Os
fatos relacionados à preparação do Brasil para a Copa têm sido interpretados à
luz de dois termos— “eles” e “nós”. “Eles” são os violões de sempre. Leia-se o establishment político,
culpado pelos desmandos, altos preços, atrasos e outras trapalhadas
relacionadas ao evento. “Nós”, por outro lado, somos os outros, os inocentes, a
um tempo vítimas e espectadores dessas barbaridades. A distinção entre esses
dois campos pode ser reconfortante, principalmente para “nós”, mas não é real.
Os entraves em torno da Copa do Mundo revelem mais sobre a sociedade brasileira
como um todo do que estamos dispostos a admitir.
Vamos
por partes.
A
Copa de 2014 será a mais cara da história. A conta pode atingir R$ 8 bilhões.
Em comparação com as duas últimas edições do evento, o valor da versão
brasileira supera em três vezes os gastos realizados em 2006, na Alemanha, e em
quatro vezes a conta de 2010, na África do Sul. Agora, convenhamos, qual a
novidade dessa gastança? Em geral, as grandes obras executadas no país estão
entre as mais dispendiosas do planeta. E se essa prática revela a ganância de
grupos político-econômicos, também reflete a leniência e a omissão com que a
sociedade se acostumou a lidar com esse tipo de problema.
Mais
um passo.
O
processo de preparação da Copa de 2014 (o que inclui a Copa das Confederações,
de 2013) quebrou em definitivo o mito segundo o qual o brasileiro é gentil,
cordial. Vivemos em uma sociedade violenta. Aliás, somos violentos em proporção
(intensidade e número) surpreendente. Tal constatação é válida mesmo que
consideremos que as ações agressivas registradas nos protestos de rua estejam
sendo conduzidas por uma minoria entre os manifestantes.
De
novo: qual a novidade? Convivemos com o crime e com a revolta por ele
despertada, em meio assaltos, linchamentos públicos, bandidos amarrados a
postes, além de cidadãos sob tensão e medo permanentes. Na capital paulista, a
violência já contaminou o evento chamado Virada Cultural a ponto de torná-lo
praticamente inviável.
Há
mais. No campo das grandes chagas nacionais, vimos surgir no início deste mês
uma campanha de prevenção contra a prostituição infantil durante a Copa.
Trata-se de uma iniciativa louvável. A preocupação está baseada no fato de que
alguns jogos serão realizados em estados que ostentam os piores índices de
ocorrência de crimes desse tipo (Bahia, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do
Norte). Aqui, a pergunta que cabe é a seguinte: e depois da Copa? Quais serão
os desdobramentos da campanha?
Depois
da Copa, a resposta é a mais simples de todas: os problemas continuam. Como sabemos,
eles têm pouco ou nada a ver com o evento. Estão incrustados “neles” e em
“nós”, em uma sociedade cujos dilemas (somente alguns deles) estão sendo
expostos de forma mais aguda nos últimos anos. Observe-se que a indignação pura
e simples também não serve a ninguém. Deveríamos, porém, aproveitar melhor esse
momento em que um baita holofote foi lançado sobre todas essas mazelas. Não
basta a revolta ou o choque emocional com os fatos. A parte mais importante do
Brasil é a que tem de ser construída depois do campeonato de futebol. Os
estádios já são coisa do passado.
Por Carlos
Rydlewski – Agência Globo
Terça-feira, 20 de
maio, 2014.
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