O
Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional a atual legislação que
permite que empresas doem para campanhas políticas. Atualmente, essa é a
principal fonte de financiamento das disputas eleitorais no país. Seus críticos
acreditam que as doações de empresas desequilibram as eleições e abrem espaço
para a corrupção.
O
processo foi encerrado quinta-feira(17) após ter ficado um ano e cinco meses
parado, devido a um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. O placar do
julgamento ficou em 8 x 3 contra as doações de empresas.
Atualmente,
40 países no mundo já proíbem que as companhias financiem as disputas
eleitorais (leia mais abaixo).
Segundo
o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, a decisão já "valerá
para as eleições de 2016 e 2018".
Na
prática, porém, isso dependerá de a presidente Dilma Rousseff decidir vetar uma
nova lei aprovada na semana passada pelo Congresso, prevendo que empresas
possam doar até R$ 20 milhões para partidos. Dilma tem até o dia 30 para
decidir e há grande expectativa de que, amparada pela atual decisão do STF, ela
vete o artigo que trata do tema.
"É
improvável que ela não vete. Um veto pode se dar por razões políticas, quando a
presidente considera que a lei não é boa para o país. Ou pode se dar por razões
constitucionais. E, nesse caso, nada melhor que oito ministros do Supremo terem
dito que empresas não devem poder doar", acredita o professor de direito
da FGV-Rio Diego Werneck.
Caso
a presidente não decida vetar o artigo da nova lei, teria de haver um novo julgamento
do STF para avaliar o assunto. Alguns ministros, como Rosa Weber e Luís Roberto
Barroso, sinalizaram em seus votos que poderiam decidir a favor de outra lei
sobre o tema, caso ela criasse limites mais restritos para esse tipo de
financiamento - como a proibição de que uma empresa possa doar para vários
políticos ao mesmo tempo. Essa restrição, no entanto, não foi feita na nova
lei.
"Parece
mais provável que um novo julgamento teria o mesmo resultado de considerar a
lei inconstitucional", nota o professor da FGV.
PEC
Além
do debate em torno da lei aprovada na semana passada, também existe a
possibilidade de que o Congresso incluia na Constituição a permissão de doações
de empresas a partidos políticos. Essa Proposta de Emenda Constitucional (PEC) foi
aprovada na Câmara, mas ainda não foi analisada no Senado.
Caso
a Constituição seja alterada, o STF teria que voltar a analisar o caso para
decidir se o novo artigo introduzido pela PEC fere alguma cláusula pétrea –
trechos da Constituição que estabelecem alguns princípios fundamentais da
democracia brasileira e que não podem ser alterados pelo Congresso.
"Se
a PEC for aprovada, é inevitável que Supremo volte a debater o tema, pois a
questão da cláusula pétrea não era objeto do julgamento de hoje", afirma
Werneck.
O
julgamento encerrado nesta quinta teve início em 2013 quando a Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) moveu uma ação questionando trechos da Lei das
Eleições (Lei 9.504/1997) e da Lei dos Partidos Políticos (9.096/1995). A
instituição argumentou que a atuação das empresas desequilibra a disputa
eleitoral, ferindo os direitos constitucionais a isonomia e igualdade.
Votaram
em favor da OAB os ministros Luiz Fux (relator do caso), Rosa Weber, Cármen
Lúcia, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Joaquim Barbosa
(antes de se aposentar).
O
ministro Luís Roberto Barroso também votou pela inconstitucionalidade da
legislação atual, mas considerou em sua decisão que o Congresso tem
prerrogativa de definir se as empresas podem ou não participar do processo
eleitoral, desde que imponha restrições que inibam abusos e corrupção.
Já
os ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes e Celso de Mello votaram pela
manutenção do financiamento privado. Eles argumentaram que o problema não eram
as doações de empresas, mas a falta de regras que evitassem abusos.
Denúncias
O
debate sobre a necessidade de mudar o modelo de financiamento de campanhas no
Brasil voltou a ganhar fôlego neste ano em meio às denúncias de que propinas
cobradas em contratos da Petrobras acabavam irrigando partidos políticos e
candidatos como doações oficiais de campanha.
A
crescente preocupação com o assunto, porém, não é exclusividade do Brasil. Um
monitoramento internacional sobre financiamentos de campanha em 180 países,
realizado há quinze anos pelo Instituto Internacional pela Democracia e
Assistência Eleitoral (Idea, na sigla em inglês), indica uma tendência mundial
de aumento - ainda que lento - da restrição a doações empresariais.
A
proposta de eliminar ou reduzir drasticamente o financiamento de campanhas por
empresas não busca apenas atacar o problema da corrupção, observa o diretor da
área de Partidos Políticos do Idea, Sam van der Staak. O princípio central que
norteia essas medidas é a preocupação com a influência desproporcional que as
empresas teriam sobre o Estado por causa dos volumosos recursos destinados a
eleger políticos, seja no Executivo ou no Legislativo.
"Em
todo o mundo, a política se tornou um negócio caro, em tal magnitude que o
dinheiro é hoje uma das maiores ameaças à democracia", afirma um relatório
de janeiro do instituto.
Segundo
Staak, o número de países que baniu completamente o financiamento por empresas
cresceu levemente nos últimos 15 anos. Já a criação de limites para as doações
"tem sido discutida de forma mais ativa em muitos países", nota ele,
em entrevista concedida em maio à BBC Brasil.
Os
números oficiais mostram que as empresas são hoje as principais financiadoras
da disputa eleitoral no Brasil. Nas últimas eleições, partidos e candidatos
arrecadaram cerca de R$ 5 bilhões de doações privadas, quase na sua totalidade
feitas por empresas. Além disso, receberam no ano passado R$ 308 milhões de
recursos públicos por meio do Fundo Partidário, enquanto o tempo
"gratuito" de televisão custou R$ 840 milhões aos cofres da União por
meio de isenção fiscal para os canais de TV.
Pelo
mundo
O
banco de dados do Idea - organização intergovernamental que hoje tem status de
observadora na ONU - revela que 39 países proíbem doações de empresas para
candidatos, como México, Canadá, Paraguai, Peru, Colômbia, Costa Rica,
Portugal, França, Polônia, Ucrânia e Egito.
Outros
126 países permitem o financiamento de candidatos por empresas, como Brasil,
Reino Unido, Itália, Alemanha, Noruega, Argentina, Chile, Venezuela e
praticamente toda a África e a Ásia.
A
proibição formal, porém, nem sempre impede que o capital corporativo encontre
outras formas de influenciar o jogo político, nota Staak. Os Estados Unidos,
por exemplo, proíbem doações diretas de empresas, mas como elas são autorizadas
a fazer suas próprias campanhas a favor e contra candidatos, na prática os
efeitos da restrição são nulos.
Tampouco
a corrupção desaparece de uma hora para outra. Um relatório do instituto aponta
que o número de infrações detectadas em doações políticas em Portugal cresceu
fortemente desde o ano 2000, quando o país proibiu o financiamento empresas.
Em
parte, isso é reflexo da fiscalização mais dura que também foi implementada no
período, nota o documento. Mas, por outro lado, também observou-se o
desenvolvimento de práticas para burlar as restrições às doações privadas, como
lista de doadores fantasmas.
"A
corrupção tem muito a ver com as atitudes culturais. As reformas devem, ter o
objetivo de tornar mais difícil as doações irregulares e ficar sempre um passo
à frente dessas práticas", afirma Staak.
(BBC)
Quinta-feira,
17 de setembro, 2015
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