Liberdade de expressão

“É fácil submeter povos livres: basta retirar – lhes o direito de expressão”. Marechal Manoel Luís Osório, Marquês do Erval -15 de abril de 1866

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26 março, 2022

A ESBÓRNIA DO BOLSOLÃO

Era a mensagem do Messias, a palavra da salvação: “eu dirijo a Nação para o lado que os senhores desejarem”, pregou Jair Bolsonaro, dias atrás, em alto e bom som, chegando até às lágrimas – talvez se imaginando em uma última ceia de confraternização – ao lado de um grupo de 24 pastores de diversas Igrejas.

 

Curiosamente o dobro exato (quem sabe, para mostrar mais poderio) dos 12 apóstolos bíblicos a seguir Jesus crucificado, como contam as Escrituras Sagradas. E a profecia se fez realidade com a multiplicação dos recursos ao rebanho dos fiéis discípulos.

 

Era a graça divina do Planalto sendo espalhada entre os crentes obreiros da reeleição. Dias depois, o segredo do “milagre” do “mito” reencarnado vinha a conhecimento do grande público. Ele havia ordenado ao seu ministro da Educação, o religioso pastor fundamentalista Milton Ribeiro, que abrisse o cofre da pasta – nem que para tanto fosse necessário desmantelá-la – com o objetivo de atender às demandas do pregador presbiteriano Gilmar Santos, com a bênção da bancada da Bíblia e a proteção divina DELE em pessoa, o mandatário-candidato.

 

A esbórnia estava consagrada. Não foram precisos maiores sacrifícios, entregue em troca apenas o apoio nas urnas dos líderes dos templos. Os cordeiros do obscurantismo bolsonarista, orientados por Santos, faziam fila na porta do Ministério para ganhar seu quinhão. Fruto de dinheiro público, angariado do trabalho suado e sacrificado do contribuinte, que nada levava de benefício pela farra, diga-se de passagem. Era desvio na veia, sem subterfúgios, confessado em um rompante de sinceridade pelo próprio ministro Ribeiro, no altar de cerimônias com prefeitos aliados.

 

E ele falou de cara lavada, letra por letra, do escândalo em curso: foi Jair MESSIAS Bolsonaro quem ordenou. O Bolsolão tomava forma da maneira mais explícita possível. Não existiam dúvidas restantes, vez que o esquema de pagamentos era concebido e testemunhado pelo próprio autor da façanha em gravação aberta.

 

 Na homilia de transgressões e malversações do governo, que se autoproclama “incorruptível”, quantas provas mais de “milagres” assim serão necessários para dirimir a desconfiança sobre seus malfeitos? O arauto da boa nova, Gilmar Santos, escolhido pelo presidente, se apresenta como responsável por uma tal de Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus.

 

 É unha e carne, chapa mesmo, de Ribeiro. Foi recebido, fora da agenda oficial e sem cerimônia, diretamente pelo “mito” em, ao menos, quatro ocasiões, para reuniões fechadas no Palácio do Governo. O que trataram? Como organizaram tudo? É ainda segredo guardado naquele confessionário federal. O certo é que Messias pecou.

 

Mais uma vez. Depois das tramoias com recursos da União em um imoral orçamento secreto, de prevaricar escondendo informações de superfaturamento na compra de vacinas e após o notório laranjal familiar, montou seu propinoduto particular, voltado aos religiosos de sua seita. Sem punições? Sem reprimendas? Difícil esperar algo a mais nesse sentido de um Congresso cooptado.

 

E o que dizer do conceito de Estado laico, previsto na Constituição, jogado às calendas por esse Messias? Confrontar, afrontar e ignorar a Carta Magna sempre foi a sua especialidade. Bolsonaro usa o nome de Deus em vão para cinicamente angariar adeptos à causa pessoal de poder.

 

Com um discurso reacionário, espoliador e regido à base de uma desfaçatez sem limites, diz que zela pelo dinheiro público. Os eleitores estão vendo bem como ele realiza a façanha. Em proveito próprio. E o faz de diversas maneiras, recorrendo a variados estratagemas.

 

A CPI da Covid já tinha identificado esquema parecido no Ministério da Saúde. Na pasta do Turismo, outro desvio foi pilhado em flagrante. Bolsonaro mostra-se um intrépido e fervoroso adepto do fundamentalismo de resultados. Reside nesse evangelho o mandamento da gestão que implantou.

 

Quanto aos pastores, imbuídos de um prestígio ainda superior ao dos parlamentares para saquear as finanças públicas, sob a consagração divina do Messias do Planalto, chegaram a cobrar o peso do prêmio em ouro para concederem a liberação da bufunfa do MEC, segundo consta na denúncia de intermediadores. Ali mandavam e desmandavam, tal e qual operadores de um gabinete paralelo, informal.

 

Quem há de coibir a profissão de fé dos escolhidos do capitão? Nem a PF, nem o Ministério Público, muito menos o Legislativo — controlados e tomados de assalto pelos missionários para brecar o sistema de investigação das irregularidades latentes.

 

Ribeiro, no contexto, é dos mais dadivosos e obedientes subordinados do “mito”. Prega um retrocesso ideológico sem precedentes no ensino brasileiro. Foi capaz de defender que as universidades deveriam ficar mesmo “para poucos”. Reclamou que “há crianças com deficiência de impossível convivência nos colégios” e procurou emplacar a todo custo o que o governo chama de “escola sem partido” — algo que, na prática, a partir dos esquemas desvendados, acabou se revelando como verdadeiro antro, concebido no mais ignóbil figurino de escola COM partido.

 

Sabe-se, hoje, o Ministério da Educação converteu-se em aparelho do crime organizado, militando sob as preces de venais cupinchas do presidente. Está manietado, submetido ao proselitismo político, contaminado pela podridão dos interesses escusos, distribuindo postos-chaves à corriola do Centrão – naturalmente a mando superior –, maquinando subtrações na compra de material didático e escorraçando princípios elementares e civilizatórios do aprendizado como o da igualdade de gênero e da ampla convivência democrática.

 

Milton Ribeiro deveria bater em retirada do MEC o quanto antes. Urgentemente. Mas não só ele. O maior nome do problema é, na essência, o de Jair Bolsonaro. Protagonista de uma administração que apodreceu precocemente (quase na largada), com um carnaval de delitos e pedidos de impeachment a perder de vista, era para ter sido apeado do cargo há muito tempo.

 

A sua passagem pelo poder vem gerando encrencas e descalabros aos montes, que deixarão marcas profundas e um Brasil em calamidade por gerações a fio. Não há como ser resiliente ou indulgente com tamanho tráfico de influência, e de roubo mesmo, plantado no coração do aparato educacional do País.

 

 O que vamos ensinar desse jeito aos nossos filhos? É um vexame a distribuição ilegal de verbas como vem ocorrendo. Operações gravíssimas estão acontecendo. Religiosos sem cargos no aparato federal participando de inúmeras reuniões de Estado. Liberações e empenhos de milhões de reais para “atendimento especial” aos amiguinhos do presidente da República.

 

 Um circuito paralelo de “fast track” para saques na boca do caixa, corrompendo em busca de apoios de campanha. O apetite dos pastores do apocalipse nesse bacanal, a facilitação concedida a eles e os ganhos transversais do Messias constituem o pior dos mundos. O PGR, tal qual um Pilatos, tentou lavar as mãos diante da pilhagem. Desejava inocentar, mais uma vez, o Messias idolatrado e crucificar os inocentes contribuintes. Não conseguiu. Foi pressionado a abrir investigações. Levará o processo a bom termo? Resta rezar: “Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós! Dai-nos a paz!”.

 

Revista IstoÉ

Sábado, 26 de março 2022 às 12:10