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“É fácil submeter povos livres: basta retirar – lhes o direito de expressão”. Marechal Manoel Luís Osório, Marquês do Erval -15 de abril de 1866

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09 setembro, 2023

ESPORO: O JOVEM QUE FOI CASTRADO PARA SER A “ESPOSA” DO IMPERADOR

 


Nos registros da antiga Roma, destaca-se a história de Esporo não apenas pelo seu dramatismo, mas também pelas duras realidades que ela revela. Por sua semelhança impressionante com um amor perdido, Esporo saiu do anonimato. A trajetória desse jovem é marcada por poder, manipulação e tragédia. Para aqueles que desconhecem a narrativa, os detalhes, sem dúvida, deixarão uma marca duradoura.

 

O Imperador Nero Cláudio César Augusto Germânico foi quem primeiro percebeu Esporo, um belo jovem romano. Ele tinha uma notável semelhança com a falecida imperatriz, Pompeia Sabina, e foi essa semelhança que capturou a atenção de Nero. Diferentemente das histórias de Narciso ou Perséfone, a história de Esporo não era um mito, mas uma realidade angustiante da antiga Roma.

 

Nero, já infame por seu poder desmedido e desejos decadentes, viu em Esporo uma oportunidade de recuperar seu amor perdido. O historiador romano Suetônio traçou um retrato vivo dos excessos de Nero, destacando que ele maltratava jovens de nascimento livre e profanava mulheres casadas. Além de tirano e assassino, Nero era famoso por sua atração pelos efebos. Até o sagrado era violado por Nero. Alega-se que ele desvirginou uma Virgem Vestal, um ato que, se comprovado, teria resultado no seu sepultamento vivo.

 

Além disso, as conturbadas relações de Nero se estendiam à sua família. Suetônio menciona sua inclinação incestuosa em relação à sua mãe, Agrippina, a Jovem. Entretanto, numa jogada de poder em 59 d.C., Nero matou Agrippina, possivelmente por sua oposição ao caso dele com Sabina.

 

As circunstâncias da morte de Sabina três anos depois permanecem um mistério. Alguns sugerem complicações de sua gravidez, enquanto outros falam de um fim brutal, onde Nero, enfurecido, teria chutado sua imperatriz grávida até a morte.

E foi em 66 d.C., em meio a esses escândalos, que os olhos de Nero se fixaram no rosto de um jovem garoto, lembrando-o de Sabina. Esporo foi escolhido para ser um puer delicatus: um adolescente escolhido por figuras importantes da sociedade romana para ser escravo, com base em sua beleza física.

 

Embora grande parte da vida inicial de Esporo seja desconhecida, sua relação com Nero é amplamente registrada. Esporo tem seu nome originário da palavra grega para “semente”, possivelmente uma ironia cruel de Nero, aludindo à incapacidade do jovem de gerar filhos após ser castrado. Outra alcunha que Nero lhe deu foi “Sabina”, o que ainda mais confundiu a distinção entre a falecida imperatriz e sua nova paixão.

 

Alguns registros apontam Esporo como um escravo, enquanto outros o consideram um homem liberto. Contudo, é consenso que Esporo possuía uma beleza etérea, que lembrava as características da falecida imperatriz. Conforme relatado por Suetonius, após castrá-lo, Nero vestiu Esporo com trajes tradicionais de mulheres romanas, apresentando-o ao mundo como seu novo amor. E Nero não parou por aí; em 67 d.C., ele organizou uma cerimônia de casamento suntuosa, proclamando Esporo sua esposa e a nova imperatriz de Roma.

 

Mas o que levou Nero a tais extremos? Seria um puro desejo ou uma jogada para humilhar um possível rival? Diante da reputação de Nero, é difícil entender as motivações por trás de suas decisões.

 

Na antiga Roma, as normas sociais em relação à homossexualidade eram bem diferentes das atuais. Era menos sobre gênero e mais sobre dinâmicas de poder. Escravos eram vistos como parceiros aceitáveis, e a única regra social era que alguém não deveria abandonar sua posição dominante, principalmente se pertencesse à elite romana.

 

Dentro destes contextos, o relacionamento de Nero com Esporo, após a castração, poderia ser visto como perverso. Conforme o livro “Homossexualidade Romana: Ideologias da Masculinidade na Antiguidade Clássica” de Craig A. Williams, as relações sexuais em Roma não eram apenas sobre prazer, mas também sobre domínio. E provavelmente foi esse domínio que levou Nero a casar-se com Esporo, garantindo que o jovem permanecesse para sempre em uma posição subserviente.

 

Eunucos, apesar de sua posição inferior, tinham grande influência em Roma e outras civilizações antigas. Sem herdeiros para competir, eram vistos como figuras neutras, confiáveis para manter poder ou integrar lares femininos. Históricos notáveis incluem Bagoas, o favorito de Alexandre, o Grande, e Pothinus, conselheiro do irmão/marido de Cleópatra, Ptolemeu VIII. No caso de Esporo, alguns historiadores sugerem que as intenções de Nero talvez não fossem puramente românticas. Ao exibir Esporo como substituto de Sabina, Nero possivelmente queria transmitir uma mensagem clara a possíveis herdeiros do trono: qualquer um poderia ser humilhado e subjugado.

 

À medida que o reinado de Nero balançava à beira do abismo, o papel de Esporo tornou-se ainda mais simbólico. No primeiro dia de 68 d.C., Esporo presenteou Nero com um anel representando o Rapto de Perséfone, aludindo à sua própria vida e ao que o trouxe ao lado de Nero. Mas o que poderia ser visto como um lembrete ou presságio antecipou as grandes mudanças que o Império Romano estava prestes a vivenciar.

 

Os ventos da mudança começaram a soprar pelo Império Romano. Com a tirania de Nero atingindo novos patamares, o ressentimento fervilhava entre a população. A revolta de Galba, iniciada por esse governador romano, marcou o início do fim do reinado de Nero.

 

Quando a revolta ganhou força, Nero viu-se abandonado por aliados e apoiadores. Em pânico e temendo o pior, tentou fugir de Roma com Esporo ao seu lado. Entretanto, notícias chegaram informando que o Senado o havia declarado inimigo público, com planos de executá-lo brutalmente. Diante desta perspectiva, Nero optou por tirar sua própria vida, exclamando antes: “Que grande artista morre comigo!” Ele pediu a seu secretário, Epaphroditos, que o ajudasse a cometer suicídio.

 

Com o trágico fim de Nero em 68 d.C., a vida de Esporo deu outra guinada. O Império Romano, agora sob o comando do Imperador Galba, não foi gentil com aqueles associados ao antigo governante. Esporo, contudo, foi poupado do pior, principalmente devido à sua semelhança com Sabina, que continuou a captar o interesse da elite imperial.

 

Ele atraiu a atenção de dois imperadores subsequentes. Primeiramente, Otho, amigo de Nero e seu sucessor após Galba, se interessou por Esporo. Mas o reinado de Otho foi efêmero, durando apenas três meses. Após o suicídio de Otho, Vitélio, seu sucessor, tinha um plano diferente para o jovem eunuco. Ele planejava exibir Esporo como vítima em jogos públicos, onde seria devorado por animais selvagens.

 

Contudo, diante da perspectiva de um destino tão terrível, Esporo tomou uma decisão angustiante. Para evitar a humilhação pública e a morte cruel que Vitélio planejava para ele, Esporo decidiu acabar com sua própria vida em 69 d.C., concluindo uma história trágica de exploração e sobrevivência.

 

A saga de Esporo destaca as realidades turbulentas e muitas vezes perversas das paisagens políticas e sociais do Império Romano. As intrigas, jogos de poder e excentricidades de imperadores como Nero vitimaram muitos, mas a história de Esporo se destaca devido aos extremos de suas vivências.

 

Sua trajetória deixou uma marca indelével na história, não apenas como reflexo dos caprichos de Nero, mas também como um testemunho das vulnerabilidades daqueles presos nos jogos de poder imperial. Embora sua vida tenha sido marcada por manipulação e tragédia, Esporo também se tornou um símbolo de resistência e um lembrete comovente do custo humano de uma autoridade sem limites.

 

Vale ressaltar que histórias como a de Esporo fornecem insights sobre as complexidades de gênero, sexualidade e dinâmicas de poder na antiga Roma. Tais narrativas desafiam os leitores contemporâneos a refletir e compreender os costumes sociais de civilizações antigas sem impor valores modernos.

 

Nos registros históricos, o nome de Esporo pode não ser tão famoso quanto o de Nero ou de outros imperadores. Porém, para aqueles que se aprofundam no rico mosaico romano, sua história trágica serve como um lembrete contundente da natureza frágil da vida, do amor e do poder à sombra do Império Romano.

 

A história de Esporo é uma teia intrincada de paixão, poder e tragédia. Além do drama, oferece uma perspectiva única para compreender as múltiplas dimensões da cultura e política romanas antigas. E, como a história frequentemente faz, serve como um lembrete tocante da impermanência do poder e da vulnerabilidade daqueles presos em seu alcance.

 

* University College Cork, Loeb Classic Library, Fordham University

 

Sábado, 09 de setembro 2023 às 21:11