Vitrines
do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), as obras de urbanização no
complexo de favelas do Alemão, na zona norte do Rio, foram superfaturadas em R$
139,5 milhões, aponta relatório de fiscalização preparado pela
Controladoria-Geral da União (CGU).
O
superfaturamento, segundo o documento, equivale a 24,47% do valor total
contratado para as obras: R$ 710 milhões. O valor inicial contratado foi de R$
493,3 milhões. Só o teleférico, símbolo do novo Alemão, teve o desvio,
identificado pela auditoria, de R$ 14,8 milhões.
Uma
das empreiteiras acusadas, a Construtora Norberto Odebrecht, negou ter cometido
ilegalidade. As demais negaram-se a comentar as denúncias ou não responderam ao
pedido de entrevista.
O
relatório, de 2013, foi anexado ao inquérito aberto no ano passado pela
Superintendência da Polícia Federal no Rio para investigar a prática de
sobrepreços nos contratos e suspeitas de fraude no processo de licitação. O
Ministério Público Federal abriu inquérito civil público para acompanhar a
apuração. Em nota, a PF informou que não comenta investigações em andamento.
A
auditoria encontrou valores superfaturados nas obras do teleférico, no
transporte de cargas, na destinação dos resíduos da construção civil, nas
demolições e nas obras de drenagem pluvial e esgoto sanitário. Também foram
verificados sobrepreços nos gastos com aluguel social, indenizações de
benfeitorias e compra de imóveis para quem teve de ser removido do Alemão. A
CGU detectou ainda a inserção indevida de despesas com impostos no custo final
da obra, o que gerou superfaturamento.
O
Complexo do Alemão é formado por 30 favelas onde vivem, segundo o Censo 2010 do
IBGE, 60,5 mil pessoas. As obras foram iniciadas em 2008, com a presença do
então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, na ocasião, apresentou a então
ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, como "a mãe de PAC". Na
inauguração do teleférico, em julho de 2011, já presidente, Dilma classificou o
sistema como símbolo máximo do programa.
Parâmetros
Os
valores pagos pelas obras foram inflados na Bonificação e Despesas Indiretas
(BDI), segundo o relatório. Trata-se de uma taxa, que inclui despesas com
impostos e o lucro do construtor, aplicada sobre o custo do empreendimento,
para chegar ao valor final da obra ou serviço. A CGU detectou porcentuais acima
dos parâmetros estabelecidos pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o que
resultou em pagamentos superfaturados.
O
teleférico teve superfaturamento de R$ 14,8 milhões - incluindo o sobrepreço de
R$ 4,7 milhões na instalação de estacas das fundações das cinco estações e das
torres que sustentam os cabos. O sobrepreço ocorreu pela não adoção do
porcentual de BDI diferenciado para a construção do sistema de transportes. A
Secretaria de Obras do Estado do Rio e o Consórcio Rio Melhor, formado pelas empreiteiras
Odebrecht, OAS e Delta, usaram porcentual de 29%. Para a CGU, o correto seria
12%, conforme exigência do TCU. A obra custou R$ 210 milhões, no total.
O
teleférico está no centro da investigação sobre o suposto conluio entre as
empresas que venceram a licitação, em 2008. A PF apura se o Consórcio Rio
Melhor e os consórcios concorrentes Manguinhos e Novos Tempos, liderados pelas
construtoras Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão, respectivamente, trocaram
documentos entre si. As empresas são acusadas de formar cartel em obras da
Petrobras.
A
Construcap, firma que participou da concorrência, denunciou suposto
direcionamento do processo e acerto prévio. O Consórcio Manguinhos venceu a
licitação para o PAC da favela do mesmo nome, na zona norte. O Novos Tempos
ficou com a Rocinha, favela na zona sul da capital fluminense. O delegado
Helcio Assenheimer pediu ajuda à Operação Lava Jato, que investiga a atuação
das empreiteiras e do governo federal em obras e licitações.
Construtoras
A
empreiteira Odebrecht afirmou que não cometeu ilegalidade. "A Odebrecht
nega a participação em qualquer ação ilícita", disse em nota. Procuradas,
a Queiroz Galvão e a Andrade Gutierrez também informaram que não comentariam a
investigação. A OAS e a Delta, que faziam parte do consórcio que realizou obras
de urbanização no Complexo do Alemão, não responderam aos e-mails enviados da
reportagem.
Em
nota, a CGU disse que os trabalhos ainda estão em andamento e por isso não se
manifestará sobre o relatório. O documento foi enviado ao Ministério das
Cidades, que não se pronunciou sobre as suspeitas de desvio. Na semana passada,
o ministério afirmou apoiar a apuração de qualquer suspeita. A Secretaria de
Obras do Estado do Rio não respondeu à reportagem.
Foram
roubados quase R$ 15 milhões somente na compra e instalação do teleférico.
(Foto: Agência Brasil)
Terça-feira, 02 de fevereiro, 2016