Nos registros da antiga Roma,
destaca-se a história de Esporo não apenas pelo seu dramatismo, mas também
pelas duras realidades que ela revela. Por sua semelhança impressionante com um
amor perdido, Esporo saiu do anonimato. A trajetória desse jovem é marcada por
poder, manipulação e tragédia. Para aqueles que desconhecem a narrativa, os
detalhes, sem dúvida, deixarão uma marca duradoura.
O Imperador Nero Cláudio César
Augusto Germânico foi quem primeiro percebeu Esporo, um belo jovem romano. Ele
tinha uma notável semelhança com a falecida imperatriz, Pompeia Sabina, e foi
essa semelhança que capturou a atenção de Nero. Diferentemente das histórias de
Narciso ou Perséfone, a história de Esporo não era um mito, mas uma realidade
angustiante da antiga Roma.
Nero, já infame por seu poder
desmedido e desejos decadentes, viu em Esporo uma oportunidade de recuperar seu
amor perdido. O historiador romano Suetônio traçou um retrato vivo dos excessos
de Nero, destacando que ele maltratava jovens de nascimento livre e profanava
mulheres casadas. Além de tirano e assassino, Nero era famoso por sua atração
pelos efebos. Até o sagrado era violado por Nero. Alega-se que ele desvirginou
uma Virgem Vestal, um ato que, se comprovado, teria resultado no seu
sepultamento vivo.
Além disso, as conturbadas
relações de Nero se estendiam à sua família. Suetônio menciona sua inclinação
incestuosa em relação à sua mãe, Agrippina, a Jovem. Entretanto, numa jogada de
poder em 59 d.C., Nero matou Agrippina, possivelmente por sua oposição ao caso
dele com Sabina.
As circunstâncias da morte de
Sabina três anos depois permanecem um mistério. Alguns sugerem complicações de
sua gravidez, enquanto outros falam de um fim brutal, onde Nero, enfurecido,
teria chutado sua imperatriz grávida até a morte.
E foi em 66 d.C., em meio a
esses escândalos, que os olhos de Nero se fixaram no rosto de um jovem garoto,
lembrando-o de Sabina. Esporo foi escolhido para ser um puer delicatus: um
adolescente escolhido por figuras importantes da sociedade romana para ser
escravo, com base em sua beleza física.
Embora grande parte da vida
inicial de Esporo seja desconhecida, sua relação com Nero é amplamente
registrada. Esporo tem seu nome originário da palavra grega para “semente”,
possivelmente uma ironia cruel de Nero, aludindo à incapacidade do jovem de gerar
filhos após ser castrado. Outra alcunha que Nero lhe deu foi “Sabina”, o que
ainda mais confundiu a distinção entre a falecida imperatriz e sua nova paixão.
Alguns registros apontam
Esporo como um escravo, enquanto outros o consideram um homem liberto. Contudo,
é consenso que Esporo possuía uma beleza etérea, que lembrava as
características da falecida imperatriz. Conforme relatado por Suetonius, após
castrá-lo, Nero vestiu Esporo com trajes tradicionais de mulheres romanas,
apresentando-o ao mundo como seu novo amor. E Nero não parou por aí; em 67
d.C., ele organizou uma cerimônia de casamento suntuosa, proclamando Esporo sua
esposa e a nova imperatriz de Roma.
Mas o que levou Nero a tais
extremos? Seria um puro desejo ou uma jogada para humilhar um possível rival?
Diante da reputação de Nero, é difícil entender as motivações por trás de suas
decisões.
Na antiga Roma, as normas
sociais em relação à homossexualidade eram bem diferentes das atuais. Era menos
sobre gênero e mais sobre dinâmicas de poder. Escravos eram vistos como
parceiros aceitáveis, e a única regra social era que alguém não deveria abandonar
sua posição dominante, principalmente se pertencesse à elite romana.
Dentro destes contextos, o
relacionamento de Nero com Esporo, após a castração, poderia ser visto como
perverso. Conforme o livro “Homossexualidade Romana: Ideologias da
Masculinidade na Antiguidade Clássica” de Craig A. Williams, as relações
sexuais em Roma não eram apenas sobre prazer, mas também sobre domínio. E
provavelmente foi esse domínio que levou Nero a casar-se com Esporo, garantindo
que o jovem permanecesse para sempre em uma posição subserviente.
Eunucos, apesar de sua posição
inferior, tinham grande influência em Roma e outras civilizações antigas. Sem
herdeiros para competir, eram vistos como figuras neutras, confiáveis para
manter poder ou integrar lares femininos. Históricos notáveis incluem Bagoas, o
favorito de Alexandre, o Grande, e Pothinus, conselheiro do irmão/marido de
Cleópatra, Ptolemeu VIII. No caso de Esporo, alguns historiadores sugerem que
as intenções de Nero talvez não fossem puramente românticas. Ao exibir Esporo
como substituto de Sabina, Nero possivelmente queria transmitir uma mensagem
clara a possíveis herdeiros do trono: qualquer um poderia ser humilhado e
subjugado.
À medida que o reinado de Nero
balançava à beira do abismo, o papel de Esporo tornou-se ainda mais simbólico.
No primeiro dia de 68 d.C., Esporo presenteou Nero com um anel representando o
Rapto de Perséfone, aludindo à sua própria vida e ao que o trouxe ao lado de
Nero. Mas o que poderia ser visto como um lembrete ou presságio antecipou as
grandes mudanças que o Império Romano estava prestes a vivenciar.
Os ventos da mudança começaram
a soprar pelo Império Romano. Com a tirania de Nero atingindo novos patamares,
o ressentimento fervilhava entre a população. A revolta de Galba, iniciada por
esse governador romano, marcou o início do fim do reinado de Nero.
Quando a revolta ganhou força,
Nero viu-se abandonado por aliados e apoiadores. Em pânico e temendo o pior,
tentou fugir de Roma com Esporo ao seu lado. Entretanto, notícias chegaram
informando que o Senado o havia declarado inimigo público, com planos de
executá-lo brutalmente. Diante desta perspectiva, Nero optou por tirar sua
própria vida, exclamando antes: “Que grande artista morre comigo!” Ele pediu a
seu secretário, Epaphroditos, que o ajudasse a cometer suicídio.
Com o trágico fim de Nero em
68 d.C., a vida de Esporo deu outra guinada. O Império Romano, agora sob o
comando do Imperador Galba, não foi gentil com aqueles associados ao antigo
governante. Esporo, contudo, foi poupado do pior, principalmente devido à sua
semelhança com Sabina, que continuou a captar o interesse da elite imperial.
Ele atraiu a atenção de dois
imperadores subsequentes. Primeiramente, Otho, amigo de Nero e seu sucessor
após Galba, se interessou por Esporo. Mas o reinado de Otho foi efêmero,
durando apenas três meses. Após o suicídio de Otho, Vitélio, seu sucessor, tinha
um plano diferente para o jovem eunuco. Ele planejava exibir Esporo como vítima
em jogos públicos, onde seria devorado por animais selvagens.
Contudo, diante da perspectiva
de um destino tão terrível, Esporo tomou uma decisão angustiante. Para evitar a
humilhação pública e a morte cruel que Vitélio planejava para ele, Esporo
decidiu acabar com sua própria vida em 69 d.C., concluindo uma história trágica
de exploração e sobrevivência.
A saga de Esporo destaca as
realidades turbulentas e muitas vezes perversas das paisagens políticas e
sociais do Império Romano. As intrigas, jogos de poder e excentricidades de
imperadores como Nero vitimaram muitos, mas a história de Esporo se destaca devido
aos extremos de suas vivências.
Sua trajetória deixou uma
marca indelével na história, não apenas como reflexo dos caprichos de Nero, mas
também como um testemunho das vulnerabilidades daqueles presos nos jogos de
poder imperial. Embora sua vida tenha sido marcada por manipulação e tragédia,
Esporo também se tornou um símbolo de resistência e um lembrete comovente do
custo humano de uma autoridade sem limites.
Vale ressaltar que histórias
como a de Esporo fornecem insights sobre as complexidades de gênero,
sexualidade e dinâmicas de poder na antiga Roma. Tais narrativas desafiam os
leitores contemporâneos a refletir e compreender os costumes sociais de civilizações
antigas sem impor valores modernos.
Nos registros históricos, o
nome de Esporo pode não ser tão famoso quanto o de Nero ou de outros
imperadores. Porém, para aqueles que se aprofundam no rico mosaico romano, sua
história trágica serve como um lembrete contundente da natureza frágil da vida,
do amor e do poder à sombra do Império Romano.
A história de Esporo é uma
teia intrincada de paixão, poder e tragédia. Além do drama, oferece uma
perspectiva única para compreender as múltiplas dimensões da cultura e política
romanas antigas. E, como a história frequentemente faz, serve como um lembrete
tocante da impermanência do poder e da vulnerabilidade daqueles presos em seu
alcance.
* University College Cork, Loeb Classic Library,
Fordham University
Sábado, 09 de setembro
2023 às 21:11