Quando
se fala em acabar com a corrupção no Brasil, muita gente lembra do exemplo
frustrante da Itália: por lá, a grande operação que inspirou a Lava Jato
brasileira investigou centenas de políticos e empresários, mas não conseguiu
eliminar o problema.
Olhando
para exemplos de outros países, especialistas na área dizem que é mesmo
impossível acabar totalmente com a corrupção. Mesmo nos países nórdicos, que
costumam ocupar o topo dos rankings de menos corruptos, há pagamentos de
propina em troca de vantagens.
"Lutar
contra a corrupção é como se recuperar de um vício. Você nunca se recupera
totalmente", diz Dan Hough, especialista em combate à corrupção da
Universidade de Sussex, na Inglaterra.
"Se
você é alcoólatra, sempre será alcoólatra. A questão é: como você diminui os
efeitos do seu problema?", questiona ele. Hough acredita ser possível
reduzir a prática identificando o tipo de corrupção que se quer combater.
No
escândalo da Petrobras e da Lava Jato, por exemplo, ele identifica o problema
central como sendo a falta de transparência em contratos públicos. Outros
exemplos de tipos de corrupção podem ser pequenos subornos no dia a dia e
financiamento ilegal de campanhas.
Robert
Klitgaard, especialista em corrupção da Universidade Claremont, nos EUA, diz, em
um relatório feito para a OCDE, que no combate ao problema "o sucesso é
sempre incompleto, e o risco da corrupção ressurgir sempre é uma ameaça".
A
exemplo de Hough, Klitgaard acredita que, apesar de não ser possível acabar
totalmente com a corrupção, há casos de iniciativas que conseguiram bons
resultados e podem servir de exemplo a outros países.
Mas
que iniciativas seriam essas? Abaixo, a BBC Brasil reúne quatro exemplos de
estratégias usadas em países e territórios diferentes que conseguiram reduzir a
corrupção.
1)
Hong Kong
O
caso de Hong Kong é considerado modelo no combate à corrupção.
No
anos 1970, o então território britânico vivia uma situação de corrupção
sistêmica, que envolvia o governo local, o sistema de Justiça, empresas e a
própria população, com pagamento de pequenas propinas e outras formas de
corrupção. Parte do esquema era controlado pelo crime organizado.
A
gota d'água veio quando o então chefe de polícia, Peter Godber, fugiu da cidade
ao ser acusado de corrupção.
Sua
fuga e a corrupção disseminada no governo geraram uma onda de protestos que, em
1974, resultou na criação de uma Comissão Independente Contra a Corrupção, com
uma equipe bem treinada e bem paga.
Segundo
um relatório do centro de pesquisas anticorrupção U4 em parceira com a
Transparência Internacional, o sucesso dessa comissão se deve, em parte, ao
fato de ela ter se focado não apenas em punição, mas também em educação e
prevenção.
A
agência atuava até em jardins de infância, mostrando às crianças histórias em
que o personagem honesto sempre vencia. A ideia era ensinar valores, e não
leis.
As
pessoas eram encorajadas a não tolerar a corrupção e fazer denúncias
pessoalmente, sem usar anonimato. Hoje, 70% das denúncias feitas no país não
são anônimas, de acordo com a agência. Com isso, diz, é mais fácil levar as
investigações adiante.
Outros
fatores que explicam essa história de sucesso: uma forte vontade política, a
independência da agência, um alto nível de recursos (tanto financeiros quantos
humanos) alocados na agência e um sistema de Justiça eficaz e independente.
Além
disso, a agência tem poderes especiais: tem acesso a contas bancárias, pode
exigir que testemunhas deponham sob juramento e confiscar propriedades e
documentos de viagem.
Também
há forte apoio legislativo e um sistema de leis que cobre vários tipos de
corrupção, tanto no setor público quanto no setor privado. No Brasil, por
exemplo, o enriquecimento ilícito não é crime ─ o que, segundo promotores,
dificulta muita a punição de suspeitos.
A
má notícia é que, segundo especialistas, a experiência de Hong Kong não é facilmente
replicável em outros países, já que é muito difícil juntar todas essas
condições que existiam ali naquele momento específico.
2)
Filipinas
O
caso das Filipinas é estudado por Klitgaard em um relatório sobre combate à
corrupção para a OCDE .
Em
junho de 2010, Benigno Aquino III foi eleito presidente com o slogan
"Quando ninguém for corrupto, ninguém será pobre".
Naquele
momento, as Filipinas enfrentavam um problema de corrupção sistêmica: eram o
133º colocado entre 178 países no ranking de percepção de corrupção da
Transparência Internacional. Em uma escala de zero a 10, em que 10 significa
menos corrupto, a nota das Filipinas era 2,4.
O
caso virou modelo para o pesquisador mais pela forma direta como o governo
abordou o problema do que pelas medidas implementadas em si.
Semanas
após a eleição, foi feita uma grande reunião com ministros e outros integrantes
do alto escalão do governo que seguiu o modelo de um estudo de caso de uma
business school ─ escola de negócios.
Eles
analisaram uma história de sucesso de outro país, modelos teóricos sobre
corrupção, custos e trabalharam para identificar exatamente qual tipo de
corrupção deveriam combater.
Naquela
mesma tarde, o governo já tinha uma plano de ação, o que chama atenção, pois
normalmente propostas do tipo demoram semanas ou até meses para ficarem
prontas.
O
plano incluía um foco principal na identificação e punição de grandes
corruptos, em vez de "peixes pequenos" ─ a ex-presidente do país,
Gloria Arroyo, por exemplo, foi presa por fraude eleitoral pouco depois, em
2012.
Também
incluía uma grande estratégia para permitir e convencer cidadãos a dar notas
para medir o desempenho de agências do governo, um acompanhamento feito de
perto e que se mostrou eficiente para reduzir pagamentos de suborno.
O
programa também incluía novas parcerias com a sociedade civil e empresários,
reformas radicais na formulação do orçamento, que deixaram o processo mais
transparente, e aumento da coordenação entre agências do governo.
Com
isso, o país passou da posição 133 para 94 no ranking da Transparência e foi
descrito pelo Fórum Econômico Mundial como "o país que mais melhorou"
em competitividade global. As taxas de investimento também aumentaram.
Mas
Klitgaard nota que ainda há muito a avançar no país: a percepção de corrupção
ainda é alta e, em 2014, o então presidente Aquino foi acusado de abuso de
poder.
Especialistas
dizem que a cruzada anticorrupção funcionou mais com nos setores públicos que
prestam serviços burocráticos do que realmente no nível dos políticos.
"Mas
o progresso é palpável. Mesmo em um país com corrupção sistêmica, a melhora é
possível, com benefícios políticos e econômicos significativos", escreve
Klitgaard.
3)
Índia
O
professor da Universidade de Sussex Dan Hough diz que, na Índia, um dos grandes
problemas era a corrupção do dia a dia, que tem no pagamento de pequenas
propinas sua face mais visível.
Na
país, é costume pagar suborno para tudo: obter carteira de habilitação,
conseguir ligação à rede de água, fazer o registro de um imóvel e até para
atestado de óbito, dizem ativistas.
Para
combater isso, dois ativistas criaram o site "I Paid Bribe" (Eu
paguei propina), que permite que as pessoas denunciem anonimamente o pagamento
de subornos.
O
site também permite que usuários deem conselhos sobre como evitar pagar
subornos ─pedir o carimbo e nome do agente que diz que faltam documentos para
algum processo burocrático e que isso pode ser resolvido com um
"cafezinho", por exemplo.
Com
o grande número de denúncias feitas sobre as provas para conseguir permissão
para dirigir, por exemplo, o governo acabou tomando uma atitude mais drástica:
acabou com os examinadores.
No
primeiro centro automatizado para testes de direção, aberto em Bangalore em
2011, os candidatos a motoristas precisam andar por uma pista cheia de sensores
que determinam seu desempenho. A prova sobre legislação é feita em um
computador.
"A
genialidade deste site é que ele permite identificar qual é o problema
específico e criar políticas específicas para isso", diz Hough.
Mas,
como todos os outros, a Índia ainda tem muito a avançar: está em 76ª no ranking
da Transparência Internacional.
4)
Geórgia
Parece
uma anedota, mas na Geórgia era comum que as pessoas pagassem subornos para
conseguir emprego de policial rodoviário. Qual era a primeira coisa que faziam
quando saíam às ruas? Cobrar propina de todo mundo para compensar o gasto.
"Todo mundo" incluía até pedestres.
Este
exemplo também é citado por Hough e várias organizações, como a Transparência
Internacional.
Na
Geórgia, segundo especialistas, imperava uma cultura do "jeitinho",
ligada à razões históricas: sendo um pequeno país no meio de grandes impérios,
a população se orgulhava de conseguir contornar os poderes estabelecidos.
Mas,
aos poucos, os georgianos começaram a achar que as coisas passaram dos limites
e, em 2003, teve início a chamada "Revolução Rosa", que tirou o
presidente do cargo.
O
novo presidente, Mikheil Saakashvili, foi eleito com uma plataforma de combate
à corrupção e promoção da transparência.
A
transparência chegou a ser literal: as delegacias da antiga e corrupta polícia
rodoviária são hoje feitas de vidro, para que todos vejam o que se passa lá
dentro.
Antiga
porque aquela força policial foi toda substituída: 16 mil agentes foram
demitidos da noite para o dia. Os novos policiais recebiam mais e eram
monitorados para que não recebessem subornos.
A
transparência também chegou às contas públicas. As licitações do governo agora
são todas feitas em uma plataforma online pública ─ o que facilita o controle
externo.
Segundo
Hough, a Geórgia é um exemplo de país que tinha problemas com
"transparência" ─ o que, para ele, se assemelha à situação do Brasil.
"Se
você tem transparência para saber quem ganha contratos do governo, como isso
foi feito, quanto eles pagaram, quem está no conselho dessas empresas, fica
mais difícil usar o sistema a seu favor", diz Hough.
Em
2010, a Transparência Internacional classificou a Geórgia como o país de melhor
desempenho em termos de redução relativa da corrupção. No ano passado, a
Geórgia ficou no 48º no ranking mundial de percepção da corrupção.
"Os
desafios permanecem na Geórgia. A corrupção na Justiça ainda é um problema, e
estão surgindo mais acusações de favoritimos no alto escalão. Após deixar o
cargo, o presidente Saakashvili foi acusado de abuso de poder ─ inclusive na
luta contra a corrupção", diz o relatório de Klitgaard. (A/E)
Domingo,
10 de julho, 2016