Qual
será, para o campo progressista, o custo político de assumir o protagonismo de
um eventual processo de impedimento de Jair Bolsonaro?
Não
foram poucas as vezes na história recente do capitalismo que o fascismo
apareceu como resposta para suas piores crises. Se relembramos Naffah Neto,
psicanalista brasileiro, crueldade, fascismo e capitalismo se interlaçam
constantemente, gerando as sociedades dos excluídos. No Brasil contemporâneo, o
“bolsonarismo” é apenas o efeito da crise atual e não sua causa. Ou, de outra
maneira, Bolsonaro é a retificação de duas crueldades: o neoliberalismo e o
racismo.
Na
verdade, qual será, para o campo progressista, o custo político de assumir o
protagonismo de um eventual processo de impedimento de Jair Bolsonaro? E se as
esquerdas estabelecerem uma aliança com o Centrão, não serão descartadas em
seguida? Uma outra pergunta ainda mais fundamental precisa ser feita: até que
ponto o remédio do impeachment contribuirá para a cura do sintoma, mas em nada
alterará a doença que lhe deu causa? Vamos trocar um fascismo “molambo” por um
fascismo “personnalité”?
Optar
pelo General Mourão, dando-lhe legitimidade, é a primeira consequência política
de um pedido de impeachment. Fortalecer a figura deletéria de Sergio Moro seria
a consequência seguinte, pois o ex-juiz retirou-se do governo porque rompeu
politicamente com o presidente da república. Mas o fundamental é que com isso
vamos tratar uma crise estrutural como se conjuntural fosse. Ou, por acaso,
alguém imagina que o racismo e o neoliberalismo serão enfrentados se
conseguirmos derrubar Jair Bolsonaro?
O
Brasil tem uma longa e conhecida história de conciliações. Se olharmos apenas
para as últimas décadas, vamos encontrar os militares integrando a aliança que
deu origem ao movimento da “nova república”, cujo ápice é a promulgação da
Constituição de 1988. Saímos da ditadura militar por intermédio de uma
transição por transação, e foram poucos os que queriam cobrar a conta pela
miséria e pela violência do autoritarismo imposto pelas forças militares ao
país.
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, depois de três tentativas fracassadas de
chegar à presidência da república, igualmente apontou para a conciliação quando
escreveu a “carta aos brasileiros”, anunciando não apenas uma “vasta coalizão
suprapartidária”, como também uma “ampla negociação nacional”. A conciliação
está tão impregnada em nossa cultura política que qualquer movimento contrário
– em todos os níveis de nossas relações sociais – parece deflagrar um pânico
que a todos paralisa.
Uma
eventual conciliação entre as forças progressistas, especialmente o Partido dos
Trabalhadores, com os atores que ilegalmente apearam a presidenta Dilma
Rousseff do poder talvez não seja a melhor alternativa política para a
contenção do bolsonarismo. O argumento contrário aponta na direção de que agora
há efetivamente crimes de responsabilidade a justificar o impedimento. Mas,
lembrando Luiz Gama, o direito “jamais será a salvação, mas apenas um
instrumento estratégico na luta pela libertação”. De resto, entregar a condução
do país ao General Mourão seria gastar energia política em uma luta cuja
vitória teria apenas um efeito lampedusa, mudando tudo para que tudo permaneça
como está.
De
outra parte, as forças progressistas não têm responsabilidade política em
relação ao surgimento do bolsonarismo. O Poder Judiciário, a grande mídia
corporativa e as elites econômicas alheias à soberania nacional foram os
grandes responsáveis pela criminalização da política no Brasil, pelo
lavajatismo e pelo antipetismo, caldos de cultura que deram origem ao
bolsonarismo. Se essas forças políticas não tiveram competência para construir
uma candidatura viável no campo da direita, e optaram por aceitar Jair
Bolsonaro e sua turma perversa, por que razão as forças progressistas estão
obrigadas a ajudá-los no combate ao mal? Ou vamos nos esquecer de que “quem
pariu Mateus que o embale”?
Não
se trata de abandonar o direito, mas sim ter em mente que problemas estruturais
demandam soluções estruturais. Ao invés de tentar construir diques para conter
ondas neoliberais que não param de crescer, talvez tenha chegado a hora de
mergulhar no mar para entender os mecanismos que geram estas ondas aqui no
Brasil: a exclusão e o racismo. Precisamos voltar nossa energia política para
as bases e com elas discutir quais os processos de produção que determinam a
democracia em nosso país, porque ater-se a isso significa pensar na base
material a partir da qual as grandes disputas são feitas e onde o direito ganha
o seu sentido mais concreto.
É
preciso compreender o que está na origem da decisão democrática de uma maioria
eleitoral que opta livremente por um presidente racista e demofóbico. Se, para
além disso, esse presidente inculto, perverso e autoritário não entrega o que
prometeu para as forças que viabilizaram sua chegada ao poder, a cobrança de
tal inadimplência não pode ser tarefa senão das elites políticas por ele
responsáveis.
Agregue-se
a isso que o ambiente político atual é de reforço do lavajatismo, o que se
observa, por exemplo, na decisão ilegal do Ministro Alexandre Moraes que
suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem para a chefia da Polícia Federal, bem
como pela reedição da parceria antirrepublicana entre a Globo e Sérgio Moro.
A
pandemia, com seus milhares de mortos, e a crise econômica dela decorrente
darão cabo de Jair Bolsonaro. Portanto, não precisamos – e nem devemos – nos
unir ao Centrão. Unamo-nos à classe trabalhadora e voltemos às bases!
Por
fim, ressaltamos que não é o momento de colocar o direito na frente da
política, sem uma estratégia, sob pena de correr o risco de reforçar o
lavajatismo e transformar Sérgio Moro no pivô do impeachment. A grande mídia
corporativa já transformou o ex-Ministro da Justiça em herói nacional no
passado recente. Não fará bem à democracia brasileira se esse filme for
reeditado. (Carta Capital)
Terça-feira,
05 de maio, 2020 ás 17:30