Mesmo na crise, servidores conseguem
manter privilégios. Acabam de garantir aumentos enquanto os trabalhadores da
iniciativa privada tentam manter o emprego e lutam pela sobrevivência
A
pandemia afeta todos os setores da economia, que enfrentará uma recessão grave
este ano. Tira o emprego e a renda da população, principalmente dos mais
pobres, que lutam pela própria sobrevivência. Mas não afeta uma categoria que
conseguiu renovar mesmo na crise seus privilégios: os servidores públicos. Além
de estabilidade no emprego, vencimentos intocados e aposentadoria especial,
conseguiram garantir aumentos de salários enquanto Estados e Municípios lutam
para recompor suas receitas. Dessa vez, além do apoio no Congresso, onde
exercem um lobby poderoso, conseguiram o suporte de Jair Bolsonaro — um defensor
histórico dos interesses corporativos, especialmente de militares.
Os
servidores conseguiram um feito e tanto na PEC de ajuda emergencial aos
Estados, em tramitação no Legislativo. Reagiram à proposta de congelamento dos
salários por 18 meses, que passou pelo Senado, mas foi revertida na Câmara. Com
o aval do próprio presidente, parlamentares atropelaram a proposta do ministro
Paulo Guedes. Ele desejava uma economia de quase R$ 130 bilhões para União,
Estados e Municípios, mas esse valor caiu para R$ 90 bilhões. O congelamento no
salário dos servidores era a contrapartida que Guedes pedia para repassar R$ 60
bilhões a governadores e prefeitos nos próximos quatro meses, além da suspensão
de dívidas e manutenção das garantias do Tesouro em empréstimos. Seria uma
espécie de “cota de sacrifício” do funcionalismo. Mas a Câmara salvou várias
categorias de servidores, e foi acompanhada pelo Senado. Ficaram isentos de
congelamento os servidores da saúde, bombeiros, guardas municipais, policiais
federais e rodoviários, trabalhadores de limpeza urbana, assistência social,
agentes socioeducativos, técnicos e peritos criminais, professores da rede
pública, além de integrantes das Forças Armadas. Com isso, sete de cada dez
servidores dos Estados e municípios poderão ter reajustes até 2021.
Para
representantes do funcionalismo, o plano de Guedes não levava em consideração
as categorias que estão na linha de frente no combate à Covid-19, como saúde e
segurança. Além disso, eles alegam que os reajustes nos últimos anos têm ficado
abaixo da inflação. “Há 17 anos o reajuste é de 0,01% ao ano, enquanto a
iniciativa privada fica acima da inflação”, diz o secretário geral do Sindicato
dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep), Antônio Carlos Lima. Ele
aponta que alguns ganham supersalários, enquanto a maioria tem vencimentos
abaixo de R$ 5 mil. “Não seria justo congelar a receita de quem está na linha
de frente. ” Ocorre que, na iniciativa privada, os trabalhadores precisam se
esforçar por melhorias salariais e, além disso, podem perder o emprego. O
índice de desemprego pode atingir 17,8% este ano, calcula o Instituto
Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), com a massa
salarial tendo o pior desempenho desde 1981.
A
solução mais justa, até para o equilíbrio fiscal, seria usar o Imposto de Renda
progressivo, que tributaria conforme a renda, além do imposto ao rentista, na
opinião do professor Adriano Biava, da FEA/USP. Além da estabilidade, outras
questões pesam nas contas públicas, já que um servidor ganha em média 3,2 vezes
mais que um funcionário do setor privado. Também recebe aposentadoria integral,
diferentemente da maioria da população. Para especialistas em contas públicas,
congelar os vencimentos dos servidores mostraria que eles também podem dar seu
quinhão de sacrifício nesta crise. “Há um conflito grande entre a miséria nas
ruas e a força dos funcionários públicos”, afirma o economista Raul Velloso.
Para ele, o congelamento seria uma medida emergencial e aplacaria o clamor
popular. Seria o mínimo. (IstoÉ)
Sábado,
09 de maio, 2020 ás 09:00