A maioria das pessoas tem
lapsos de memória de vez em quando. Não é difícil encontrar quem comente que
saiu para fazer compras no supermercado, por exemplo, e voltou sem vários
itens. Ou alguém que diga que não se recorda onde deixou os óculos ou as chaves
do carro. Alguém que abra a geladeira, mas não se lembre exatamente do que foi
buscar. Ou ainda quem esteja conversando e, de repente, fique em silêncio
alguns segundos porque não se recorda daquela palavra óbvia, que deveria estar
na ponta da língua.
Casos assim fazem parte da
rotina de qualquer pessoa, mas o aumento da frequência desses lapsos de memória
tem feito muita gente pensar que pode ter algum problema grave de saúde
envolvido, algo como Alzheimer precoce e até mesmo um tumor. Na maioria das
vezes, os lapsos acontecem por questões comportamentais mesmo – mas há casos
que requerem o aconselhamento profissional, claro.
A Agência Einstein ouviu
especialistas e elencou várias razões que podem causar os lapsos de memória.
1 – Sobrecarga na rotina e
estresse
O cérebro tem a função de
memória de curto prazo, que é a capacidade de manter todas as informações
disponíveis por um curto período de tempo. O processo para transformar essa
memória de curto prazo em uma de longo prazo é complexo. Assim, o excesso de informações
do nosso dia a dia, associado ao acúmulo de estresse, pode deixar o nosso
cérebro sobrecarregado e afetar diretamente a nossa capacidade de memória, que
falha em alguns momentos.
“A sobrecarga na rotina e o
estresse podem ocasionar lapsos de memória à medida que o nosso corpo produza
respostas sistêmicas para esse estresse, inclusive modificações em certas
regiões do cérebro responsáveis pela memória. Os processos cognitivos são afetados
e dificultam a inserção de detalhes e a integração de novas informações em
nossas memórias”, explica o psiquiatra Elton Kanomata, do Hospital Israelita
Albert Einstein.
2 – Ansiedade ou depressão
Existem, sem dúvida, casos de
lapsos de memória que estão associados a algum problema de saúde, especialmente
ansiedade e depressão, que podem afetar a memória de diferentes maneiras.
Por exemplo: alguém com
ansiedade pode ter dificuldade em se concentrar e processar informações,
resultando em lapsos de memória temporários. Já uma pessoa com depressão pode
ter a sua capacidade de retenção de informações no cérebro prejudicadas devido a
alterações nos neurotransmissores. “Um exemplo comum é esquecer compromissos ou
detalhes importantes do dia a dia devido a essas condições”, explica a
neurologista Polyana Piza, do Hospital Israelita Albert Einstein de Goiânia.
O psiquiatra Kanomata diz
ainda que os transtornos mentais comumente expressam sintomas cognitivos, entre
eles, os prejuízos na memória. “Um dos principais mecanismos que levam a isso
se relaciona ao mesmo processo ligado ao estresse em regiões específicas do
cérebro, que podem afetar, a longo prazo, o desempenho cognitivo”, alertou.
3 – Noites maldormidas
Não é de hoje que as pessoas
dormem mal – estima-se que 30% das pessoas tenham algum distúrbio do sono, como
a insônia. Segundo a neurologista Letícia Soster, do Grupo Médico Assistencial
do Sono do Hospital Israelita Albert Einstein, as pessoas frequentemente não
priorizam a qualidade do sono.
“Muitos vão para cama mais
tarde do que precisam. Na cama, olham o celular e outras telas, o que inibe a
produção e a liberação de melatonina. As pessoas acabam dormindo vencidas pelo
cansaço, e não de forma natural, que seria o corpo relaxar e se preparar para o
sono. E elas têm que acordar muito cedo. A consequência é que a maioria está em
privação de sono e isso pode causar dificuldade de concentração, de lembrar
palavras, de compreender um contexto. É o efeito do cansaço que não foi
recuperado”, explica a especialista.
De acordo com a neurologista,
problemas com o sono alteram o mecanismo da atenção. “Muitas vezes, quando o
nosso cérebro não está descansado o suficiente, ele gasta energia se ocupando
em permanecer vígil. A necessidade de o cérebro manter a vigilância suplanta a
capacidade de nos mantermos atentos e pode causar problemas de memória”, diz.
Além disso, como estão muito
privadas de sono, as pessoas têm episódios de sono muito curtos (chamados
microssonos). “É muito comum que as pessoas em privação de sono deem aquela
‘pescadinha’ às vezes, sem perceber. Quando isso acontece, a informação que ela
estava adquirindo é parcialmente quebrada. Isso faz com que a pessoa não
consiga estar atenta ao que está acontecendo porque ela está preocupada em se
manter acordada. Como a informação não foi armazenada pelo cérebro, causa os
lapsos de memória”, alerta.
Soster ressalta também que o
uso excessivo de telas e mídias sociais deixa o cérebro “destreinado” para
armazenar informações. As pessoas usam muitas mídias ao mesmo tempo, que
estimulam o prazer imediato. Isso é como destreinar o cérebro a ter uma leitura
mais longa e aprofundada. Muito provavelmente, as pessoas com queixas de
memória não estão conseguindo se concentrar em uma leitura. É como se o cérebro
estivesse sendo treinado a ter raciocínios mais curtos, e não mais densos”,
diz.
A especialista reforça que, se
nenhum desses fatores comportamentais estiverem presentes quando avaliamos o
que causa os lapsos de memória, é importante procurar uma avaliação adequada
para ver se não é uma questão mais profunda.
4 – Início da menopausa
A menopausa é marcada pela
última menstruação, que geralmente ocorre entre os 45 e 55 anos. Nessa fase, o
corpo da mulher passa a sofrer diversas mudanças hormonais e, entre os sintomas
mais clássicos, está, sem dúvida, o fogacho (ondas de calor). Mas eles não são
os únicos – os lapsos de memória e a falta de atenção também são sinais que se
manifestam mais frequentemente do que se imagina.
A queda nos níveis hormonais
se manifesta por meio de diversos sintomas físicos e mentais, incluindo os
transtornos cognitivos, com impacto na memória, na linguagem e até na
orientação de tempo e espaço. Chamados de “névoa mental”, esses sintomas
costumam permanecer por cerca de quatro anos.
“Durante a menopausa, as
mudanças hormonais podem afetar a memória em algumas mulheres. Por exemplo,
elas podem ficar mais dispersas e sem foco, esquecer as palavras no meio da
frase, ter dificuldades para lembrar o que ia dizer ou para concluir o raciocínio,
ter dificuldade em lembrar onde colocaram objetos, esquecer compromissos ou ter
problemas para se concentrar em tarefas mentais”, diz Piza, neurologista do
Einstein.
5 – Alimentação desregulada
Uma alimentação inadequada
também pode afetar a memória, uma vez que uma dieta pobre em nutrientes
essenciais, como vitaminas do complexo B, ácidos graxos ômega-3 e antioxidantes
são importantes para a saúde cerebral.
Somando-se a isso, dietas
ricas em alimentos ultraprocessados, gorduras saturadas e açúcares podem levar
a um estado crônico de inflamação no corpo, incluindo o cérebro. A inflamação
crônica está associada a danos nas células cerebrais e ao comprometimento da
função cognitiva, incluindo a memória.
“Os ácidos graxos ômega-3
presentes nos óleos de peixes, compostos polifenólicos (por exemplo,
flavonoides de cacau) e compostos antioxidantes (como as vitaminas A, C e E)
têm sido associados à melhora da memória. Entretanto, mais do que se focar em
um nutriente ou um produto alimentício único, a atenção deve estar direcionada
aos alimentos integrais e padrões alimentares. Em situações cotidianas, os
indivíduos consomem padrões dietéticos que envolvem interações complexas entre
os nutrientes. Assim, não adianta suplementar cápsulas de ômega-3 ou outra
vitamina específica e consumir frequentemente frituras e alimentos
ultraprocessados”, alerta a nutricionista Serena Del Favero, do Hospital
Israelita Albert Einstein.
6 – Déficit de Atenção e
Hiperatividade (TDAH)
De acordo com a neurologista
Piza, adultos com TDAH podem experimentar problemas de memória devido à
dificuldade em manter o foco e a atenção. Por exemplo, eles podem esquecer
compromissos, perder objetos com frequência e ter dificuldade em lembrar detalhes
de conversas recentes. Um exemplo seria uma pessoa com TDAH que constantemente
precisa fazer anotações para lembrar tarefas simples do cotidiano.
De acordo com o psiquiatra
Kanomata, no caso do TDAH, as falhas na memória decorrem do desvio da atenção
para onde a pessoa deveria estar focada. “Pessoas com TDAH têm frequentemente
dificuldade em manter a atenção ou prestar atenção em detalhes, se distraem com
facilidade. Consequentemente, a qualidade de como as informações são
registradas na memória é comprometida e, no momento da evocação dessas
memórias, se destacam esses lapsos”, explica.
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7 – Infecções prévias
Muitas pessoas que foram
infectadas pelo coronavírus passaram a relatar falta de concentração,
esquecimento e sensação de cansaço mental após a infecção. Segundo Piza, alguns
estudos sugerem que a infecção por covid-19 pode causar problemas cognitivos, incluindo
lapsos de memória, conhecidos como “mente nebulosa” e “névoa cerebral”. “Há
casos de pacientes que se recuperaram da covid-19 e relataram dificuldades em
lembrar palavras comuns, nomes de pessoas conhecidas e eventos recentes. Não se
sabe ao certo o mecanismo exato fisiopatológico que leva a esses episódios, mas
acredita-se que seja algo transitório”, diz.
Kanomata ressalta que qualquer
infecção que afete o sistema nervoso central – e não apenas a covid-19 – pode
levar a episódios com lapsos de memória. “Está bem reconhecido na literatura
que a infecção por covid-19 pode manifestar sintomas neuropsiquiátricos,
inclusive da memória, podendo persistir após a infecção aguda, sendo chamados
comumente de Covid longa. Desses casos, cerca de um terço acaba reportando
queixas com relação à memória de curto prazo”, afirma.
8 – Sinais de algo mais grave
(tumor, Alzheimer precoce)
De acordo com Piza, lapsos de
memória persistentes, especialmente quando acompanhados por outros sintomas
preocupantes ou déficits neurológicos associados, podem indicar condições mais
sérias que precisam ser avaliadas por um especialista.
“Esquecer o nome de uma pessoa
ocasionalmente é normal, mas esquecer nomes de pessoas conhecidas repetidamente
ou não reconhecer pessoas próximas pode ser um importante sinal de alerta. Além
disso, confusão mental, dificuldade em realizar tarefas simples do dia a dia e
mudanças na personalidade são sinais que devem ser avaliados por um médico
neurologista”, frisa.
Kanomata reforça que é
importante sempre investigar as possíveis causas dos esquecimentos frequentes.
“Na consulta, o médico investigará não somente a queixa de esquecimento, como
também outros sintomas que possam estar presentes. O conjunto deles pode
confluir para outros diagnósticos. Além do atendimento clínico, exames
complementares podem ser pedidos pelo médico para auxiliar no processo
investigativo”, diz.
O que fazer para prevenir?
De acordo com Kanomata, o
manejo do estresse pode ajudar muito a reduzir os lapsos de memória. Isso
inclui ter hábitos de vida saudáveis, entre eles evitar o consumo de álcool,
tabaco e drogas, realizar atividade física regularmente e manter uma alimentação
saudável. Além disso, outras estratégias são benéficas, como a meditação e a
acupuntura.
“Nos casos em que se perde o
equilíbrio entre estresse e saúde, é o momento em que podemos estar diante do
comprometimento de nossa saúde mental e a procura por profissionais
especializados deve ser indicada”, diz.
Piza destaca também que é
importante estabelecer algumas estratégias, como organização do tempo, técnicas
de relaxamento e cuidados com a saúde geral. Ela ressalta ser necessária
estimular o cérebro com atividades desafiadoras, como aprender um novo idioma,
praticar instrumentos musicais ou participar de jogos que envolvam o
raciocínio.
*Estadão
Terça-feira, 16 de abril 2024 às
11:46