O presidente Jair Bolsonaro
(PL), militares e integrantes do governo entraram na mira da apuração sobre uma
organização criminosa investigada pela Polícia Federal por ataques às
instituições e disseminação de desinformação.
Isso ocorre devido à junção da
apuração sobre a live de 29 de julho de 2021 --em que Bolsonaro fez seu maior
ataque ao sistema eleitoral brasileiro-- com o caso das milícias digitais,
vinculação ordenada pelo ministro Alexandre de Moraes, relator das apurações no
Supremo Tribunal Federal.
Como mostrou a Folha, a
investigação da PF sobre a live aponta que o uso das instituições públicas para
buscar informações contra as urnas vem desde 2019 e envolveu, além de
Bolsonaro, o general Luiz Eduardo Ramos e a Abin (Agência Brasileira de
Inteligência), atrelada ao Gabinete de Segurança Institucional chefiado pelo
também general Augusto Heleno.
Além de Bolsonaro e dos dois
generais, entram na mira da PF a partir de agora o ex-diretor-geral da Abin,
Alexandre Ramagem, o ministro da Justiça, Anderson Torres, e o coronel do
Exército Eduardo Gomes da Silva, responsável por apresentar as suspeitas de
fraudes na live.
Também por ordem de Moraes, o
caso das milícias digitais já havia sido abastecido com informações do
inquérito das fake news e com dados da investigação aberta para apurar o
vazamento do inquérito sigiloso sobre o ataque hacker aos sistemas do Tribunal
Superior Eleitoral.
O procedimento também herdou o
conteúdo do inquérito dos atos antidemocráticos de março de 2020, após pedido
de arquivamento feito por Augusto Aras, Procurador-Geral da República indicado
por Bolsonaro.
Agora, com o material sobre a
live em que Bolsonaro atacou sem provas as urnas eletrônicas, o inquérito é
classificado por investigadores como principal anteparo contra possíveis
investidas golpistas de Bolsonaro até a eleição e no período pós-eleitoral.
Além de servir como espaço
para investigar possíveis novos ataques, o inquérito deve se debruçar sobre
todos os episódios em que o presidente e seus apoiadores atacaram as
instituições e disseminaram desinformação desde 2019.
Devem entrar também na mira do
caso das milícias digitais o vazamento do inquérito sobre o TSE, a disseminação
de desinformação sobre vacinas e tratamento precoce e os preparativos para o 7
de setembro de 2021 quando o presidente ofendeu Moraes e também fez
manifestações de cunho golpista.
O entendimento é que cada um
desses episódios é um evento realizado pela mesma suposta organização criminosa
investigada pela delegada Denisse Ribeiro, atualmente em licença maternidade.
Ao indicar Jair Bolsonaro como
figura central nos ataques às urnas, a delegada afirmou em um relatório que a
rede investigada nesses casos, e agora unificada no inquérito das milícias
digitais, tem entre outros objetivos "diminuir a fronteira entre o que é
verdade e o que é mentira".
"A prática visa, mais do
que uma ferramenta de uso político-ideológico, um meio para obtenção de lucro,
a partir de sistemas de monetização oferecido pelas plataformas de redes
sociais. Transforma rapidamente ideologia em mercadoria, levando os
disseminadores a estimular a polarização e o acirramento do debate para manter
o fluxo de dinheiro pelo número de visualizações", diz relatório da PF.
Segundo a investigação,
"quanto mais polêmica e afrontosa às instituições for a mensagem"
divulgada, "maior o impacto no número de visualizações e doações,
reverberando na quantidade de canais e no alcance do maior número de
pessoas".
"Aumentando a polarização
e gerando instabilidade por alimentar a suspeição do processo eleitoral, ao
mesmo tempo que promove a antecipação da campanha de 2022 por meio das redes
sociais."
Na PF, a invasão do Capitólio,
em 6 de janeiro de 2021, é utilizada para explicar o inquérito das milícias digitais
e como ele pode servir para conter as investidas de Bolsonaro e de seus
apoiadores.
Os investigadores afirmam que,
no caso americano, o método de atuação utilizado pelos envolvidos na
preparação, na mobilização nas redes e na invasão em só foi entendido após o
ocorrido - quando a polícia fez o caminho reverso para chegar aos responsáveis.
Aqui no Brasil, como o método
dos bolsonaristas já foi mapeado nas investigações anteriores, o inquérito das
milícias digitais servirá para investigar os novos eventos que possam ocorrer
com a proximidade das eleições.
Eles lembram que, como
organização criminosa é um crime permanente, o objetivo a partir de agora é
identificar os casos para enquadrá-los e investigá-los como sendo eventos
praticados pelo mesmo grupo.
Caso o presidente e seus
apoiadores voltem a atacar as instituições, como o TSE, por exemplo, ou
disseminar informações falsas, assim como fizeram sobre as urnas, o inquérito
poderá servir para investigá-los.
Nesse cenário, o episódio da
live de 29 de julho é visto como um dos mais emblemáticos pelos porque mostra
como Bolsonaro se valeu das instituições para fins pessoais --atacar as urnas
eletrônicas.
Além da Presidência, a Casa
Civil, então chefiada por Luiz Eduardo Ramos, a Abin, o GSI, comandado por
Augusto Heleno e o Ministério da Justiça atuaram para buscar informações
utilizadas por Bolsonaro para levantar suspeitas falsas sobre a urna.
Anderson Torres tentou
utilizar a própria PF ao levar peritos do órgão para uma reunião no Palácio
Planalto.
Mesmo após os peritos
afirmarem que suas análises não apontavam para fraude, Torres participou da
live e utilizou os relatórios.
Segundo a PF, além de Torres,
o general Ramos e a Abin, sob tutela do GSI de Heleno, sabiam das fragilidades
nas teses que seriam utilizadas e mesmo assim continuaram com a organização da
live.
"Foram identificadas
diversas inconsistências em pontos relevantes das declarações (depoimentos de
Ramos, Ramagem e Torres), as quais convergem em apontar que houve vontade livre
e consciente dos envolvidos em promover, apoiar ou subsidiar o processo de
construção da narrativa baseada em premissas falsas ou em dados
descontextualizados", diz a PF sobre a live.
Um dos exemplos citados pela
PF é o do general Ramos, que ainda em 2019 procurou o técnico em eletrônica
Marcelo Abrileri em busca de informações sobre uma suposta fraude nas eleições
de 2014.
Para os investigadores, desde
o início era possível ver que os fatos levantados por Abrileri não poderiam ser
comprovados.
"Marcelo elaborou
referida planilha (com dados sobre a suposta fraude) tendo como base
exclusivamente dados que eram fornecidos pelo site de notícias G1, na tentativa
de identificar padrões matemáticos, tendo como motivação o receio de que o
'comunismo tomasse o Brasil'", diz a PF.
*FOLHAPRESS
Sábado, 14 de maio 2022 às
12:24