Lupa, Instituto Tecnologia e Equidade e o
Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e promoveu no mês de junho o projeto
“Democracia Digital – Eleições 2020”, que consistiu na realização de um talk
show e uma oficina virtual de combate à desinformação com foco nas eleições
municipais. A Lupa tem realizado oficinas em boa parte dos estados brasileiros,
e o público participante tem sido, principalmente, jornalistas. A ideia é
formar checadores para atuar nas eleições deste ano, identificando e combatendo
a desinformação.
A
professora, Helena Martins, do curso de Comunicação Social da Universidade
Federal do Ceará e uma das organizadoras do livro “Desinformação: crise
política e saídas democráticas para as fake news” (Editora Veneta), elaborado
pelo Coletivo Intervozes, aponta que os partidos de esquerda ainda têm dificuldade
de compreender a centralidade dos meios de comunicação na sociedade, inclusive
no fazer político. “Tem uma tradição da esquerda que perdeu muito o debate da
comunicação, que foi tão forte na resistência à ditadura militar e em outros
momentos históricos. Hoje retomamos este debate e devemos compreender a
importância dele nas redes digitais. Os meios de comunicação se transformaram
em aparatos muito complexos e as redes digitais expressam muito isso”, afirma.
Helena
cita ainda algumas das saídas pontuadas no livro. “Entre as propostas presentes
no livro, tanto para os partidos políticos quanto para as plataformas digitais,
estão a identificação de todos os conteúdos patrocinados relacionados à
política, às eleições; cobrar dos partidos e candidatos o comprometimento em
relação a não prática de desinformação; exigir dos tribunais eleitorais que
tenham um acompanhamento célere desses processos e formação de seus
profissionais para isso. Esses são alguns caminhos que eu visualizo para o
combate a desinformação nas eleições”.
*Carta
capital
Segunda-feira,
03 de agosto, 2020 ás 21:00
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