Pauta
considerada por muitos parlamentares “natimorta” ressurgiu no Congresso na
semana passada e foi enviada à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do
Senado, onde aguarda designação da relatoria. Trata-se de um projeto de decreto
que pretende, por meio de pressão popular, limitar o número de reeleições no
Legislativo federal, estadual e municipal.
Para
efetivar a medida, é necessário alterar o artigo 14 da Carta Magna por
intermédio de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional). Ou seja, após passar
pela CCJ, a medida tramitaria em dois turnos no Congresso e precisaria de uma
grande quantidade de votos (308 deputados e 49 senadores) para ser aprovada.
Impor
uma barreira aos mandatos sequenciais no Legislativo é um anseio antigo de
alguns setores da sociedade. Referendada por 30 assinaturas, a proposta enviada
à CCJ do Senado na última semana sugere a realização de um plebiscito para que
os eleitores respondam se querem um limite de duas reeleições –a outra opção
seria manter as regras atuais.
Ou
seja, ao fim do terceiro mandato, o político deveria obrigatoriamente tentar um
outro cargo –seja no próprio Legislativo ou no Executivo. A opção pelo
plebiscito é estratégica, pois os defensores da medida entendem que a
resistência no Congresso só seria diluída por meio de pressão popular. Algumas
campanhas nas redes sociais já foram lançadas.
Quem seria prejudicado
Considerando
a composição atual do Congresso, caso as regras fossem alteradas, cinco
senadores não poderiam concorrer para uma nova legislatura. São eles Renan
Calheiros (MDB-AL), Alvaro Dias (Pode-PR), Paulo Paim (PT-RS), Jader Barbalho
(MDB-PA) e Maria do Carmo Alves (DEM-SE).
A
Câmara, por sua vez, teria dezenas de quadros que já renovaram os mandatos por
mais de duas vezes em sequência. Dos 513 parlamentares eleitos no ano passado,
por exemplo, 11 estão na Casa há mais de duas décadas: Átila Lins (PP-AM),
Átila Lira (PSB-PI), Arlindo Chinaglia (PT-SP), Claudio Cajado (PP-BA), Eduardo
Barbosa (PSDB-MG), Gonzaga Patriota (PSB-PE), Hermes Picianello (MDB-PR), Ivan
Valente (PSOL-SP), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), José Rocha (PR-BA) e Mauro Lopes
(MDB-MG).
Entre
os congressistas, há posições e reações diversas. Sob anonimato, os mais
corporativistas dizem entender que a medida seria antidemocrática. “Se a
população entende que eu estou fazendo um bom trabalho, por que não?”,
questionou um senador.
Outros
colegas, em especial os que se elegeram no ano passado, julgam que esta não
seria uma prioridade do cenário político atual. “A ideia em si não é ruim. Mas
teremos em breve uma reforma da Previdência aqui para aprovar”, comentou uma
senadora.
Um
parlamentar veterano declarou que não concordava com a ideia e, quando indagado
do motivo, respondeu que não perdia tempo com “matérias que nascem mortas”.
Há
políticos que também argumentam que a realização de um plebiscito sairia caro
para os cofres públicos e que, por esse motivo, tornaria-se inviável. Segundo
avaliação de técnicos do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), um pleito dessa
natureza pode custar cerca de R$ 500 milhões –a estimativa foi elaborada em
2013, quando o governo cogitou consultar a população sobre a reforma política.
Ideia engavetada
Há
dois anos, um projeto de lei do então deputado gaúcho Cajar Nardes, que estava
no PR e hoje é filiado ao Podemos, foi considerado inconstitucional pela Mesa
Diretora porque pretendia limitar “a três mandatos o exercício do mesmo cargo
eletivo no Poder Legislativo da União, estados e municípios”.
Nardes,
que não conseguiu se reeleger em 2018, afirmou ao UOL que qualquer mudança
relacionada à renovação de mandato é um tabu entre os deputados e que foi
aconselhado por vários a colegas a “deixar para lá” o tema. “Ouvi de muita
gente que esse projeto era uma vergonha. Eu estava no meu primeiro mandato e
falavam que, com mais tempo na Casa, eu iria mudar de percepção.”
Segundo
ele, “existe um corporativismo [no Congresso]”. “As convicções das pessoas
mudam o tempo todo por causa da reeleição”, comentou. Na visão do
ex-parlamentar, o limite de mandatos para o mesmo cargo seria uma forma de
“oxigenar” o processo legislativo.
A
mesma ideia foi discutida em 2015, ainda na gestão da ex-presidente Dilma
Rousseff (PT), durante os debates da reforma política na Câmara. Um grupo
reduzido de deputados defendia a inclusão dessa emenda no texto que prevê o fim
da reeleição para cargos do Poder Executivo e o estabelecimento de mandatos de
cinco anos para todos os cargos. No entanto, não houve consenso.
A
deputada Renata Abreu (Pode-SP), que fazia parte da comissão e apresentou
emenda que sugeria limitar a reeleição legislativa a um único mandato, também
disse enxergar grande resistência no Congresso. Na visão dela, apenas com
pressão popular seria possível emplacar a medida e alterar a Constituição.
“Claro
que tem uma resistência. Na Casa, como membro da comissão, eu senti isso
abertamente. Mas sabemos que hoje, com a mobilização popular sobretudo nas
redes sociais, é possível que tenha mais chance. Se tiver um movimento popular,
aí a casa não rema contra a maré.”
Dez
anos antes da comissão especial sobre a reforma política, uma proposta de
emenda constitucional apresentada com a mesma finalidade passou pela CCJ da
Câmara, mas acabou engavetada pela Mesa Diretora.
Em
2005, o projeto em questão defendia que parlamentares federais, estaduais e
municipais só poderiam ser reeleitos para um único período subsequente. O texto
não foi submetido ao plenário até o fim da legislatura, o que ensejou o seu
arquivamento, de acordo com as regras do regimento interno da Casa.
Política como finalidade
em si mesma
Para
o cientista político Ricardo Caldas, impor limites à reeleição no Legislativo
seria uma forma de corresponder às demandas e expectativas que a sociedade tem
apresentado nos últimos anos. Segundo ele, os eleitores querem que “as pessoas
não vivam só da política”.
“Política
não pode ser uma finalidade em si mesmo, tem que ser uma contribuição”,
comentou ele, que é professor da UnB (Universidade Nacional de Brasília).
O
acadêmico afirmou, no entanto, que a medida “tende a gerar reações” e teria
“pouca probabilidade de ser aprovada”. Ressaltou, por outro lado, que a
composição da atual legislatura tem “maior abertura” a iniciativas desse tipo.
E citou o modelo eleitoral da Costa Rica como um exemplo de sucesso em relação
aos princípios democráticos.
“Na
Costa Rica, o parlamentar não pode se reeleger imediatamente. É um dos modelos
políticos mais bem-sucedidos no respeito à democracia”, observou.
Sábado,
30 de março, 2019 ás 12:00
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