O
Ministério da Justiça (MJ) disponibilizou a estados recentemente o que chamou
de “ferramentas de Big Data para combater a criminalidade”. O sistema recebe e
cruza dados de cidades de todo o país para identificar possíveis atitudes
suspeitas e orientar as ações de policiamento das corporações dos governos
estaduais. As informações serão produzidas a partir de um monitoramento com
diversos dispositivos, como câmeras espalhadas em milhares de cidades, viaturas
e até mesmo de tornozeleiras eletrônicas de condenados privados de liberdade.
A
iniciativa é um dos exemplos mais proeminentes do que vem sendo chamado de
cidades inteligentes. Para o emprego dessas tecnologias é preciso ter um
ecossistema de máquinas conectadas coletando dados e se comunicando entre si,
naquilo que ganhou o nome de Internet das Coisas. Esse novo conjunto de
soluções técnicas vem crescendo e recebendo atenção inclusive de autoridades,
com aplicações em diversas áreas, do campo aos centros urbanos.
O
sistema do MJ é um exemplo da adoção deste tipo de tecnologia voltada à
segurança pública. Por meio dele, as polícias poderão mapear ocorrências de
criminalidade por área, dia e horário, acompanhar em tempo real vias e espaços
públicos por meio de câmeras e buscar informações sobre indivíduos e veículos
recorrendo a bancos de dados de diferentes locais (identificando, por exemplo,
uma pessoa em uma cidade que é foragida em outro estado).
“A
partir do histórico de dados poderemos identificar padrões de ocorrências
criminosas. O crime ele ocorre em padrões e você identificando o padrão torna
mais eficiente a repressão. Ao final dos 4 anos, pretendemos atingir o estado
da arte que é chegar e a partir destes dados e utilização de algoritmos mais
elaborados possa realizar predição, recomendação e prescrição de ações”,
explicou o diretor de Gestão e Integração de Informações da Secretaria Nacional
de Segurança Pública (Senasp), Wellington Porcino, em apresentação da
iniciativa em evento sobre tecnologia e segurança.
O
programa foi inspirado em um projeto da Secretaria de Segurança Pública do
governo do Ceará, que utilizará câmeras espalhadas no estado para dar suporte
ao policiamento. Mas em outros locais, iniciativas de monitoramento se
multiplicam. No Rio de Janeiro, tecnologia de reconhecimento facial foi
instalada no início do ano em caráter de teste no carnaval e depois em outros
pontos da cidade. Em julho, uma mulher foi detida por engando depois que o
sistema a identificou como uma foragida.
Na
avaliação do pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade
Federal do Ceará (UFC), Ricardo Moura, o projeto tem sido eficiente para
combater crimes baseados em mobilidade, como furto de veículos, mas ainda traz
questões no tocante à gestão dos dados dos cidadãos coletados.
“Ainda
não observamos movimento sobre o debate acerca da questão da privacidade e de
uso de dados pessoais. A gente precisa trazer essa discussão porque na verdade
você tem esquadrinhamento da população e precisa saber como e por quem isso vai
ser gerido, tratado, armazenado e acessado. Não deixa de ser uma mina de ouro
produzida e sabemos que muitas empresas se baseiam em informação”, comenta.
Na
Bahia, o governo estadual já implantou o reconhecimento facial e divulgou que
até agosto mais de 50 pessoas haviam sido presas com o auxílio da ferramenta.
“O aviso emitido pelo sistema e o acionamento rápido e eficaz das forças
policiais têm garantido ótimos resultados e retirado criminosos do convívio com
a sociedade”, elogia o secretário de segurança pública do estado, Maurício
Teles Barbosa.
Serviços
públicos
As
tecnologias da chamada Internet das Coisas estão também em outros tipos de
serviços públicos nas cidades. É o caso de abastecimento de água e luz.
Sensores são instalados para verificar os fluxos e se houve algum problema.
“Cai um disjuntor numa rua porque teve excesso de carga ou por causa de um raio
e aquilo é rearmado por um sistema que está tentando detectar a causa disso”,
exemplifica o gerente de programas para América Latina da consultoria global
IDC, Pietro Dalai. Outro uso em crescimento, segundo ele, é a adoção de painéis
solares e repasse de parte da energia gerada para a rede pública, recebendo
energia de volta.
A
IBM já desenvolve sistemas de iluminação inteligente envolvendo dispositivos em
casas e lojas. Elas analisam as demandas de energia, a capacidade da lâmpada e
as necessidades de troca. Segundo o executivo de Internet das Coisas para
América Latina da empresa, Carlos Tunes, uma das formas de gestão da rede
elétrica “baseada em movimentos de pessoas”. A companhia está trabalhando
também na construção de carros conectados. “Conseguimos monitorar e rastrear
condições de um automóvel para saber quando ele vai dar problema”, cona Tunes.
A
centro especializado em desenvolvimento tecnológico CPQD montou um
projeto-piloto em parceria com a prefeitura de Campinas e com financiamento do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) reunindo
monitoramento de câmeras e melhoria de ações da administração pública. Por meio
da integração de dados sobre diversas atividades é possível fornecer
informações cruzadas que auxiliem a execução de serviços.
“Você
pode ter os dados integrado em uma plataforma comum. Esses registros podem
servir para uma empresa de trânsito de modo que ela saiba onde está mais
congestionado e organize melhor o fluxo. Para além disso, empresa de transporte
pode também orientar os responsáveis pela coleta de lixo, indicando onde deve e
onde não deve ser feito recolhimento de resíduos”, explica o diretor de
inovação do CPQD, Paulo Curado.
O
Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel) também está conduzindo um
projeto-piloto com apoio do BNDES focado no tema nas cidades de Santa Rita do
Sapucaí e Caxambu, ambas em Minas Gerais; e Piraí no Rio de Janeiro. O foco foi
reduzir os custos da gestão pública municipal, como iluminação e consumo de
combustível da frota da cidade.
“Vamos
conseguir dar informação para as pessoas de quando o ônibus vai estar perto. No
caso das ambulâncias, a gente vai ter uma integração entre as cidades da
região. O carro vai sair de um município e pegar pacientes em outro, revezando
as ambulâncias. O sistema vai coordenar esse compartilhamento e criar caminhos
para não gerar prejuízo”, diz o coordenador de cidades inteligentes do
instituto, Fred Trindade.
O
pesquisador sobre cidades inteligentes do Centro de Tecnologia e Sociedade da
Fundação Getúlio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro Luã Fergus lembra que o emprego
de soluções técnicas por administrações municipais não é novo, como a diferença
da escolha do termo cidades inteligentes por um caráter mais propagandístico.
No Brasil, acrescenta Fergus, este movimento ainda é muito concentrado no Sul e
Sudeste, com destaque para Curitiba com políticas de implantação de parques
tecnológicos, incubadoras e mecanismos de isenção fiscal.
Contudo,
apesar o crescimento dessas iniciativas, pondera o pesquisador, ainda há pouca
atenção aos impactos sociais do uso massivo de dados e à importância da
garantia de direitos dos indivíduos. Ainda há pouca abertura pelas
administrações à participação de segmentos sociais impactados por essas
mudanças.
“A
ignorância sobre os impactos sociais se deve também pela retórica de marketing
que envolve as cidades inteligentes, visto que muitas das iniciativas são
impulsionadas por companhias privadas com relação muito próxima das
administrações públicas, guiando, assim, as prioridades políticas dos projetos
de tecnologia. Os mais afetados por essas tecnologias - como negros, mulheres e
jovens - são invisibilizados dos espaços de debate e de tomada de decisão, que
é dominado por homens brancos de regiões ricas do país”, pondera Fergus. (ABr)
Quinta-feira,
12 de setembro ás 09:00