Desde 2015, a conta de luz dos
brasileiros subiu mais do que o dobro da inflação. Dados da Associação
Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), obtidos com
exclusividade pelo Estadão/Broadcast, apontam que a tarifa residencial acumula
alta de 114% – ante 48% de inflação no mesmo período, uma diferença de 137%.
Além das correções anuais nas tarifas, os últimos anos têm sido marcados pela
criação de novos encargos e custos diretamente repassados para os consumidores.
O aumento nos últimos anos
resulta do crescimento de encargos e subsídios (desconto a um setor ou um
grupo, com custo dividido com os demais), da necessidade de usar
termoelétricas, que geram energia mais cara, e do modelo de contratação de
energia.
Responsável pelo levantamento,
o vice-presidente de energia da Abraceel, Alexandre Lopes, ressalta que, em
momentos de falta de chuvas, como em 2021, o custo tende a aumentar,
principalmente, para os consumidores residenciais. O impacto para os que atuam
no mercado livre – onde a energia é negociada diretamente com as geradoras – é
menor. Nos últimos sete anos, os preços neste ambiente oscilaram 25% abaixo da
inflação.
“Temos custos de 2021 ainda
não repassados para as tarifas. Então, devemos ter um aumento acima da inflação
em 2022. Quando o novo empréstimo ao setor elétrico começar a ser pago,
impactará ainda mais as tarifas. Então, parte desses custos da crise será neste
ano, e outras parcelas nos próximos anos”, afirmou.
O levantamento considera os
dados desde 2015, no governo da ex-presidente Dilma Rousseff, logo após o
Tesouro Nacional interromper repasses bilionários para a Conta de
Desenvolvimento Energético (CDE), fundo setorial cujos recursos são rateados
entre todos os consumidores para bancar subsídios para algumas categorias.
Conforme o ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Edvaldo
Santana, o corte levou a um “tarifaço” de 25% em fevereiro de 2015, e não parou
mais.
“Não terá refresco, pelo menos
nos próximos três anos. No Orçamento de 2022 há um aumento de quase 25% na
conta que banca os subsídios. E vai crescer muito mais até 2025”, disse
Santana. Ele cita que os recursos para custear, por exemplo, a expansão da rede
solar e eólica até 2025 mais do que dobrarão – de R$ 11 bilhões, em 2022, para
R$ 23 bilhões em 2025. Para Santana, a solução do problema também passa por
importantes mudanças no modelo atual do setor elétrico, com menos centralização
e ampliação do mercado livre de energia.
As tarifas também são
pressionadas por medidas adotadas pelo governo, como empréstimos. As operações
de crédito evitam repasses imediatos para as tarifas, mas são pagas como
encargos nas contas de luz, com incidência de juros. No ano passado, por
exemplo, o mecanismo foi usado para minimizar os efeitos da pandemia de
covid-19 sobre o setor. Ainda pesa nesta conta subsídios crescentes para
diferentes categorias e incentivo para desenvolvimento de algumas fontes. O
mecanismo voltará a ser usado neste ano, para fazer frente aos custos de
medidas adotadas para garantir o fornecimento de energia no ano passado.
“Encargos tradicionalmente
sempre representaram boa parte da tarifa de energia elétrica. O que vemos,
infelizmente, é um aumento. Qualquer novo problema que o setor elétrico
enfrenta, como uma crise hídrica, quando há necessidade de acionar mais usinas
térmicas a gás, por exemplo, ou outras circunstâncias, o mecanismo é colocar
novos encargos ou aumentar os que já existem”, afirmou André Edelstein, sócio
do Edelstein Advogados, escritório especializado em energia.
Ao longo de 2021 o consumidor
suportou aumentos sucessivos na conta de energia devido à crise hídrica. Com a
escassez nos reservatórios, a Aneel aprovou em julho um reajuste de 52% na taxa
adicional cobrada na conta de luz quando é necessário acionar mais térmicas.
Logo em seguida, em agosto, o governo criou a “bandeira escassez hídrica”, que
representa uma cobrança de R$ 14,20 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos.
O patamar mais caro será cobrado até abril.
De acordo com cálculos da TR
Soluções, empresa de tecnologia especializada em tarifas de energia, a conta de
luz dos consumidores residenciais subiu, em média, 20% com todos os reajustes
tarifários das distribuidoras e a cobrança de bandeiras em 2021. O aumento foi
citado pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em carta pública
ao ministro da Economia, Paulo Guedes, como um dos fatores que pressionaram a
inflação em 2021.
O diretor de regulação da
empresa, Helder Sousa, explica que parte dos custos extraordinários com a crise
hídrica foram cobertos pelas bandeiras, mas ainda pesará para o consumidor. Até
novembro a conta Bandeiras registrou um rombo de R$ 12,35 bilhões.“De qualquer
forma, o déficit indica que parcela significativa ainda ficou pendente e será
repassada nos processos tarifários deste ano”, afirmou. Ele ressalta que o novo
empréstimo ao setor elétrico pode postergar os repasses e reduzir os reajustes
previstos para este ano
Ex-presidente da Empresa de
Pesquisa Energética (EPE) e professor de planejamento energético da UFRJ,
Maurício Tolmasquim ressalta que outras medidas aprovadas no Congresso também
devem ter impacto negativo sobre o consumidor. Entre elas, a contratação de
térmicas a gás onde não há infraestrutura para escoar o insumo, a criação de
uma reserva de mercado para pequenas centrais hidrelétricas e a prorrogação de
contratos de usinas antigas do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de
Energia Elétrica (Proinfa).
“Esses ‘jabutis’, fruto da
ação de lobbies no Congresso e referendados pelo governo, terão forte impacto
sobre o custo futuro da energia”, afirmou Tolmasquim.
*Estadão
Terça-feira, 18 de janeiro 2022
às 13:02