O
ex-ministro Sergio Moro (Justiça) acusou domingo (24/05), o presidente Jair (sem
partido) de ser negacionista em relação à pandemia do novo coronavírus e disse
que sua lealdade ao presidente exigia que discordasse de suas posições e que
não fosse um “papagaio”. Em entrevista ao programa Fantástico, da TV Globo, o
ex-juiz criticou as substituições realizadas no comando do Ministério da Saúde
durante a crise sanitária.
Em
meio à pandemia, divergências com o presidente sobre o uso do medicamento
cloroquina derrubaram os ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. “As
substituições no Ministério da Saúde acho que são absolutamente controversas.
Claro que o presidente escolhe os seus ministros, mas são substituições
bastante questionáveis do ponto de vista técnico”, afirmou Moro.
O
ex-magistrado disse que se sentia desconfortável com a gestão que Jair faz da crise sanitária. “A posição do governo federal
em relação à pandemia é muito pouco construtiva. ” Para o ex-ministro, o
presidente tem uma posição negacionista sobre a crise. Enquanto ainda fazia
parte do governo, Moro chegou a defender, em redes sociais, o isolamento social
para tentar reduzir a disseminação do novo coronavírus.
Segundo
ele, em várias reuniões o governo foi alertado para o risco da escalada de
mortes na pandemia —que atingiu neste domingo a marca de 22.666 óbitos. Ainda
assim, disse, faltou planejamento federal para enfrentar a crise.
“Acho
que a minha lealdade ao próprio presidente demanda que eu me posicione com
hombridade, com o que eu penso, e não apenas concordando com a posição do
presidente. Se for assim, não precisa de um ministro, precisa de um papagaio”,
criticou.
Na
entrevista, o ex-juiz afirmou que Bolsonaro não se esforçou para implementar
uma agenda de combate à corrupção. Como exemplos disso, citou o fato de o
governo não ter se empenhado para manter o Coaf (Conselho de Controle de
Atividades Financeiras) na estrutura do Ministério da Justiça —depois de idas e
vindas, o órgão foi parar sob o guarda-chuva do Banco Central.
Também
afirmou que o presidente não apoiou o pacote anticrime, uma de suas principais
bandeiras à frente do ministério, e que não saiu em defesa da prisão após
condenação em segunda instância. “Essa interferência na Polícia Federal, a meu
ver, vem no âmbito de um contínuo em que eu via essa agenda anticorrupção ser
cada vez mais esvaziada”, afirmou.
“O
governo se vale da minha imagem, que eu tenho esse passado de combate ao crime,
contra a corrupção, e de fato o governo não está fazendo isso. Não está
fortalecendo as instituições para o combate à corrupção”, complementou. Moro
também criticou as alianças recentes do governo com o chamado Centrão, formado
por partidos como PP, PL e Republicanos, na base da velha política de apoio em
troca de cargos.
“Claro que existe todo esse contexto de
desapontamento em relação à falta de empenho do presidente em relação à agenda
anticorrupção, que envolve agora essas alianças políticas, algumas
questionáveis”, disse. Moro falou ainda sobre sua saída do Ministério da
Justiça e Segurança Pública, atribuída a uma tentativa de interferência de
Bolsonaro no comando da Polícia Federal.
Segundo
ele, o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril é uma prova da ingerência do
presidente no órgão. O ex-juiz afirmou ainda não ter se sentido confortável no
encontro. Moro anunciou sua demissão no dia 24 de abril, mesmo dia em que foi
publicada no Diário Oficial a exoneração de Maurício Valeixo do cargo de
diretor-geral da Polícia Federal. No dia 22 de abril, horas antes da reunião
ministerial, Bolsonaro mandou uma mensagem a Moro cobrando a saída de Valeixo.
No
dia seguinte, Bolsonaro voltou a enviar uma mensagem a Moro falando da troca de
Valeixo. Ao citar matéria do site O Antagonista intitulada “PF na cola de 10 a
12 deputados bolsonaristas”, Bolsonaro escreveu “Mais um motivo para a troca”,
se referindo à sua intenção de tirar Valeixo do comando da corporação.
Bolsonaro
nega que, durante a reunião no Planalto do dia 22 de abril, tenha se referido
especificamente à PF em suas falas. Afirma que jamais buscou pressionar Moro
para mexer na corporação com o objetivo de influenciar em investigações ligadas
a questões pessoais ou familiares. Na última sexta-feira, dia 22, no entanto,
foi divulgada a gravação da reunião entregue pelo governo ao STF no inquérito.
No
vídeo, Bolsonaro se queixa da falta de dados dos órgãos de inteligência e de
uma suposta perseguição a irmãos. Daí, faz uma declaração central para o
inquérito que apura se ele tentou, de fato, interferir indevidamente na Polícia
Federal, especialmente na superintendência da corporação no Rio.
“Já
tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não
consegui. E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de
sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na
ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar,
troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto
final! Não estamos aqui pra brincadeira”, bradou o presidente.
Em
depoimento, Moro afirmou que Bolsonaro se referia, naquele contexto, à mudança
em alguns postos-chave da PF, ante sua preocupação com apurações em curso. O
presidente sustenta, contudo, que sua fala era a respeito da troca de equipes
do Gabinete de Segurança Institucional, responsáveis por proteger seus familiares,
versão que se enfraquece mais ainda com a divulgação do vídeo da reunião. Após
a demissão de Valeixo, o primeiro ato da nova gestão da PF foi trocar o
superintendente da corporação no Rio.
Em
outro trecho da reunião, Bolsonaro confirma o interesse em intervir na polícia,
mas também em outros órgãos do Executivo. Ele cita “PF” (sigla de Polícia
Federal) num contexto de insatisfação com a falta de informações de
inteligência. E a relaciona entre os órgãos que seriam objeto de sua
interferência.
“A
pessoa tem que entender. Se não quer entender, paciência, pô! E eu tenho o
poder e vou interferir em todos os ministérios, sem exceção. ” O teor do vídeo
e os depoimentos em curso são decisivos para a PGR (Procuradoria-Geral da
República) concluir se irá denunciar o presidente Jair Bolsonaro por corrupção
passiva privilegiada, obstrução de Justiça e advocacia administrativa por
tentar interferir na autonomia da Polícia Federal.
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Folha
Segunda-feira,
25 de maio, 2020 ás 10:00