O Estado de S.Paulo
Nem é preciso
fazer escavações profundas. Arranhe-se apenas a superfície do sistema petista
de poder e, certo como a noite que se segue ao dia, se encontrará um escândalo,
uma maracutaia, uma armação, uma negociata, um vexame, um ato mal explicado ou
inexplicável à luz da ética pública. E não se diga que é intriga da oposição em
ano eleitoral.
Para
ficar apenas na safra da semana, ora é uma auditoria da Petrobrás que afirma
que em 5 de fevereiro de 2010 alguém foi autorizado verbalmente a sacar US$ 10
milhões de uma conta da Refinaria de Pasadena, na qual a empresa ainda tinha
como sócia a Astra Oil. A revelação foi publicada pelo Globo. Quem autorizou,
quem sacou, o porquê do saque e o que foi feito com a bolada, isso a Petrobrás
não conta. Diz, burocraticamente, que o procedimento seria "uma atividade
usual de trading" e nele "não foram constatadas quaisquer
irregularidades".
Ora,
para variar, são as sucessivas apurações da Polícia Federal (PF) sobre a
amplitude da rede de conveniência recíproca em que se situam as ligações do
deputado André Vargas, do PT paranaense, com o doleiro Alberto Youssef. O
cambista foi preso no curso da Operação Lava Jato, que expôs um esquema de
branqueamento de dinheiro, por ele comandado, da ordem de R$ 10 bilhões. O
monitoramento, com autorização judicial, das comunicações do já agora réu Youssef
trouxe à tona uma história de tráfico de influência que reduz a mera nota de
rodapé o pedido de Vargas ao parceiro para que lhe arranjasse um jatinho para
levá-lo numa viagem de férias ao Nordeste - descoberto, o favor custou ao
favorecido o cargo de vice-presidente da Câmara, ao qual teve de renunciar.
A
traficância, essa sim, era coisa graúda. Prometendo a Vargas que, se fizesse a
parte dele, os dois conquistariam a "independência financeira" -
palavras textuais do doleiro captadas pela PF -, ele acionou o deputado para
que o Ministério da Saúde, então chefiado pelo também petista Alexandre
Padilha, contratasse com o laboratório Labogen, de que Youssef é controlador
oculto, o fornecimento de uma partida de medicamentos contra a hipertensão. O
negócio renderia R$ 31 milhões em cinco anos. Quando a tratativa foi noticiada
pela Folha de S.Paulo, Padilha imediatamente tirou o time de campo. Deu-se o
dito pelo não dito, nenhum contrato foi assinado, nenhum real desembolsado.
Mas
Padilha, pré-candidato ao governo paulista, era muito mais do que, digamos, o
polo passivo do arranjo. Relatório da PF praticamente sustenta que, em novembro
passado, ele ofereceu a Vargas um nome para dirigir o Labogen. Numa mensagem de
celular lida pelos federais, o deputado identifica o apadrinhado para o doleiro
e lhe dá o número de seu telefone, antes de arrematar: "Foi Padilha que
indicou". Dois dias antes, Vargas tinha escrito a Youssef: "Falei com
Pad agora e ele vai marcar uma agenda comigo". Naturalmente a PF não pode
afirmar com todas as letras de que Padilha, ou Pad, se tratava. Mas quem mais
poderia ser?
Afinal,
o indicado pelo interlocutor de ambos para ser o executivo da Labogen, Marcus
Cezar Ferreira de Moura, o Marcão, tinha sido nomeado pelo ministro, em 2011,
coordenador de promoção e eventos da Saúde. No ano anterior, ele trabalhara na
reta final da campanha de Dilma Rousseff. Só achando que o ministro era um
rematado nefelibata, o suprassumo da ingenuidade, para imaginar que ele
considerasse o Labogen um laboratório sério. A sua folha de pagamento não soma
mais do que R$ 28 mil. A polícia apurou que foi uma das firmas de fachada
usadas por Youssef para remeter ilegalmente ao exterior US$ 444,7 milhões.
Vargas,
a PF também averiguou, não é o único petista das relações do doleiro. Outros
citados, por ora, são os deputados Cândido Vaccarezza e Vicente Cândido, de São
Paulo. Um admite ter se encontrado com o cambista no prédio onde ele e Vargas
moram. O outro diz que o conheceu - em Cuba, ora vejam - em 2008 ou 2009. Em suma,
formam todos uma grande família com parentes de sangue e por afinidade que às
vezes brigam, mas em geral se ajudam a conseguir poder, prestígio e riqueza. Há
mais de dez anos o solar da família fica em Brasília. Na sua fachada se lê:
"Tudo pelo social".
26 de abril de 2014 | 2h 04