Mesmo no auge da pandemia da Covid, quando o uso de máscara protetora em locais fechados ou ao ar livre era exigido por decreto, muita gente não a utilizou no Brasil — uns por mera falta de autoestima; outros por dificuldade cognitiva de entender a importância da precaução; e um terceiro e ruidoso grupo que preferiu optar pela ignorante teoria do negacionismo. Finalmente, o índice de óbitos e internações diminuiu sensivelmente com a vacinação, e autoridades políticas e sanitárias aboliram a necessidade dessa forma de proteção nas cidades brasileiras — algumas conservaram a obrigatoriedade somente em locais fechados. Há, no entanto, um número considerável de pessoas que não pretendem, de forma alguma, andar com a boca e o nariz descobertos. “Para mim, a máscara veio para ficar”, diz a dona de casa Karla Catiari Justo. “Hoje eu a uso com a maior naturalidade e, sem ela, me sinto desprotegida e vulnerável. Até minha filhinha tem máscara”. Existe quem se sinta inseguro, mas há aqueles que simplesmente se acostumaram e, agora, passados cerca de dois anos, as colocam como uma peça normal do vestuário. “Faz parte da composição do meu novo visual”, diz a farmacêutica Juliana Turco Federico, praticante de beach tênis.
Para se ficar no campo da saúde, pode-se fazer uma comparação: antes que o HIV se tornasse conhecido em meados da década de 1980, ninguém fazia sexo casual com preservativo porque não o carregava na bolsa ou no bolso. Hoje se dá o contrário: a maioria dos homens e das mulheres se vale dele. É possível argumentar que o HIV e demais doenças sexualmente transmissíveis estão circulando normalmente, e que o coronavírus deu uma grande arrefecida. Não importa. O fato é que para muitos brasileiros a máscara virou fator essencial de saúde. “É como preservativo, o seu uso para mim não tem discussão. Eu uso máscara e vou continuar usando”, diz a odontóloga Marília Santos Silva. “Muitos brasileiros criaram a consciência de cuidar de si e dos outros”, afirma o especialista em Relações Internacionais e professor da PUC do Paraná, Masimo Bella Justina. “Na Inglaterra não há lei para tudo, as pessoas se conscientizam daquilo que é certo e colocam em prática. Muitos brasileiros continuarão a usar as máscaras protetoras porque criaram um sentido de comunidade e de cuidado de um com o outro”.
Quando a OMS determinou oficialmente que chegara o momento do uso das máscaras dado o alto grau de contaminação da Covid, os brasileiros foram pegos de surpresa. Em primeiro lugar porque muitos médicos, até então, não viam tal necessidade; em segundo, porque não tínhamos entre nós a menor tradição de usá-las, mesmo nos picos sazonais de gripe. Quem levou a recomendação a sério não o fez por um dia, por uma semana nem por um mês. Foram quase dois anos, tempo mais que suficiente para que um novo modo de proceder fosse incorporado ao dia a dia. Desde que o mundo é mundo, é mais fácil nos habituarmos a novas situações que largarmos antigos comportamentos – só se faz exceção o viver na pobreza, sobretudo se isso acontece após a experiência do luxo e da riqueza. As máscaras, para uma multidão de brasileiros, em seu jeito informal de tocar a vida, serviram para combinar cuidado com a saúde e um novo estilo de ser. E, para essas pessoas, elas vieram e permanecerão. “Daqui para frente, só de máscara. Aonde vou, ela está em meu rosto”, diz Karla.
O Japão está entre os países em que o número de vítimas fatais devido à Covid (cerca de vinte e seis mil pessoas) foi bastante reduzido se cotejado com outras nações, incluindo o Brasil. Motivo: o vírus já encontrou a população japonesa utilizando máscaras. Antecipou-se ela a essa pandemia? Não. Antecipou-se, isso sim – e há milhares de anos -, na prevenção de todas as doenças transmitidas e contraídas pelas vias aéreas superiores. Quando alguém está doente, usa máscara para não infectar outra pessoa; se não está enfermo, a utiliza para continuar sem contaminação. Com o enfoque na saúde individual e pública, a máscara tornou-se uma questão cultural.
A tradição vem desde o século 16: cobria-se boca e nariz com ramos da planta sakaki (sagrada no país), visando a impedir que o “hálito sujo” fosse lançado ao ar. A planta cedeu lugar às máscaras em 1918, com o advento da gripe espanhola que matou cerca de cem milhões de pessoas no planeta — esse é o momento no qual os japoneses aderem em definitivo àquela que é a mais segura profilaxia não farmacológica. Eles concebiam as máscaras como mais um instrumento da incipiente industrialização do início do século 20, e entra aí o conceito de ar impuro. Tal conceito é compreensível, ainda hoje, para um povo que enfrentou duas bombas atômicas, uma epidemia de Sars e assistiu à destruição, por um tsunami, da Usina Nuclear de Fukushima.
*IstoÉ
Sexta-feira, 18 de março 2022 às 11:59
A pandemia ainda não acabou, proteja-se e não vá na onda de politicos em epoca de eleição, continue usando os meios de proteção.