“Para
mim, foi muito feliz ter esse momento, ter essa chance de ter esse vínculo tão
forte criado desde o primeiro dia e durante meses com os meus filhos”, diz
Eduardo Lopes, que trabalha na empresa Facebook, onde os pais têm
licença-paternidade de quatro meses, podendo ser usufruída desde o nascimento
da criança. Essa não é uma realidade para todos os brasileiros, já que a
legislação no país garante licença de apenas cinco dias para os pais, podendo
chegar, em alguns casos, a 20 dias se a empresa integrar o programa Empresa
Cidadã ou se for do setor público.
“O
vínculo com a mãe é muito forte e natural por vários motivos. A mãe que geriu
durante nove meses, a mãe que pariu e a mãe que está amentando. Para o pai, é a
presença, o contato, é estar ali, dar carinho, dar amor. E acho que isso cria
um vínculo muito forte”, destaca Lopes. Seus filhos, um casal de gêmeos,
nasceram em fevereiro deste ano e puderam contar com a presença do pai e da mãe
desde os primeiros dias de vida.
“Eu
não sei se eu terei mais filhos, é uma oportunidade única. Para mim, foi
fundamental ter tido essa chance”, completa Lopes. A falta de uma
licença-paternidade estendida pode ser prejudicial não só para pai e filho, mas
para a mãe.
“Por
ela ter a licença por mais tempo, ela acaba sobrecarregada. E o homem que não
tem essa possibilidade [de estender a licença] e, às vezes, não consegue tirar
férias. Além de deixar de viver esse momento tão especial, a família acaba um
pouco prejudicada. Principalmente a mulher acaba sobrecarregada”, comenta o
funcionário do Facebook.
A
esposa de Lopes é empreendedora e precisou tomar decisões da empresa a
distância em algumas ocasiões. Ele conta que a esposa se afastou do trabalho,
mas não tirou formalmente uma licença-maternidade: “Para ela, acho que foi
muito bom também ter essa tranquilidade de saber que eu sempre estaria lá,
fazendo as coisas junto com ela, dividindo as tarefas.”
Para
Lopes, o incentivo da empresa para que os pais tirem a licença de quatro meses
é fundamental. “As férias são um direito. Às vezes tem lugar onde a cultura é ninguém
tirar férias porque é trabalho, trabalho, trabalho. Se a cultura não ajuda, não
adianta estar no papel, seja como uma política, seja como uma norma”, diz.
“Acho
que faz toda diferença isso ser aceito pela empresa, ser praticado, ser
estimulado e obviamente não ter nenhum tipo de desestímulo. Porque se tem [a
licença estendida], mas você é de alguma forma prejudicado na avaliação de
desempenho porque você a tirou, aí não adianta nada”, acrescenta.
Mudanças
na lei
O
procurador-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ronaldo Fleury,
encaminhou uma proposta de criação de licença parental compartilhada entre mãe
e pai à Procuradoria-Geral da República (PGR) para funcionários do Ministério
Público da União (MPU).
A
mãe atualmente tem direito a pelo menos 120 dias de licença-maternidade no
setor privado, podendo chegar a 180 dias se for funcionária de empresa
cadastrada no programa Empresa Cidadã ou do setor público, como o MPU. O pai
tem direito a cinco dias de licença-paternidade, podendo chegar a 20 dias.
A
proposta do MPT diz que, caso os dois – pai e mãe – sejam funcionários do MPU,
seria permitido que, nos últimos 60 dias da licença-maternidade de 180 dias, o
pai assumisse o cuidado da criança e a mãe retornasse ao trabalho. Os 120 dias
iniciais, garantidos pela Constituição, continuariam como benefício assegurado
à mãe. Os dias restantes poderiam ser concedidos tanto ao pai quanto à mãe. A
proposta inclui também casais adotantes e homoafetivos.
Se
aprovada pela Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, a proposta deverá
tramitar pelo Congresso Nacional antes da entrada em vigor. A iniciativa é uma
oportunidade de pautar o tema no Congresso para que o benefício possa ser
estendido a toda a sociedade, em órgãos públicos e empresas privadas. O projeto
ainda não saiu da PGR e aguarda avaliação de Dodge.
“[A
licença parental] é uma normativa em vigor em muitos países há muito tempo,
como na Dinamarca. Na União Europeia, já tem até uma diretriz recomendando a
todos os países que adotem”, diz a procuradora Lutiana Lorentz, do MPT de Minas
Gerais. Para ela, um dos benefícios desse modelo é que o pai poderá ter maior
participação nos primeiros meses de vida da criança e fortalecer o vínculo
entre eles, o que seria benéfico para o filho.
Lorentz
deu exemplos comparativos como Suécia e Portugal, onde a licença compartilhada
entre pai e mãe é obrigatória. Ela é adotada em caráter opcional desde 1980, na
Dinamarca, e 1991, na França.
Discriminação
contra a mulher
Outro
ponto fundamental da implementação do novo modelo seria diminuir a
discriminação contra a mulher. “A licença parental aliviaria essa série de
discriminações que existem porque a mulher engravida. Isso [discriminação] é
óbvio que existe, ninguém pode negar, tanto no serviço público e de uma maneira
mais acirrada no campo do trabalho celetista”, destaca a procuradora.
Para
Lorentz, a legislação ajuda a mudar os costumes e a fazer a sociedade assimilar
a realidade atual da mulher no mercado de trabalho, como foi observado nos
países em que a licença parental virou lei. “Foram muito benéficas as
legislações nesses países, inclusive para índice de igualdade remuneratório,
para o índice de menor adoecimento da mulher, para o índice de maior
envolvimento do homem com o bebê e ao longo da vida. Há relatos muito
consistentes de órgãos internacionais internos desses países sobre isso”, diz.
A
procuradora acredita que a licença parental, no modelo compartilhado, ajudaria
a afastar a mãe de jornadas duplas ou triplas – no mercado de trabalho, no
cuidado com a casa e com os filhos. “Pelos dados da ONU [Organização das Nações
Unidas]e da OIT [Organização Internacional do Trabalho], a mulher se acidenta
mais, fica mais doente, porque lhe é imputada uma série de jornadas como [se
fosse] o lugar natural, mas não tem nada de lugar natural. Isso foi construído
pela sociedade e tem que ser destruído. Ela tem que trabalhar, mas ela tem que
dar conta de tudo, da casa e dos filhos sozinha. Não é esse o discurso oficial?
Mas está errado”, argumenta. (ABr)
Domingo,
11 de agosto, 2019 ás 19:00
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