Nas
últimas semanas, as autoridades brasileiras debocharam além dos limites. Cada
dia a população tem nova surpresa.
O
presidente da Câmara oferece aos deputados o direito de custearem viagens de
suas esposas com recursos públicos e apresenta o projeto para um novo edifício
ao custo de R$ 1 bilhão; um juiz é fotografado dirigindo o carro de luxo de um
réu; uma escola de samba ganha o título graças a financiamento de um ditador
estrangeiro; a presidente da República coloca a culpa da degradação da
Petrobras no antecessor que deixou o governo há 12 anos; outro ex-presidente
ameaça colocar um exército na rua; o ministro da Justiça recebe advogados de
réus do maior caso de corrupção da história; o ministro da Fazenda adota
medidas totalmente opostas às promessas de campanha da candidata; o governo
adota o slogan “Pátria educadora” mas corta parte importante do orçamento para
a educação; as tarifas de eletricidade reduzidas no período eleitoral são
substancialmente elevadas logo depois da eleição, o mesmo acontecendo com os
preços dos combustíveis.
Como
se esses deboches ativos não bastassem, a classe política se comporta com um
generalizado deboche passivo: não reconhece a dimensão da crise, não debate
suas causas nem aponta caminhos para reorientar o rumo do Brasil.
A
sensação é de que a política está doente: não ouve, não vê, nem raciocina.
Não
ouve as vozes do futuro chamando o Brasil para um tempo radicalmente diferente,
em que a economia deverá ser baseada no conhecimento, produzindo bens de alta
tecnologia; em que a principal infraestrutura deverá ser educação, ciência e
tecnologia. Não ouve as vozes do exterior que mostram que não há futuro isolado
e que precisamos agir para ingressar no mundo da competitividade internacional,
na convivência econômica e cultural com o mundo global. E, pior, não ouve o
clamor das ruas que indicam a necessidade de romper com os vícios do presente e
reorientar o rumo para um futuro com economia dinâmica e integrada, e uma
sociedade harmônica e sustentável.
A
política tampouco vê as dívidas que os políticos têm com o país: com os pobres
sem chance, com as crianças sem futuro e os jovens sem emprego; com a natureza
depredada; a dívida decorrente da corrupção generalizada. Ao não reconhecer
suas dívidas, a classe política não vê a raiva que está nas ruas.
Tudo
isso leva a um comportamento esquizofrênico, pelo qual, de tanto vender
ilusões, o governo e seus partidos passam a acreditar nelas. E os demais
políticos se acostumam a elas.
Talvez
esta seja a explicação para o deboche: não vemos, não ouvimos, nem pensamos.
Até que o fim da paciência do povo nos desperte. Mas o custo poderá ser muito alto
para a democracia, para a eficiência econômica, para a harmonia social e a
sustentabilidade ecológica. Salvo se o despertar vier antes, com a descoberta
de que o deboche é muito perigoso, como percebeu o presidente da Câmara,
forçado a voltar atrás em sua decisão inicial.
CRISTOVAM BUARQUE
Sábado,07
de março, 2015
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