Em
um extremo estão as ordens do governo. Todos poderiam ser obrigados a se
vacinar ou enfrentar punições severas. No outro extremo está o que Cass
Sunstein e eu chamamos de "cutucadas", na primeira edição de nosso
livro de 2008. Segundo nossa definição do termo, as cutucadas guiam gentilmente
as pessoas, sem exigências ou incentivos econômicos. Informá-las dos benefícios
da vacinação e facilitá-la ao máximo fazem parte dessa categoria.
Muitas
intervenções se encontram entre esses dois extremos. Podemos chamá-las de
empurrões.
Sabiamente
ou não, governos no mundo todo geralmente não exigem a vacinação de maneira
rígida e universal, apesar de todos os precedentes. Por exemplo, George
Washington inoculou suas tropas contra a varíola. Há muito tempo, alguns
estados norte-americanos exigem que os estudantes sejam vacinados contra uma
série de doenças.
No
início da vacinação contra a Covid-19, as cutucadas eram a ferramenta política
mais apropriada, já que as primeiras doses iam principalmente para quem
desejava se vacinar. Mas, a esta altura, as pessoas que ainda não se vacinaram
variam entre os céticos e os que se opõem fortemente à vacinação. Por isso,
chegou a hora de fazer mais do que cutucar.
O
caso do fumo fornece algumas lições úteis. Quando os perigos do tabagismo foram
bem estabelecidos e reconhecidos pelo governo no relatório de um cirurgião
geral de referência, em 1964, o cigarro não foi proibido. Os passos iniciais
para proteger a saúde pública envolveram a educação, que a indústria do tabaco
rebateu com campanhas de desinformação.
Com
isso, a sociedade deu passos mais rígidos. O governo federal e os estados
aumentaram a incidência de impostos sobre o cigarro, e a FDA, agência
norte-americana responsável pelo controle de alimentos e remédios, tornou os
rótulos de advertência nas embalagens cada vez mais gráficos. Além disso, novas
leis tornaram cada vez mais difícil fumar fora de casa. No entanto, mesmo com
todas essas medidas, um em cada sete americanos adultos ainda fuma. Mudar o
comportamento de milhões de pessoas é difícil, mesmo ao longo de décadas.
No
caso das vacinas contra a Covid, a sociedade não pode se dar ao luxo de esperar
décadas. Embora as vacinas estejam disponíveis e sejam gratuitas para todas as
pessoas com mais de 12 anos nos Estados Unidos, ainda existem muitos
obstáculos. Cerca de 40 por cento da população adulta não foi totalmente
vacinada, e cerca de um terço ainda não recebeu nem mesmo uma dose. É hora de
levar esse problema a sério.
Obviamente,
as campanhas de informação devem continuar a enfatizar a segurança e a eficácia
das vacinas, mas é importante direcionar as mensagens aos grupos mais
hesitantes. Ajudaria se a FDA dessa sua aprovação integral às vacinas, em vez
da atual aprovação apenas para uso emergencial. A aprovação total para o
medicamento da Pfizer pode se efetivar nas próximas semanas, mas o processo
para as outras vacinas está muito mais atrasado.
Uma
forma de aumentar a aceitação das vacinas seria oferecer incentivos em
dinheiro. Por exemplo, o presidente Joe Biden defendeu recentemente o pagamento
de US$ 100 para quem se vacinar.
Embora
essa política seja bem-intencionada, acredito que o país cometeria um erro se
resolvesse pagar aos cidadãos para ser vacinados. Em primeiro lugar, a quantia
pode ser considerada um indicador de quanto – ou quão pouco – o governo acha
que a vacina vale. Certamente, o valor da vacinação para a sociedade supera os
US$ 100 por pessoa.
Em
segundo lugar, parece cada vez mais provável que uma dose de reforço, ou mais,
seja necessária para que determinadas parcelas da população possam lidar com a
variante delta do coronavírus – e, talvez, com outras variantes também. Se isso
for preciso, não queremos que algumas pessoas deixem a vacina para depois, na
esperança de ser pagas. Novas doses da vacina já estão sendo aplicadas pelo
governo de Israel e estão em vários estágios de planejamento em vários países
europeus.
Um
modelo alternativo está sendo oferecido pela NFL, a Liga de Futebol Americano
dos EUA, que não exigiu que os jogadores fossem vacinados, mas está oferecendo
muitos incentivos. Os jogadores não vacinados devem ser testados diariamente,
devem estar mascarados e distantes dos companheiros de equipe durante os voos,
e têm de permanecer em seu quarto até o dia do jogo. Os jogadores vacinados com
teste positivo e assintomático podem retornar ao trabalho depois de dois testes
negativos com 24 horas de intervalo. Mas os jogadores não vacinados devem
passar por um período de isolamento de dez dias.
Esses
incentivos resultaram de um longo esforço para educar os jogadores sobre os
benefícios da vacina para si mesmos, seus familiares e outros jogadores. É
difícil dizer qual aspecto do plano da NFL deu mais certo, mas mais de 90 por
cento dos jogadores receberam pelo menos uma dose. O fato de que uma equipe pode
perder uma partida porque um jogador não vacinado não pode participar contribui
para criar uma dinâmica de grupo poderosa.
O
foco no trabalho em equipe também é destaque na generosa oferta da empresa
siderúrgica Cleveland-Cliffs aos seus empregados. Os funcionários vacinados
recebem um bônus, dependendo de quantos colegas de trabalho também se
vacinarem. A empresa pagará aos trabalhadores vacinados US$ 1.500 se 75 por
cento dos funcionários tomarem a inoculação, e US$ 3.000 se a proporção chegar
a 85 por cento. Esse foco nos índices de vacinação em grupo reforça a mensagem
de que todos se beneficiam se mais pessoas forem imunizadas.
Muitas
universidades e empresas como o Walmart, a Disney, o Google e o Uber exigem que
os funcionários sejam vacinados antes de retornar ao trabalho presencial. A
cidade de Nova York exigirá vacinas para restaurantes em locais fechados,
academias e outras atividades. Mas colocar essas políticas em prática é
desnecessariamente difícil, devido ao estado arcaico dos registros de vacinação
dos EUA.
Como
qualquer pessoa que tenha sido vacinada sabe, o cartão que se recebe para
documentar a vacinação se parece com um cartão de biblioteca manuscrito dos
anos 1950 e é grande demais para caber na carteira. É chocante usar aquele
pedaço de papel como documentação para vacinas criadas com a ciência do século
XXI.
Os
estados da Califórnia e de Nova York (e muitos países) mostraram que existe um
caminho melhor. A ideia é transformar as informações desse cartão em um
registro digital da vacina contra a Covid-19. O registro contém especificamente
nome, data de nascimento e histórico de vacinação. Essas informações são
capturadas em um código QR fácil de ser lido, e este pode ser armazenado em um
smartphone ou impresso.
É
importante ressaltar que Nova York e a Califórnia tornaram esse registro
digital uma opção para os cidadãos – não é obrigatório. Além disso, as
informações capturadas pelo código QR são apenas as que já estão no cartão de
papel. Os direitos ou a privacidade dos usuários não estão em risco.
Inicialmente,
as falhas foram inevitáveis, mas esses estados estão abrindo o caminho. No
entanto, podemos esperar que o governo dos EUA desempenhe pelo menos um papel
facilitador para que isso se realize. Muitas pessoas receberam doses da vacina
em mais de um estado, ou em um estado diferente daquele em que residem. Sem
coordenação federal, a criação de documentação eletrônica confiável entre
jurisdições será um grande problema de gerenciamento de banco de dados.
Não
ser vacinado em 2021 é semelhante a fumar em público, embora seja mais perigoso
neste momento. Os não vacinados estão colocando em risco a si próprios e
àqueles com quem entram em contato. Seria uma boa política pública se quem se
recusa a ser vacinado fosse obrigado a ficar mais tempo sozinho.
*New
York Times
Terça-feira,
17 de agosto, 2021 ás 13:22