O ministro Gilmar Mendes, do
Supremo Tribunal Federal (STF), proferiu nesta quarta-feira um duríssimo voto
contra a possibilidade de a Justiça impedir as doações de empresas a partidos políticos
e candidatos. Em cinco horas de fala, Mendes criticou o propinoduto montado na
Petrobras para perpetuação do Partido dos Trabalhadores e seus aliados no
poder.
Foi o segundo voto contrário na
Corte no julgamento sobre o financiamento de campanhas eleitorais e partidos
por empresas privadas. O ministro Teori Zavascki adotou posição similar. Os
ministros Luiz Fux, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski, Luis Roberto
Barroso, Dias Toffoli e Joaquim Barbosa - já aposentado - se manifestaram contrários
à possibilidade de pessoas jurídicas repassarem recursos a candidatos e
partidos. O ministro Edson Fachin, por ter sucedido Barbosa, não participa do
julgamento.
O STF analisa uma ação direta de
inconstitucionalidade apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que
contesta trechos da Lei Eleitoral (9.504/1997) e da Lei dos Partidos Políticos
(9.096/1995) e que pede que a Corte, além de declarar como inconstitucional a
doação de pessoas jurídicas, delimite um teto individual e per capita para que
os cidadãos possam fazer doações eleitorais e para os gastos de campanha pelos
candidatos. Pelas regras atuais, empresas podem doar até 2% do seu faturamento
bruto do ano anterior à eleição. No caso de pessoas físicas, a limitação é 10%
do rendimento do ano anterior ao pleito.
A Câmara dos Deputados concluiu
recentemente uma votação que autoriza doações de empresas a partidos políticos
limitadas a 20 milhões de reais, mas como o tema ainda não foi sancionado pela
presidente Dilma Rousseff, hoje ainda valem as regras atuais e o julgamento do
STF ganha contornos mais relevantes.
Em seu voto, Gilmar Mendes disse
que barrar a possibilidade de empresas repassarem recursos a candidatos
institucionalizaria o caixa dois em campanhas. Mais: uma outra alternativa, a
de um teto único para doações de pessoas físicas, abriria, segundo ele, caminho
para políticos utilizarem nomes de eleitores que não querem doar para lavar
dinheiro de doações fictícias. "Barrar [doações de empresas] seria
oficializar a clandestinidade de doações de pessoas jurídicas por meio de caixa
dois. Seria praticamente a institucionalização do caixa dois. Se fixar um
limite, certamente teríamos beneficiários do Bolsa Família fazendo
doação", disse ao cogitar a hipótese da instituição de um "doador
laranja".
Em seu voto, o ministro atacou a
OAB por supostamente estar defendendo interesses petistas no Supremo e disse
que os atuais escândalos de corrupção não podem ser atribuídos à possibilidade
de doações empresariais a campanhas, e sim a atitudes individuais de agentes
públicos que optaram por cometer crimes. "O que tem, de uma certa forma,
maculado o processo democrático brasileiro são os abusos perpetrados pelos
candidatos, que podem usam a máquina administrativa em seu favor, cometendo
ilícitos que podem ser evitados com o aperfeiçoamento da legislação",
disse ele.
Criticado por setores do governo
e partidos aliados por ter interrompido o julgamento sobre o tema em abril do
ano passado, Mendes disse que se "regozijava" de ter pedido vista
porque agora, com os desdobramentos da Operação Lava Jato, sabe-se dos métodos
que agremiações governistas usam para engordar os caixas. "As revelações
feitas pela mídia dessa Operação Lava Jato dão a dimensão da corrupção do
aparato brasileiro. Na verdade, está a indicar um modo de governança em relação
a não só uma empresa, mas da maior empresa do Brasil, a Petrobras",
afirmou.
"A investigação revela que o
patrimônio público estaria sendo saqueado pelas forças políticas. Os recursos
serviriam para manter a boa vida dos mandatários, mas não só isso. O esquema é
um verdadeiro método de governo: de um lado recursos do Estado fluiriam para as
forças políticas, financiando campanhas e, como ninguém é de ferro, o luxo dos
atores envolvido, casas, iates, reforma de apartamento de namoradas, amantes,
mães e tudo mais. Foi um método criminoso de governança que visava à
perpetuação de um partido no poder", completou ele.
Em seu voto, o ministro também
apresentou a tese de que o fim do financiamento privado de campanha tiraria a
paridade de armas entre candidatos governistas e de oposição e
"aniquilaria" os oposicionistas. E disse que, ao contrário do que
defenderam os seis ministros que já votaram contra o financiamento privado de
campanha, não se poderia invocar neste julgamento princípios gerais previstos
na Constituição, como a tese de que as doações de empresas colocariam em xeque
a soberania popular ou o direito de cada eleitor à cidadania. Isso porque,
disse ele, "no Brasil o constituinte decidiu não disciplinar a matéria [de
financiamento de campanha] em âmbito constitucional", e sim deu liberdade
ao Congresso para discutir o tema. Por isso, não haveria violações à
Constituição nas doações empresariais de campanha. "A Constituição apenas
vedou aos partidos o recebimento de recursos financeiros de entidades ou
governos estrangeiros. A Constituição deixou para a legislação ordinária a
regulação para o financiamento de eleições", declarou.
Mensalão - Gilmar Mendes voltou a
comparar o escândalo da Petrobras ao esquema do mensalão, até então o mais
significativo propinoduto da história recente, e ironizou: "o mensalão foi
rebaixado no rating de soberania dos escândalos". "O partido político
[PT] já se locupletou ao limite e aí quer proibir a doação a outros partidos. O
partido do poder já independe de doações eleitorais".
Em forte tom de crítica, o
ministro disse ainda que doações individuais de pessoas físicas, se passarem a
ser as únicas possíveis, estimulariam uma indústria de alugueis de CPFs para
fraudar repasses de eleitores a políticos. Gilmar Mendes ainda voltou a atacar
o discurso do PT favorável ao financiamento público exclusivo para campanhas.
"A Petrobras não pode ser
assaltada por um grupo de pessoas. A rigor, esse partido é vanguarda porque
instalou o financiamento público antes de sue aprovação, com recursos
diretamente de estatais para o partido. É um modelo vanguardista. O
financiamento público já tinha sido instalado para financiar as atividades
partidárias. Dinheiro da Petrobras é dinheiro público", disse. E continuou:
"O partido que mais leva vantagem na captação de recursos das empresas
privadas agora, como Madre Teresa de Calcutá, defende o encerramento do
financiamento privado. Quase me emociona, quase vou às lagrimas. É uma
conversão que certamente merece algum tipo de canonização. Será que nos tomam
por idiotas? O partido consegue captar recursos na faixa de bilhões dos reais
continuamente e passa a agora defende bravamente o julgamento da
inconstitucionalidade da doação de empresas privadas?", disse.
"Agora entendo o discurso de
que a Petrobras é nossa. A Petrobras é nossa no sentido de que nós nos
apropriamos da Petrobras. Não é que é nossa do povo brasileiro. E entendo agora
porque determinados segmentos partidários fazem defesa tão ferrenha de
estatais. É para sua manipulação. É para transforma-la em propriedade
própria", atacou o ministro. Gilmar Mendes foi o único votar na sessão
plenária de hoje.
Bate-boca - No final da sessão, o
secretário-geral da OAB, Cláudio Pereira de Souza, ocupou a tribuna para contestar
a afirmação de Gilmar de que a entidade esteja alinhada ao PT ao defender o fim
do financiamento privado de campanhas. Souza começou a expor dados de uma
pesquisa Datafolha segundo a qual 74% da população seria contra o financiamento
privado quando foi interrompido pelo próprio Gilmar Mendes.
O presidente do STF, Ricardo
Lewandowski, interrompeu: "Vossa Excelência falou por quase cinco horas.
Vamos garantir a palavra ao advogado", disse a Gilmar Mendes. "Eu sou
ministro desta Corte. Advogado é advogado", retrucou o magistrado.
"Quem preside esta sessão sou eu", replicou Lewandowski, dando a
palavra ao representante da OAB. Irritado, Gilmar Mendes deixou a sessão
plenária na sequência.
(VEJA)
Quarta-feira, 16 de setembro, 2015
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