A capacidade de resposta
rápida a situações de emergência em saúde pública, como a pandemia da covid-19,
requer um investimento permanente em ciência, tecnologia e inovação, defendeu quarta-feira
(20/4) a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, na abertura do webnário "A
pandemia covid-19 em transição", promovido pela fundação.
"A gente tem essa ilusão
de que a resposta [à pandemia] é rápida. Ela precisa ser rápida, mas ela não
vem do nada, vem de uma base", afirmou Nísia. "É fundamental o
investimento permanente e constante em ciência, tecnologia e inovação. Nada da
resposta ocorreu sem um histórico e sem investimentos anteriores. Isso se
aplica à vacina hoje totalmente nacionalizada pela Fiocruz a partir do acordo
com a Universidade de Oxford e a AstraZeneca".
A presidente da Fiocruz
destacou que esse investimento precisa estar associado à proteção social e à
saúde pública, e disse que a pandemia deixa como aprendizado a necessidade de
descentralizar os centros de produção de vacinas e incluir mais países, além de
reforçar o multilateralismo.
"Parece que esse discurso
soa como uma retórica ingênua nesse momento em que vivemos uma guerra e em um
mundo marcado por conflitos que se intensificam", disse, citando a invasão
da Ucrânia. "Ainda não sabemos a implicação dessa guerra, no caso a guerra
na Ucrânia, em relação a todo o esforço global que precisa ser feito",
acrescentou.
O webnário discutiu o cenário
atual da pandemia, marcado por uma queda no número de casos e óbitos causados
pela covid-19 em relação às ondas de transmissão anteriores.
O pesquisador da Escola
Nacional de Saúde Pública da Fiocruz (Ensp/Fiocruz) Carlos Machado chamou
atenção para o impacto que a doença teve sobre a população brasileira, que,
apesar de representar menos de 3% da população mundial, somou mais de 10% das
vítimas da pandemia em todo o mundo.
"No momento atual, em
diversos países e no Brasil, vivemos um cenário bastante positivo. No Brasil, a
existência do SUS [Sistema Único de Saúde] permitiu não só diminuir o impacto
da pandemia na população como também avançar na vacinação", disse,
reforçando que o sistema público de saúde precisará de mais investimentos para
lidar com as sequelas e casos de covid-19 persistente, além de atender aos
passivos causados por diagnósticos e tratamentos para outras doenças que foram
adiados durante a pandemia.
O coordenador do Programa de
Computação Científica da Fundação (Procc/Fiocruz), Daniel Villela, avaliou que
não é possível esperar uma ausência de circulação do SARS-CoV-2, dada a
transmissibilidade de suas variantes e a possibilidade de novas mutações
surgirem. No entanto, ele considera que o mais provável é a progressão para um
regime endêmico, em que a doença ocorra com uma regularidade previsível.
"O que se deve evitar é o
clima de que a pandemia acabou, de ter um cenário de status de doença
negligenciada", alertou, destacando a necessidade de avançar na vacinação
de crianças. "Ainda há bastante espaço para avançar. As crianças foram
menos afetadas no início, mas elas foram, sim, afetadas, e precisam de
atenção".
A professora da Universidade
Federal do Espírito Santo Ethel Maciel abriu sua apresentação abordando a
dificuldade de estabelecer qual seria o padrão endêmico de um vírus novo, que
só passou a circular a partir de 2019. "Não temos esse consenso
internacional. Ainda está sendo construído".
Ela defendeu que a revogação
do decreto da Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) no
Brasil deveria ser coordenada com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e com as
unidades federativas.
"Como a gente tem um
organismo internacional que está analisando a emergência, era muito melhor que
a gente fizesse as coisas coordenadas. Não estamos fazendo. Não estamos fazendo
nem do ponto de vista internacional nem interno. Corre o risco de o Ministério
da Saúde revogar o decreto, e os governadores manterem os decretos
estaduais", alertou.
A professora defende que a
revogação leve em consideração a continuidade de ações de vigilância e
acompanhamento da doença, incluindo casos de covid-19 persistente, cujo
tratamento deveria ser feito em centros especializados que ainda não foram
criados. "Corre o risco de que, se a gente invisibilizar a doença, isso
nunca aconteça".
Para o pesquisador Eduardo
Carmo, da Fiocruz Brasília, é preciso lembrar que, mesmo com uma queda nas
mortes causadas pela covid-19, elas ainda se mantêm em níveis mais elevados que
as de outros vírus respiratórios. E ponderou que a transição para o fim da
pandemia pode demorar mais devido ao relaxamento das medidas preventivas e à redução
da testagem. "A evolução do agente e da doença ainda é imprevisível",
disse.
Integrante do Observatório
Covid-19 da Fiocruz, Raphael Guimarães defendeu que ainda é preciso comunicar
com clareza para a população que a pandemia não acabou e destacou que o Brasil
vive uma estagnação da cobertura vacinal quando ainda há estados com menos de
70% da população com as duas doses da vacina, além de menos da metade da
população elegível com dose de reforço. "O rebaixamento cria uma falsa
impressão de que agora está tudo bem, e de que, se está tudo bem, eu não
preciso me vacinar".
Ele defende que o cenário
positivo com menos mortes e internações deve servir para alinhar práticas de
vigilância e de atenção primária, além de preparar o sistema de saúde para
atender a outros problemas de saúde que não foram descobertos ou tratados durante
a pandemia.
ABr
Segunda-feira, 18 de abril 2022
às 19:50